sexta-feira, 23 de maio de 2014

Sentença TAC Dragão

Processo nº 12.44TACD
Acção Administrativa Comum

Relatório

Amigos do Bobby, Organização Não Governamental de Ambiente, pessoa colectiva de tipo associativo, inscrita no Registo Nacional das Associações Não-Governamentais de Ambiente sob o n.º 352478987, e sede na Rua do Ambiente Verde, n.º 155, 1.º Esquerdo, 3000-021, Dragão, aqui representada pela sua Presidente, Madalena Diogo Cão, propôs neste tribunal ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM, com vista à condenação da Ré Munícipio do Dragão à construção de um canil e, da condenação da Ré Sociedade Protectora dos Animais/ Secção Norte ao encerramento do seu centro de recolha de animais de companhia.
A Ré Sociedade Protectora dos Animais / Secção Norte, pessoa colectiva de tipo associativo, inscrita no Registo Nacional das Associações Não-Governamentais de Ambiente n.º 157 112 789, e sede na Rua Vida Animal, n.º 35, 2.º Esquerdo, 3000-235, Dragão, veio contestar a ação, na qualidade de demandado, pedindo a improcedência do pedido.
O Réu Município do Dragão, pessoa colectiva n.º 610 006 178, com sede em Praça do Município, n.º 1, 3000-001, Dragão, veio contestar a ação, na qualidade de demandado, pedindo a improcedência do pedido do autor.



Fundamentação

Dos Factos

Tendo em conta as provas apresentadas e a força probatória dos seus meios de prova, o tribunal considera como provada a seguinte matéria de facto:

1 – O município do Dragão tem uma população de 250 000 habitantes, de acordo com o último censo.
2 – A Ré SPA, instalou um canil, sem fins lucrativos, em instalações fabris, sitas em Rua Direita, Lote A, Dragão, 1200-784,Município do Dragão.
3- As instalações fabris em causa encontravam-se devolutas antes da instalação do canil da Ré SPA.
4 – As instalações do canil foram cedidas, provisoriamente, pelo Município do Dragão, à Ré SPA.
5 - O canil instalado alberga, atualmente, três centenas de animais.
6-Os animais albergados no canil vivem em condições miseráveis.
7 - O espaço apresenta humidade excessiva e ausência de isolamento sonoro.
8 -A situação atual do canil provoca danos graves ao bem-estar dos animais, bem como ao ambiente e saúde pública.
9 – A situação do canil da Ré leva à propagação de doenças à zona residencial próxima, mormente Leptospirose e Leishmaniose.
10- O canil da Ré causa incómodos à população, nomeadamente no período noturno, dado o ruído excessivo devido à ausência de isolamento sonoro.
11 – A situação de mau cheiro causado por dejetos, restos de comida, proliferação de ratos e falta de limpeza agravou-se desde o início de 2013.
12- A Autora enviou várias cartas à Ré Sociedade Protectora dos Animais/Secção Norte relatando a situação.
13- A Ré SPA nunca respondeu às cartas enviadas pela A.
14- A A. deu início a uma campanha na internet e no facebook, apelando à adoção dos cães abandonados.
15 – Esta campanha permitiu que o cão Bobby tivesse encontrado novos donos 
 16 – Não foi realizada avaliação de impacto ambiental dos riscos graves para o ambiente e para a saúde pública da instalação do canil em zona residencial.
17 – A A. requereu que fossem tomadas as providências necessárias decorrentes das suas competências para por cobro à situação mas não obteve resposta.
18-No dia, a 18 de Setembro de 2013, foi enviada carta registada ao Presidente do Município do Dragão, Réu, questionando acerca da existência de um canil municipal e sobre a cedência das instalações, sem obter resposta.
19 – Ficou provado a existência de um centro de recolha de animais intermunicipal na Rua Professor Coutinho de Abreu, n° 13, 1234-5678 no Município X.
20 –O centro de recolha de animais do Município X foi instalado por decisão conjunta deste com o Município do Dragão, Y e Z,  cujas obras foram concluídas em 13 de fevereiro de 2000.

Do Fundamentos de Direito

Dos Direitos dos Animais, Saúde Pública e Ambiente

A A. alegou ser tarefa fundamental do Estado, nos termos do artigo 9º, alínea d) da CRP, de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais. 
Alegou também o artigo 66.º/1 da C.R.P., “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”. Devendo proteger-se a natureza e a estabilidade ecológica (cfr. artigo 66.º, n.º 2, alíneas c) e d) da C.R.P.). 
Além disso, o artigo 2.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 17/2014, de 14 de Abril) estabelece que “compete ao Estado a realização da política de ambiente, tanto através da ação direta dos seus órgãos e agentes nos diversos níveis de decisão local, regional, nacional, europeia e internacional, como através da mobilização e da coordenação de todos os cidadãos e forças sociais, num processo participado e assente no pleno exercício da cidadania ambiental”. 
Alegou também que “a CRP não se limita a promover o bem-estar e a qualidade do povo. Pois, embora a C.R.P. não destaque, directamente, os animais não selvagens (domésticos), como objeto de protecção especial, a verdade é que manda promover, nos termos do art. 66.º, n.º2, alínea g), a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente.”
Elencando outros diplomas, a A. elucidou este tribunal acerca do conceito de animais de companhia enquanto seres “somoventes”, cujos direitos estariam a ser violados pela atuação das Rés.
Dos factos provados em 9º, 10º e11º, decorre que a população sente que a situação do canil atenta contra a sua saúde e ao seu direito a um ambiente de vida sadio. 
O Tribunal teve em conta tais considerações da A., no entanto, por mais boa vontade e respeito pela Constituição da República Portuguesa e seus princípios fundamentais, o presente Tribunal não pode daí retirar uma ordem material que fundamente os pedidos que a A. pretende ver satisfeitos com a presente ação.
Tais fundamentos em nada relevam para a decisão da causa, pelo menos nos termos invocados pela A., pelo que o tribunal se abstém de proceder a uma análise mais profunda.

Da ausência de Avaliação de Impacto Ambiental

Da matéria de facto apurada, resultou que a Ré SPA não realizou o procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 151-B/2013, relativo à Avaliação de Impacto Ambiental, em relação ao centro de recolha e alojamento de animais de companhia.
À luz do regime jurídico vigente, estavam sujeitos a AIA os projectos que se encontravam previstos nos anexos I e II do diploma (artigo 1º/2), bem como os projectos que, por decisão do Ministro da tutela e do Ministro do Ambiente, fossem sujeitos a AIA, em função das suas especiais características, dimensão e natureza (artigo 1º/3). Analisando os referidos anexos, não é possível encontrar uma referência ao tipo de projeto em análise na causa. Assim, é este tribunal obrigado a concluir que o referido projeto não se encontra abrangido pela obrigação de proceder a uma avaliação de impacto ambiental. 
Conclui-se portanto, que a Ré SPA não se encontra em falta por não ter realizado tal procedimento. A alegação da A. não tem, pois, fundamento.
Ainda que o diploma sujeitasse tal projeto ao procedimento previsto no referido diploma, daí não se retiraria uma norma que permitisse a este tribunal determinar o encerramento do referido estabelecimento, pelo menos, nos termos invocados pela A.

 Do centro de recolha e alojamento de animais de companhia da Ré SPA

Alegou a A, que a Ré SPA, não cumpriu os seus deveres, decorrentes do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, alterado pelos Decretos -Leis n.os 315/2003, de 17 de dezembro, e 265/2007, de 24 de julho, pela Lei n.º 49/2007, de 31 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro, que estabelece os procedimentos para o exercício da atividade de exploração e o funcionamento dos alojamentos para os animais de companhia. 
Entende-se por animal de companhia, qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia (cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro. Ora, a Ré SPA alberga, entre outros, cães e gatos, animais de companhia para efeitos do referido diploma.

Da matéria de fato resultou que a Ré se encontra em incumprimento dos seus deveres, decorrentes, nomeadamente do . 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 4 (ex vi, art. 42.º), que prescreve as condições dos alojamentos a adoptar para os animais. 
 A A. alegou o desrespeito:
- do artigo 9º, relativo a fatores ambientais como temperatura, ventilação, luminosidade, entre outros;
- do estabelecido no artigo 12º, relativo á necessidade de um plano de alimentação bem definido, de valor nutritivo e adequado às necessidades dos animais;
- do art. 14.º (ex vi, art. 42.º), por ausência do cumprimento dos padrões de higiene adequados;
- do artigo 16º, dada a ausência de programa de profilaxia médica e sanitária, que acautelam os cuidados de saúde dos animais. 
- do art. 41.º e 42º, pela inexistência de instalações adequadas para assegurar as suas necessidades básicas vido à ausência de instalações por espécie e instalações diferenciados para enfermaria, higiene, armazém, manuseamento de alimentos, lavagem de material e armazém de material e equipamento limpo. 
- do art. 42.º, n.º 2, por ausência de sala de quarentena. 

- do art. 15.º (ex vi, art. 42.º), que prescreve que os alojamentos devem assegurar que as espécies animais neles mantidas não possam causar quaisquer riscos para a saúde e para a segurança de pessoas, outros animais e bens. 

Face à matéria de facto apurada resulta que o Tribunal não tem elementos probatórios suficientes para determinar o incumprimento dos referidos deveres legais. Não obstante haver fortes indícios de que o referido canil não dispõe das condições exigidas, ainda assim, mesmo que este incumprimento tivesse sido provado, é alheio à competência deste Tribunal, no que concerne ao pedido formulado. Veja-se o disposto nos artigos 68º e seguintes do DL 260/2012. Efetivamente, no que toca ao incumprimento das disposições do diploma, uma das consequências possíveis é o encerramento do estabelecimento, como previsto no artigo 69º -e). No entanto, olhando com atenção, reparamos que se trata de sanção acessória no âmbito do procedimento contra-ordenacional, procedimento que não se encontra na esfera deste tribunal, mas antes da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, como estabelece o artigo 70ºnº1.
Assim, nos termos invocados pela A. não pode este tribunal condenar a Ré SPA no pedido.

Do Centro de Recolha e Hospedagem Municipal

Analisando o pedido da parte autora, quanto à condenação da ré Município do Dragão, e os documentos apensos aos autos, observa-se que os municípios do Dragão, X, Y e Z constituíram uma CIM (Comunidade Intermunicipal), em conformidade com a Lei nº 45/2008. 
Dessa forma, resta-se claro que a criação da CIM supre a necessidade de criação de canis em apenas um município, considerando a associação de no mínimo três municípios. 
Portanto, a existência de um canil no município X, conforme o alegado pelos réus em sede de contestação, supriria a necessidade de construção de um canil no município de Dragão, considerando a associação constituída, de acordo com anexo III da Contestação do Município.
Conforme as testemunhas ouvidas em audiência, considerou-se provada a existência do Centro de Recolha de Animais, na Rua Professor Coutinho de Abreu, n° 13, 1234-5678 no Município X, cujas obras foram concluídas em 13 de fevereiro de 2000.
Desta forma, as alegações de inexistência de um Canil Municipal feitas pela parte autora não podem proceder, visto que o município do Dragão cumpriu os requisitos do disposto no artigo 23 e artigo 33, 1, alínea ii da Lei 75/2013 e do artigo 2°, alínea t, do DL 276/2001, de 17 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro e pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro), que estabelece que os centros de recolha podem ser considerados: “qualquer alojamento oficial onde um animal é hospedado por um período determinado pela autoridade competente, nomeadamente os canis e gatis municipais”.
Tendo em vista que se restou provada a existência de um canil municipal no município X, que abrange também os Municípios do Dragão, Y e Z, verifica-se cumprida a obrigação da Ré Município do Dragão.

Decisão

Pelo exposto decidiu o Tribunal declarar improcedentes os pedidos da A. e consequentemente absolver a Ré SPA, do pedido de condenação ao encerramento do centro de recolha e hospedagem de animais e, absolver a Ré Município do Dragão, do pedido de condenação à criação de um centro de recolha e hospedagem de animais Municipal. 
Custas pagas pela Autora

Lisboa, 23 de Maio de 2014
A equipa de juízes, 
Ana Oliveira 
António S. Moura 
Carolina Josefa
Daniella Bontorin
Fernanda Abduch 
Gabriela Boal
Gonçalo Ferreira 
Joice Poletto
Leonor Viegas
Mayara Jade
Maria Catarina Soares 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Dificuldades do Direito Penal do Ambiente

O direito penal do ambiente, apesar de, para muitos ser uma matéria inegável, para outros, causa estranheza.

No nosso ordenamento alguns juristas, vêm como um problemas a criminalização de certos tipos de ilícitos ambientais, pois do seu ponto de vista, o direito penal do ambiente é meramente simbólico. É o caso de Winfried Hassemer e do Professor Paulo Sousa Mendes:

Winfried Hassemer diz que“o direito penal simbólico é identificável através de duas características: por um lado não serve para a protecção efectiva dos bens jurídicos; por outro lado, obedece a propósitos de pura jactância da classe política”.

Quando ao Professor Paulo Sousa Mendes, este afirma que se trata de “um direito penal fortemente impregnado de conotações programáticas e ideológicas, mas desprovido de consequências práticas efectivas”. E diz ainda que “todo o direito penal ambiental simbólico é injusto (...) se resigna à aplicação de punições ornamentais, sacrificando alguns infractores, escolhidos ao acaso”. O Professor alega ainda que este tipo de direito penal falha nas questões de prevenção geral, quer negativa, quer positiva.

Em resumo, os juristas que citamos apontam para o facto do direito penal ambiental não proteger eficazmente o bem jurídico que visa tutelar. Dizem ainda que a criminalização de alguns dos seus danos verifica-se unicamente por questões de “moda” e que na prática é inexequível porque só é aplicável pontualmente, e mesmo assim, um pouco ao sabor dos ventos. E, por isso mesmo, afirmam que a sociedade em geral não vai acatar as normas penais sobre o tema existentes, podendo inclusive, face à sua não aplicação prática, desobedecer-lhes, constituindo tais leis um incentivo à sua própria desobediência por parte dos cidadãos.

Concluem afirmando que a criminalização de determinados comportamentos altamente lesivos para o ambiente não trava de maneira nenhuma, esses mesmos comportamentos  e formas de agir sendo, como tal, uma solução de fachada.

No entanto, e embora admitindo a existência de todas as dificuldades anteriormente elencadas, não partilhamos das posições que acabamos de expor, posições essas que são tendentes a minimizar, ou mesmo a questionar, a necessidade e utilidade real do direito penal do ambiente, e ainda a dignidade penal que o ambiente actualmente dispõe.

Como tal, cai sobre nós o ónus de as rebater.

Façamos o contraponto, justificando a necessidade desse mesmo direito penal do ambiente.

Em primeiro lugar, o ambiente é um bem jurídico previsto no texto constitucional, sendo consagrado como direito e dever fundamental, se assim é, adquire imediatamente relevância e dignidade penal.

O Professor Figueiredo Dias apresenta como insuficiente e até desaconselhável, no caso da verificação de danos mais graves a utilização estrita de sanções civis e/ou administrativas ainda que “reforçadas”. Defende mesmo que: “está-se a subtrair à tutela e às sanções penais condutas tão gravosas que põem em causa a vida planetária (...) e a solidariedade com as outras pessoas”.

Em termos práticos, temos de concordar que, quando se aligeiram juridicamente comportamentos de enorme gravidade é claramente perigoso e indesejável, tanto para a sociedade, como para o ambiente e o meio que as rodeia.

Um dos pontos negativos apresentados previamente era que o direito penal ambiental não cumpria funções de prevenção geral dado não ser eficazmente aplicado. Discordamos:

O simples facto de determinados actos contra o ambiente constituírem crime, leva a que haja uma constatação social genérica da existência de uma dada norma jurídica que deve ser obedecida. O respeito à lei penal não é determinado por critérios de quantidade, ou seja, não é por não ser aplicada tantas vezes quanto desejável, que faz os cidadãos desrespeitarem a norma. Este é um critério insuficiente, uma vez que, não só poderia ser aplicado às normas que versam sobre o ambiente, como a tantas outras do nosso sistema jurídico.

E porque a sociedade não obedece nem respeita em absoluto o seu sistema legal é que se devem aplicar normas de prevenção geral positiva.
Se se punir criminalmente certos comportamentos será exercida uma influência negativa sobre os agentes, isto no sentido de dissuadir os mesmos, a ter os comportamentos lesivos, temendo a consequência de tais actos.


Concordamos que no âmbito do direito penal do ambiente existem variadas dificuldades, mas cremos no entanto que não se deve reagir às mesmas pela fuga e pela descriminalização, pelo contrário, deve-se estudar e preservar cada vez mais na tentativa de se resolverem, ou minimizarem, as dificuldades existentes e, dessa forma, defender cada vez mais, melhor e mais eficazmente o bem jurídico aqui em causa, de facto, tão necessitado de defesa.


Maria Catarina Sampaio Soares
nº 20503

Bibliografia:
COUTINHO, Miguel Pereira - Da Responsabilidade Civil Ambiental: Sua Adesão ao Processo Penal Português
DIAS, Jorge de Figueiredo - Direito Penal , Coimbra Editora 
MENDES, Paulo de Sousa - Vale a pena o direito penal do ambiente?. Lusíada: Revista de Ciência e Cultura

Ponderação entre o Princípio da Prevenção e o Desenvolvimento Econômico

Ponderação entre o Princípio da Prevenção e o Desenvolvimento Econômico

O modo de produção capitalista indubitavelmente trouxe consigo muitos avanços tecnológicos que alteraram e facilitaram as relações e a vida em sociedade. Como na atualidade poderíamos imaginar um mundo em que elementos básicos como veículos automotores e até mesmo a energia elétrica não existissem? Esses e muitos outros avanços foram produto de uma sociedade que procurou se desenvolver a partir de elementos como utilidade, lucro e facilidades imediatas.
Após o advento das revoluções industriais, tais elementos de desenvolvimento social e econômico, se mostraram mais acentuados. Ocorre que apesar dos inúmeros benefícios alcançados para a qualidade de vida humana, o desenvolvimento trouxe consigo inumeráveis danos para o meio ambiente. Tal temática e preocupação com o meio ambiente, e consequentemente com a manutenção da vida, se tornou mais evidente e debatida na segunda metade do século XX, que podemos classificar como um “despertar da consciência ambiental”, momento em que a crença na infinidade dos recursos naturais desaparece. Muitos fóruns, debates e tentativas de acordos entre os países começaram a surgir, aliados a estudos que previam catástrofes naturais causadas por danos ambientais dentro de relativo curto espaço de tempo. Palavras-chave como camada de ozônio, derretimento de geleiras, tsunamis, extinção de recursos naturais vitais, extinção de raças de animais e plantas, dentre tantos outros, começaram a fazer parte das rotinas de ambientalistas e estudiosos.
O Direito, como esfera social coercitiva e mantedora da ordem, passou a se posicionar e a normatizar acerca da problemática ambiental, formulando princípios e convencionando acordos internacionais acerca do tema. Tudo isso partindo do pressuposto de que é preciso estudar cientificamente os possíveis danos para que seja possível prevenir ou atenuar possíveis consequências.
O Princípio da Prevenção pode ser considerado assim como um dos princípios mais basilares que norteiam o Direito Ambiental Internacional. Consiste em uma forma de prevenção de eventuais danos ambientais a partir de uma antecipação de medidas que evitem ou reduzam os danos previstos. Entre suas características mais elementares, está o fato do princípio se relacionar com a certeza científica ou alta probabilidade sobre o dano ambiental, uma vez que a prevenção tem como critério o prévio estudo do caso. O Princípio foi assim comentado por Marcelo Abelha Rodrigues:
“Sua importância está diretamente ligada ao fato de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é irreparável. Uma floresta devastada causa lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam”.
            Como descrito na mencionada passagem, o objetivo primacial da aplicação do mencionado Princípio é a proteção do meio ambiente para que não ocorram eventos que causem prejuízos até mesmo irreparáveis para a natureza.
Apesar de possuir muitas linhas de contato, o Princípio da Prevenção não se confunde com o Princípio da Precaução, uma vez que o primeiro trata de uma certeza acerca de um dano ambiental a ser concretizado (probabilidade alta), enquanto no segundo caso existe a incerteza acerca do eventual surgimento do dano, bem como sobre as possíveis extensões do mesmo. Nos casos em que a prevenção está atuando, é possível a realização da obra, desde que sejam adotadas as devidas medidas, enquanto com a aplicação da precaução, não há continuidade da obra, uma vez que o princípio in dubio pro meio ambiente irá prevalecer. É preciso destacar que essa visão sobre a total impossibilidade de realização da obra na utilização do princípio da precaução, é duvidosa na realidade prática. Vale ainda destacar que o Princípio da Prevenção tem um caráter mais atual, sendo assim construído visando tornar mais aceitáveis os danos, através da minimização dos mesmos. Isso se torna possível através da aplicação de procedimentos administrativos para coerção e sanção. Em outra medida, o Princípio da Precaução, possui um caráter mais futuro, se relacionando com a possibilidade de determinada causa gerar determinado efeito. Nos casos da precaução para que a obra continue ocorrendo ocorre a inversão do ônus da prova, pois como já dito, in dubio pro ambiente. Assim sendo, o responsável pela possível poluição deverá comprovar que a ação que pretende realizar não é possível de causar danos ao meio ambiente.
Como exposto, na aplicação do Princípio da Prevenção, os riscos ambientais já são conhecidos, devendo ter havido um estudo antecipado do caso que constatou tal fato. Tais riscos são assim identificados por meio de pesquisas, acontecimentos anteriores no decorrer da história, dados, informações diversas. A partir desses conhecimentos é que se torna possível adotar medidas para inibir ou minimizar danos ao ambiente.
                        O Princípio da prevenção é imprescindível para a estruturação de uma política de proteção ao meio ambiente, devendo ser organizado e implementado pelos Estados, uma vez que a manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado é uma missão da humanidade.
            O debate sobre o princípio da prevenção é muito atual, uma vez que as degradações do ambiente podem ter impactos irreversíveis, sendo assim muito importante a ação antecipada.
            A grande meta e a grande utilidade do Princípio da Prevenção é justamente o planejamento ambiental, que ocorre após o estudo dos impactos ambientais. O Direito do Ambiente tem assim a função social de permitir a integração do desenvolvimento econômico e de um meio ambiente ecologicamente, ambientalmente equilibrado e saudável. Assim sendo, a prevenção não representa barreira ou entrave ao desenvolvimento, mas uma nova forma de alcançá-lo, através de conceitos de sustentabilidade ambiental.
            Os estudos do princípio da prevenção demonstram que para o desenvolvimento social continuar ocorrendo, é preciso que esse esteja entrelaçado com a proteção do meio ambiente, para que a qualidade e possibilidade de vida na terra estejam presentes.
            O Direito ambiental e o Princípio da Prevenção atuam e normatizam regras com o objetivo de conciliar tais pilares, quais sejam: meio ambiente e desenvolvimento econômico e social. Tais elementos não podem assim ser tidos como antagônicos e paradoxais, mas complementares em uma busca para a melhoria da qualidade de vida humana, animal, e natural.
            Assim sendo, é válido destacar que as políticas ambientais não menosprezam, nem menoscabam as inúmeras melhorias trazidas pela industrialização e pelo desenvolvimento econômico. O objetivo de tais princípios pró-ambiente, como o Princípio da Prevenção, é apenas buscar uma nova forma de desenvolvimento, partindo de critérios como sustentabilidade e ponderação dos impactos que um projeto poderá causar ao meio ambiente.
            O Direito atua assim para tornar possíveis essas mudanças, através de metas de prevenção, que acarretam coerção e sanção em caso de descumprimento por parte dos envolvidos, como indústrias, particulares, empresas, dentre outros. O objetivo primacial do Princípio da Prevenção é aliar proteção e desenvolvimento, com o aproveitamento racional dos recursos naturais.
           
Bibliografia:
Gomes, Carla Amado, Elementos de apoio à disciplina de Direito Internacional do Ambiente. Lisboa. 2008.
Antunes, Paulo de Bessa, Direito Ambiental, 10. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
Rodrigues, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental - parte geral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005.

RAFAELA DIAS REZENDE (ERASMUS) (24511)

Breves Considerações acerca do Princípio do Poluidor Pagador

Breves Considerações acerca do Princípio do Poluidor Pagador

            O estabelecimento de limites de Direito Ambiental em um ordenamento jurídico nacional se mostra um desafio difícil, uma vez que o Direito do ambiente, apesar de disciplina autônoma, se mostra muitas vezes conexo a outras áreas jurídicas, como o Direito Civil, Administrativo, Constitucional, Urbanístico, Penal. Ademais, além da problemática legal, o estabelecimento de uma extensão territorial de abrangência e aplicação do Direito também se mostra um desafio, uma vez que esse por muitas vezes ultrapassa os limites e fronteiras nacionais e alcança esferas internacionais, devendo ser encarado como um direito com planos nacionais, regionais e internacionais.
            Entre os pilares do Direito do Ambiente em sua perspectiva internacional está o Princípio do Poluidor Pagador. Tal princípio consiste na imputação do dano ambiental ao poluidor, responsabilizando-o e fazendo-o suportar os custos decorrentes do ato poluidor, sendo evitada dessa forma a impunidade daqueles que lesionam o meio ambiente.
            Internacionalmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio da Recomendação C (72), 128, de 1972, incorporou o princípio do Poluidor-Pagador. Em 1987, através do Ato Único Europeu, os ordenamentos jurídicos de todos os países da comunidade europeia, bem como o Conselho da Europa, aceitaram o Princípio do Poluidor-Pagador, o que representou uma forma de reconhecimento formal do aludido princípio. É valido ainda mencionar, que a Declaração de Estocolmo de 1972, já havia iniciado sua concordância com a responsabilização do poluidor, sendo que no preâmbulo da referida consta:
 “Atingir tal fim, em relação ao meio ambiente, exigirá a aceitação de responsabilidades por parte de cidadãos e comunidade, e por empresas e instituições, em todos os níveis, participando de maneira justa nos esforços comuns”.
            Como referido acima, aos poucos os países foram internacionalmente assumindo compromissos em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, impondo ao poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar eventuais prejuízos causados ao meio ambiente.
            O Princípio do Poluidor Pagador deve ser implementado na ordem de todos os países, principalmente os com muitas relações comerciais. Assim o “environmental dumping”, situação em que um poluidor explora ambientes pertencentes a outros Estados, não gera impunidade. No caso da aplicação do princípio, mesmo quando a localização é em um local diferente do Estado que poluiu, devem os poluidores ser responsabilizados.
            O Princípio do Poluidor Pagador (PPP) e o Direito ambiental como grande corolário tratam da tutela de direitos difusos, ou seja, aqueles que possuem caráter coletivo, humanitário, não se referindo a apenas uma pessoa, mas a sociedade como um todo. Esse caráter tão abrangente e com consequências tão globais, faz com que a responsabilização dos degradadores e causadores dos danos ambientais, os poluidores, seja objetiva. A responsabilidade objetiva significa que independente de culpa ou intenção devem os infratores ser responsabilizados, uma vez que assumiram os riscos.
            O Direito Ambiental caminha assim para sustentar a ideia de que o ônus financeiro e ambiental decorrente da ação de particulares deve ser imputado aos próprios causadores, não devendo a sociedade como um todo arcar com tal prejuízo.        
            Apesar da importância do PPP, é preciso destacar que sua aplicação concreta ainda apresenta muitas dificuldades, como a determinação do seu real conteúdo normativo, uma vez que esta ainda não foi precisamente delimitada. Apesar disso, a importância do principio é evidente, uma vez que estimula a utilização racional dos recursos ambientais e aumenta os investimentos e pesquisas em outras formas menos poluentes e nocivas de produção e desenvolvimento econômico e capitalista.
           
Bibliografia:
Antunes, Paulo de Bessa, Direito Ambiental, 10. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972.

Gomes, Carla Amado, Elementos de apoio à disciplina de Direito Internacional do Ambiente. Lisboa. 2008.

Rodrigues, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental - parte geral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, 2. ed., Coimbra: Almedina, 2005.
           
RAFAELA DIAS REZENDE (ERASMUS ) (24511)



domingo, 18 de maio de 2014

Resíduos Industriais Perigosos


Resíduos Industriais Perigosos

É reconhecido que a visão de desenvolvimento que impera actualmente em todo o mundo, privilegia a redução dos custos associados aos processos produtivos, o que na maioria dos casos, conduz a uma negligência na abordagem das questões relacionadas com os impactos ambientais que estes processos normalmente acarretam.
Os resíduos são todas as substâncias de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de o fazer, os quais se encontram classificados considerando o Catálogo Europeu de Resíduos, CER, Portaria nº 818/97 de 5 de Setembro.
Os resíduos industriais são gerados pelas actividades industriais e, apesar dos esforços desenvolvidos pela maioria das grandes indústrias, em controlar a produção destas substâncias altamente poluentes, bem como dos seus impactos ambientais, os processos produtivos industriais são ainda hoje uma das maiores fontes de poluição.
 Geram assim uma elevada quantidade de lixo, sólido, líquido e gasoso, responsável pela contaminação do ar, da água e do solo, o que constitui uma preocupação actual, a nível dos organismos europeus, tanto mais que, um dos grandes objectivos da Comissão Europeia até 2020, é combater a poluição atmosférica e reduzir o número de doenças e mortes dela resultante e consequentemente aumentar a esperança de vida.
No entanto, a poluição industrial pode comprometer a concretização deste objectivo, uma vez que existe uma enorme diversidade de indústrias e para travar os impactos ambientais, é necessário recorrer a diferentes tecnologias, adoptar diferentes soluções técnicas, todas elas bastante dispendiosas, cuja aplicação muitas vezes é limitada.
Por outro lado, há ainda a considerar, na produção diária das indústrias a emissão de resíduos industriais perigosos, que constituem uma ameaça real à saúde pública e ao meio ambiente, pois estes resíduos contêm características de elevada perigosidade, devido às substâncias tóxicas, corrosivas, venenosas, inflamáveis, oxidantes, radioactivas e infecciosas que fazem parte da sua composição.
Estes resíduos são conhecidos e encontram-se classificados na Lista de Resíduos Perigosos, aprovada em decisão do Conselho da União Europeia.
Numa tentativa de minimizar os efeitos nefastos sobre os ecossistemas, torna-se assim indispensável efectuar uma avaliação rigorosa do impacto ambiental causado pela geração destes resíduos, fazer um controlo rigoroso do seu impacto e a partir daqui, escolher a melhor solução para o seu tratamento.
Para a concretização destas medidas, é necessário conhecer o tipo de resíduo libertado, a quantidade libertada, e a sua composição, o que ainda não é possível em muitos dos casos, o que traz dificuldades acrescidas na gestão e adopção deste tipo de medidas.
Efectivamente os dados disponíveis e que constituem a base de trabalho, baseiam-se apenas em estimativas: 400 milhões de toneladas por ano de resíduos perigosos são libertados para atmosfera.
Outro aspecto, não menos importante, diz respeito à enorme quantidade de produtos químicos que são hoje conhecidos, (sete milhões) e que fazem parte da composição destes resíduos, cuja toxicidade está bem comprovada e bem caracterizada.
No entanto, a par destes produtos, são sistematicamente introduzidos outros novos, dos quais apenas uma pequena percentagem é testada quanto à toxicidade, o que provoca um desconhecimento das suas características tóxicas, facto que traz dificuldades acrescidas, na gestão dos riscos ambientais.
Em Portugal, a caracterização da periculosidade dos resíduos encontra-se definida no anexo III da Portaria nº 818/97 de 5 de Setembro, onde estão sistematizados catorze tipo de resíduos perigosos, designadamente explosivos, comburentes, irritantes, nocivos, tóxicos, cancerígenos, corrosivos, infecciosos, teratogénicos, entre outros.
As substâncias e produtos químicos que conferem a periculosidade a estes resíduos, podem ser identificadas no Decreto-Lei, 273/98 de 2 de Setembro, enquanto que o Decreto-Lei nº 82/95 de 22 de Abril determina quais os métodos a utilizar na aferição destas características.
O tratamento dos resíduos industriais perigosos (verificada que foi a necessidade de tratamento, eliminaram-se as situações em que os resíduos sólidos eram amontoados e enterrados, os líquidos despejados em rios e mares e os gases lançados no ar) é outra das grandes preocupações que tem feito parte do debate público, este com carácter bastante polémico.
A nível de opinião pública, o conceito de tóxico, associado aos resíduos industriais perigosos, tem como consequência o receio de que qualquer processo de tratamento, produza gases nocivos, sobretudo para a saúde pública.
Face à polémica muitas vezes instalada, impõe-se sempre uma avaliação cuidadosa das alternativas existentes, para poder inferir até que ponto tem validade adoptar uma estratégica genérica para um número significativo de resíduos industriais, perante a grande variedade de substâncias.
As condições operacionais devem ser implementadas, de forma de a garantir, com uma boa margem de segurança, que estas condições de combustão, sejam de tal modo eficazes e que levem à destruição dos resíduos.
Actualmente, a Europa debate-se com este problema, tentando seleccionar os métodos e as práticas mais eficazes para este tratamento, as quais devem,  simultaneamente, garantir um elevado nível de protecção ambiental num mercado de livre concorrência.
A escolha dos equipamentos utilizados no tratamento dos resíduos, é também um aspecto muito importante que deve ser analisado e baseia-se numa combinação de diversos factores: a valorização energética de substâncias consideradas irrecuperáveis, o investimento reduzido, a performance técnica desses equipamentos e o acréscimo de competitividade que resulta da utilização de combustíveis mais baratos, como matéria prima, que traz vantagens acrescidas pela diversificação das fontes energéticas que proporciona.
A co-incineração é o método de tratamento mais generalizado na Europa e é utilizado em países como a Bélgica, Alemanha, França e Reino Unido. Os resíduos industriais em combustão servem de matéria prima, em substituição  do combustível comum.

Bibliografia:
FORMOSINHO, Sebastião, PIO Casimiro, BARROS, Henriques, CAVALHEIRO, José “Parecer Relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos”
ALMEIDA RIBEIRO, João Carlos, “RESÍDUOS EM PORTUGAL ,Contribuição para a compreensão dos fluxos de resíduos e materiais de fileiras industriais em Portugal”

Leonor Viegas, nº 20958

Direito do Ambiente e Energias Renováveis


Citando a Professora Doutora Carla Amado Gomes, “O Direito do Ambiente tem com o Direito da Energia fronteiras muito próximas. Praticamente todos os recursos naturais têm potencial energético, eléctrico ou motriz, dualidade que gera desde logo grande afinidade. (...)

O aquecimento global e a necessidade de reduzir o índice de gases com efeito de estufa na atmosfera reforçaram o imperativo de transformação dos modelos de produção de energia.

Na Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho de 31 de Janeiro de 2011 [COM (2011)31 final: Renewable Energy: Progressing towards the 2020 target], a Comissão Europeia sublinha a importância de cumprimento das metas de produção de energia a partir de fontes renováveis (vinculativas a partir da nova directiva de 2009), a aposta na incorporação de biocombustíveis no sector dos transportes e o incremento da eficiência energética, garantindo o indispensável apoio financeiro a esta monumental operação de reconversão energética.”.



· Mas o que é uma fonte de energia renovável?
Diz-se que uma fonte de energia é renovável quando não é possível estabelecer um fim temporal para a sua utilização. É o caso do calor emitido pelo sol, da existência do vento, das marés ou dos cursos de água. As energias renováveis são virtualmente inesgotáveis, mas limitadas em termos da quantidade de energia que é possível extrair em cada momento. Caracterizam-se pela capacidade que têm de se regenerar e, como tal, serem virtualmente inesgotáveis e, ainda, por respeitarem o ambiente.



Quais os benefícios das energias renováveis?

- Podem ser consideradas inesgotáveis à escala humana quando comparadas aos combustíveis fósseis;
- O seu impacto ambiental é menor do que o provocado pelas fontes de energia com origem nos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), uma vez que não produzem dióxido de carbono ou outros gases com “efeito de estufa”;
- Oferecem menos riscos do que a energia nuclear;
- Permitem reduzir as emissões de CO2, melhor a qualidade de Vida (um Ar mais limpo);
- Reduzem a dependência energética da nossa sociedade face aos combustíveis fósseis;
- Conferem autonomia energética a um país, uma vez que a sua utilização não depende da importação de combustíveis fósseis;
- Conduzem à investigação em novas tecnologias que permitam melhor eficiência energética.



· Caso português:

Portugal assistiu, nos últimos 20 anos, a uma profunda reconversão energética. Com uma economia fortemente dependente dos combustíveis fósseis e sem energia nuclear, o Governo português antecipou-se à exortação da União Europeia, lançada na primeira directiva das renováveis (de 2001) ― no sentido de alcançar a meta indicativa global de 22% do consumo interno bruto de energia em 2010 ― e ainda antes da viragem do século promoveu incentivos à produção de electricidade a partir de outras fontes renováveis para além da clássica hídrica. Este desafio foi abraçado pelos operadores económicos, que viram no potencial eólico e solar uma janela de oportunidade1.

Segundo dados da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), o total de energia eléctrica produzido em Portugal a partir de fontes renováveis quase triplicou, entre 1995 e 2011 (de 9.501 Gwh para 25.612 Gwh). Em termos de fontes individualizadas, os acréscimos são os seguintes, em Gwh:

- Hídrica> 10Mw: 7.962 / 11.253
- Hídrica <10 Mw: 792 / 862
- Biomassa: 988 / 3.849
- Eólica: 16 / 9.161
- Geotérmica: 42 / 210
- Fotovoltaica: 1 / 277




· Quadro legislativo em Portugal

- Portugal dispõe de um regime de enquadramento da produção de electricidade a partir de fontes renováveis desde 1988, ano em que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de Maio. A razão preponderante deste diploma não foi, no entanto, a promoção de alternativas energéticas – desde logo, a alínea b) do nº 1 do artigo 1º) menciona também combustíveis fósseis (de produção nacional) –, mas antes a regulação do estatuto do pequeno produtor de electricidade. A autoprodução passou a poder ser exclusiva, estabelecendo o DL 189/88 um direito de comercialização da energia produzida. A oportunidade do diploma ficou também marcada pela necessidade de viabilizar o aproveitamento dos fundos do Programa VALOREN [Regulamento (CEE) 3301/86, de 27 de Outubro], que previa ajudas a pequenas empresas electroprodutoras, através de procedimentos ágeis.
O DL 189/88 foi expressamente alterado por cinco vezes, tornando-se, por um lado, cada vez mais o quadro específico de actividades de produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis (tendo caído a referência a combustíveis fósseis) ― fixando deveres e direitos dos produtores (de entre os quais o de venda em rede própria, que veio a desaparecer), prescrevendo o procedimento autorizativo de instalação e funcionamento das centrais produtoras, e estabelecendo as tarifas aplicáveis a cada tipo de fonte renovável – e, por outro lado, um quadro cada vez mais e mais complexo nas suas interpretação e aplicação.

- A Directiva 2001/77/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de, ou Green Electricity, cujas obrigações dos Estados-membros, eram as seguintes:
i) alcançar as metas estabelecidas na Directiva quanto ao aumento de produção de energia a partir de fontes renováveis (artigo 3.º e Anexo);
ii) designar organismos competentes, independentes das actividades de produção e distribuição, para supervisionar a atribuição de garantias de origem (artigo 5.º, nº 2);
iii) rever os quadros normativos de autorização de centrais produtoras de energias renováveis, por forma a reduzir a burocracia, agilizar os procedimentos e assegurar a transparência na atribuição das autorizações (artigo 6.º, nº 1);
iv) assegurar que a energia produzida a partir de fontes renováveis seria transportada e distribuída pelas redes nacionais, podendo prever-se o acesso prioritário (artigo 7.º, nº 1);
v) exigir aos operadores de redes de transporte e distribuição que publicassem normas-padrão relativas ao pagamento de custos de adaptações técnicas, tais como ligações à rede e reforços de rede (artigo 7.º, nº 2), podendo os Estados-membros fazer suportar os custos da ligação à rede, total ou parcialmente, pelos operadores de rede (artigo 7.º, nº 3);
vi) impor aos operadores de redes de transporte e distribuição que fornecessem uma estimativa dos custos de ligação à rede ao produtor de electricidade a partir de fontes renováveis, podendoos Estados-membros prever a possibilidade de abertura de concurso relativamente à realização dos trabalhos de conexão (artigo 7.º, nº 4);
vii) reclamar dos operadores de redes de transporte e distribuição que publicassem normas padrão relativas à partilha dos custos de instalações de rede, de ligação à rede e de reforços, entre todos os produtores que delas beneficiassem (artigo 7.º, nº 5);
viii) garantir que a cobrança de tarifas de fornecimento de electricidade a partir de fontes renováveis não seria discriminatória (artigo 7.º, nº 6).

No entanto, a transposição desta directiva foi insatisfatória.
- A Directiva 2009/28/CE, Do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, e a revogação do DL 189/88 - O Conselho Europeu de Bruxelas, de 8/9 de Março de 2007, lançou a noção de Política Energética Europeia (Energy Policy for Europe, EPE). Nesta cimeira, a União Europeia apresentou novas metas para a reconversão energética no espaço europeu, através do Plano de Acção para a Energia, que viria a suportar a aprovação do Pacote Clima-Energia. Os Estados-membros decidiram ir além dos compromissos assumidos em Quioto e fixar a fasquia de redução de emissões de GEEs em 20% até 2020 (face aos níveis de 1990), arrastando consigo a produção de energia a partir de fontes renováveis, cujo índice foi igualmente indexado em 20% em 2020, assim como o ganho em eficiência energética, igualmente indiciado para 20% em 2020.


O Regime Actual:

No novo quadro regulatório introduzido pelo DL 215-B/2012, o DL 172/2006 passou a contemplar um capítulo II sobre a produção de eletricidade em regime ordinário e um capítulo III referente à produção de eletricidade em regime especial, o qual integra os aditados artigos 33º-D a 33º-Z. O novo tecido normativo introduz novidades no plano procedimental e remuneratório.


- Existe ainda um regime autónomo, relativo às energias das ondas como meio de produção de electricidade: DL nº 5/2008, de 8 de Janeiro. Em 2008, o legislador português aprovou o Decreto-Lei n.º 5/2008, de 8 de Janeiro (doravante, DL 5/2008), a fim de suportar a exploração comercial da energia das ondas.







Ana Filipa Santos de Oliveira, nº 20389

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL


 O presente tema de responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é objeto de muitas discussões e questionamentos a respeito de sua aplicação e possibilidade, principalmente considerando o papel cada vez mais presente das pessoas jurídicas na sociedade moderna. Há muito tem-se no Direito Penal Brasileiro, bem como no Direito penal romano-germânico, a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, de modo que os crimes só poderiam ser imputados as pessoas naturais nas qualidades de autores ou partícipes. Nesse sentido a pessoa jurídica é incapaz de cometer crimes, visto que estão ausentes da sua natureza jurídica a capacidade de ação no sentido penal estrito, a capacidade de culpabilidade, e a capacidade de pena. A pessoa jurídica não possui vontade própria para praticar ações, logo nullum crimen sine actione.
No Direito Brasileiro, houve um crescimento da necessidade de atualização da percepção do papel das empresas e dos danos ambientais por elas causados, visto que nas ultimas décadas os crimes ambientais passaram a ser principalmente corporativos. Apenas a utilização de sanção civil e sanção administrativa para punição e reparação do dano, não são suficientes, principalmente devido a omissão da Administração Publica Brasileira. Sendo assim, fez-se necessário a sujeição criminal ativa da pessoa jurídica, sem que necessariamente exista a culpa nos moldes de responsabilidade objetiva.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, §3, preceitua as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio-ambiente, e estabelece que “sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, à sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”. A constituição, contudo, demonstra diferença entre reparar os danos causados e sancionar administrativamente e penalmente as atividades e condutas prejudiciais.  É necessário ressaltar que a reparação de dano (natureza civil) independe de culpa do agente. Já para que haja incidência de sanção penal ou administrativa é preciso a demonstração de culpa. O legislador também definiu de forma explícita a responsabilidade criminal de pessoa jurídica na lei n 9605/1998.
Para haver a responsabilização penal da pessoa jurídica, é preciso que a ação seja cometida por seu representante legal ou órgão colegiado, e deve ser cometida no interesse ou benefício da entidade. Conforme o disposto no art. 3 da Lei citada acima, as penas aplicáveis são: multa, pena restritiva de direito e prestação de serviços a comunidade. Conforme o art 18 da Lei 9605/1998: “a multa será calculada segundo os critérios do código penal, se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.”. O valor pago não será destinado diretamente para a reparação do dano, pois o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário. Contudo, conforme a legislação brasileira,a pena máxima de multa penal é de R$ 15.550.00, sendo pouco significativa se aplicada isoladamente.
No tocante a pena restritiva de direitos, são previstos três tipos: suspensão parcial ou total de atividade, caso estas não estejam em conformidade com as disposições legais ou regulamentares relativas a proteção do meio ambiente (principalmente quando a mesma age contra a saúde humana e contra a vida vegetal e animal); a interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade, quando este estiver funcionando sem autorização, em desacordo com a autorização concedida ou com violação de disposição legal ou regulamentar; e a proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, conforme o artigo 12 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.
Por fim, poderá ser aplicada a pena de prestação de serviços à comunidade, que consistirá em “I-custeio de programas e de projetos ambientais, II-execução de obras de recuperação de áreas degradadas, III- manutenção de espaços públicos, IV- contribuições a entidades ambientais ou culturas publicas” (art. 23 da Lei 9605/1998).
É necessário ressaltar que a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui as das pessoas físicas, autores, co-autoras ou participes do mesmo fato.
Contudo, esse entendimento não é pacificado nem na doutrina, nem nos tribunais brasileiros. Justifica-se a imposição de sanção penal à pessoa jurídica nos casos em que se tem dificuldade em apontar o agente do caso delituoso, visto que muitas vezes não se pode provar ao certo sua autoria. Entretanto, há uma corrente que defende que enquanto não estiver comprovada a autoria subjetiva, não pode haver responsabilização em sede criminal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça Brasileiros entendia que era possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que a imputação também seja simultaneamente aplicada a pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, não sendo possível a atuação da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física. Contudo, em decisão recente, o STF descartou a exigência de prova da participação de agentes da empresa para imputar prática de crime ambiental à pessoa jurídica. Logo, o processo penal em face da pessoa jurídica não está vinculado à apuração e indicação de indivíduo responsável pelo fato criminoso.
Em Portugal, a responsabilidade penal das pessoas colectivas foi consagrada no Decreto/Lei 28 de 20.1.1984, adotando a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, sociedades e associações de fato. A lei 59/2007, de 04 de setembro, alterou o Código Penal Português, e no artigo 11 tratou do Princípio Geral da Responsabilidade Criminal das Pessoas Coletivas, ampliando os crimes que podem ser cometidos por pessoas coletivas. De acordo com o Código Penal Português, as pessoas que podem cometer crimes em nome da pessoa colectiva são os que recebem atribuições para, em determinada situação, agirem em nome da pessoa jurídica, em posição de liderança.

Aluna: Fernanda Silva Abduch Santos (Erasmus)

BIBLIOGRAFIA
PRADO, Regis Luiz. Direito Penal do Ambiente. 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2012.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2013.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-set-01/decisao-stf-altera-criterios-processo-penal-pessoa-juridica