Relativamente aos princípios da precaução e da prevenção, entende-se que este último se dá em relação ao perigo concreto, enquanto o primeiro é dirigido ao perigo abstracto.
O conteúdo cautelar do princípio da prevenção é dirigida pela ciência e pela detenção de informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela actividade ou comportamento, que, assim, revela a situação de maior verosimilhança do potencial lesivo que aquela controla pelo princípio da precaução. O objectivo fundamental perseguido na actividade de aplicação do princípio da prevenção é, essencialmente, a proibição da repetição da actividade que já se sabe perigosa.
Aqui, a configuração do risco e os objectivos das opções cautelares são diferenciados, uma vez que não se actua para inibir o risco de perigo pretensamente imputado ao comportamento, ou o risco de que determinado comportamento ou actividade seja um daqueles que podem ser perigosos (abstractamente) e , por isso, possam produzir, eventualmente, resultados proibidos e prejudiciais ao ambiente, mas, pelo contrário, para inibir o resultado lesivo que se sabe possa ser produzido pela actividade. Actua-se assim, no sentido de inibir o risco de dano, ou seja, o risco de que a actividade perigosa (e não apenas potencialmente ou pretensamente perigosa) possa vir a produzir, com os seus efeitos, danos ambientais.A partir desta segunda hipótese de aplicação, percebem-se dois momentos diferentes:a aplicação do princípio da prevenção está circunscrita ao segundo momento, reservando o princípio da precaução ao primeiro momento.
Desta forma, a orientação de proibição não é condicionada pelo risco de perigo potencial, que qualifica o comportamento objectado, afirmando que há risco de que o comportamento objectado seja perigoso.
Ao contrário da prevenção contra o risco, o objectivo deste princípio conserva traços de maior actualidade,cuja função é mais imediata e concreta. Objectiva-se a prevenção contra o risco de dano potencial, ou seja, contra o risco de potencial produção dos efeitos nocivos da actividade perigosa.
A prevenção justifica-se pelo perigo potencial de que a actividade sabidamente perigosa possa produzir efectivamente os efeitos indesejados e, em consequência, um dano ambiental, logo, prevenindo um perigo concreto, cuja ocorrência é possível e verosímil, sendo, por essa razão, potencial.
A emissão dos efeitos poluentes ou degradadores pela actividade perigosa é potencial, provável e verosímil. Objectiva-se a prevenção ou a cautela contra o risco de dano ou lesão oriunda da possibilidade de que a actividade perigosa produza concretamente os efeitos nocivos proibidos.
Desta forma, não basta simplesmente que se tenha a certeza do perigo da actividade, mas do perigo produzido pela actividade perigosa.
Na situação de risco de perigo, há efectivamente um estado de perigo potencial que se quer prevenir;o perigo é potencial. Na situação de prevenção, não há qualquer traço de potencialidade em relação ao perigo; o perigo deixa de ser potencial.
A este propósito, refira-se que, em ambas as situações, não é o estado ou a situação de risco de perigo que é potencial, o que é potencial é o perigo da actividade, ou o perigo produzido pelos efeitos nocivos da actividade perigosa. Logo, ou é possível que a actividade seja perigosa, ou é possível que essa actividade perigosa venha a poluir ou degradar.
Refira-se que a investigação (avaliação dos riscos) é pressuposto relevante para o procedimento de aplicação do princípio da precaução, mas a justificação de medidas precaucionais não pressupõe que a investigação tenha sido exaustiva e conclusiva no sentido de identificar, demonstrar e caracterizar todos os riscos e os seus efeitos.
Pode sustentar-se que, onde há controvérsia científica sobre a segurança do produto, actividade, técnica, método ou substância, a decisão autorizativa não pode prescindir de uma adequada avaliação científica disponível, cujo resultado, ainda que inconclusivo, será relevante para fundamentar, principalmente, a opção sobre qual a espécie e qualidade das medidas adequadas para a regulação do risco nesse momento, daí a importância da sua aplicação coordenada com o princípio da proporcionalidade.
A forma de implementação do princípio da precaução precisa de ser definida tomando-se em consideração o contexto de uma sociedade mundial do risco, na qual se reconhece a incapacidade dos cientistas, na previsão e compreensão da realidade dos riscos.
Assim, relativamente às condições de aplicação do princípio, também ser reconhecidas as limitações do conhecimento científico, sobretudo porque não possuem mais condições de prover o nível de informação adequado no momento oportuno, exigindo-se novas formas de implementação que permitam remover essa definição na orientação das decisões.
A implementação do princípio da precaução deve ser realizada a partir de bases democráticas sólidas de gestão de informação, considerando-o como instrumento de gestão pro-activa do conhecimento, no qual a ciência compartilha hoje uma função que antes lhe era reservada com exclusividade:a de orientar de que formas as decisões sobre os riscos deverão ser tomadas.
As medidas propostas devem representar decisões de elevada qualidade pública e plural, em cuja formação deve concorrer igualmente a intervenção da sociedade, uma vez que é a instância central na consideração e no julgamento sobre a tolerabilidade daqueles riscos.
O princípio da precaução afirma que o preço da segurança não pode ser determinado pelas instituições e pelos especialistas. Os custos da segurança compreendem uma questão eminentemente social, que só pode ser decidida no espaço público e a partir de condições de elevada qualidade democrática, mediante garantia de uma participação adequada e de interferência oportuna nas decisões.
A inversão do ónus da prova pela avaliação dos riscos é também outra medida bastante representativa da aplicação do princípio da precaução e envolve o deslocamento da responsabilidade da produção das provas científicas, mediante a aplicação do princípio da autorização prévia para aqueles comportamentos ou actividades reputados como perigosos ou que inspiram maiores cuidados no controlo da liberdade de actuação.
Contudo, de acordo com o princípio da proporcionalidade, entende-se que as medidas ou decisões tomadas devem não apenas ser suficientes, mas necessárias e adequadas a permitirem que o nível de protecção desejado seja atingido, de modo que não possam ser consideradas, em princípio, as orientações decisórias que indiquem que o caminho do non facere em atenção a uma pretensão de risco zero, elegendo como fundamento o estabelecimento de uma relação de absoluta hierarquia de que gozaria o bem ambiental.
Assim, de acorso com as necessidades concretas de intervenção deve optar-se pela decisão que permita atender, de forma mais satisfatória, à redução ou eliminação daquela determinada e específica situação concreta de risco ou perigo, indicando medidas de redução, substituição ou interdição do comportamento perigoso e, em último caso, não pode vedar a possibilidade da busca do risco zero.
Deste modo, tem-se que a incerteza não superada pelos procedimentos de avaliação de riscos não pode ser razão de justificação para obstar a implementação de medidas precaucionais.
De acordo com o princípio da proporcionalidade,a simples natureza da actividade não pode ser critério razoável para um tratamento excessivo.
A protecção do ambiente não é, na relação de ponderação, hierarquizada em relação de precedência absoluta e exclusão prima facie, de pretensões e interesses de quaisquer naturezas. O que se exige não é a diminuição dos padrões de controlo ou o excesso, mas a imposição das medidas necessárias e adequadas à consecução dos mesmos padrões de qualidade ambiental.
Por seu lado, o Professor Vasco Pereira da Silva, preferível à distinção entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos, é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente, pelas seguintes razões:
- de natureza linguística ,uma vez que a distinção entre prevenção e precaução parece assentar numa identidade vocabular, não se vendo vantagens em introduzir uma diferenciação aparente que encontra correspondência na linguagem comum,considerando, por isso, que o mais importante é ir "além das palavras", integrando no conteúdo do princípio da prevenção uma dimensão que permita abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio- ambiente, sejam elas actuais ou futuras;
- de conteúdo material, dado que nem são unívicos os critérios de distinção entre prevenção e precaução, muito menos resultados a que conduz a autonomização desse último princípio cujo conteúdo pode ir desde uma sensata exigência de ponderação jurídica consideradora da dimensão ambiental dos fenómenos, até a interpretações eco- fundamentalistas susceptíveis de afastar qualquer realidade nova.
Mais, as propostas de autonomização do princípio da precaução assentam em critérios muito diversificados, nem sempre permitindo separar de forma inequívoca os domínios correspondentes a essa nova realidade. Assim, o Professor não crê ser adequado distinguir o âmbito da prevenção em razão de "perigos" decorrentes de causas naturais e a precaução em função de "riscos", que seriam provocados por acções humanas.
Da mesma maneira, considera inadequado distinguir prevenção e precaução em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, já que, no domínio das lesões ambientais, uns e outros se encontram interligados.
Deste modo, o Professor considera que a melhor forma de defender o ambiente passa pela "filtragem", de acordo com regras de bom- senso, de algumas preocupações inerentes a essa tentativa de autonomização principal, adoptando uma noção ampla de prevenção;
- de técnica jurídica, uma vez que o ordenamento português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional,no art.66º/2 a) C.R.P. , com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos.
Bibliografia:
- Leite, José Rubens Morato/ Ayala, Patryck de Araújo, "Direito Ambiental na Sociedade de Risco", 2ª edição, Forense Universitária
- Silva, Vasco Pereira, "Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente", Almedina
Rafaela Pires, aluna nº19820
Rafaela Pires, aluna nº19820
Tem partes inteiras transcritas de José Rubens Morato Leite / Ayala, Patryck de Araújo Ayala, "Direito Ambiental na Sociedade de Risco", 2ª edição, Forense Universitária.
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