1. Introdução.
Nesta
postagem pretende-se, de maneira breve, analisar o instituto da
Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas no cometimento de crimes
ambientais sob a égide da legislação brasileira.
Tratar-se-à,
sucintamente, da Teoria da Ficção Jurídica, de Savigny, e da Teoria da
Realidade, de Otto Gierke, bem como do posicionamento das Cortes brasileiras a
cerca do assunto, tomando como exemplo o memorável caso do derramamento de
quatro milhões de litros de óleo cru por parte da empresa Petrobras nos Rios
Barigui e Iguaçu, no Estado do Paraná.
2. Responsabilidade Penal das Pessoas
Jurídicas nos Crimes Ambientais
A
responsabilidade penal da pessoa jurídica foi prevista, pela primeira vez no Brasil, no
art. 225, §3º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, que dispõe:
Art. 225: Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§3º - As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
Ainda,
atribuindo eficácia a tal previsão constitucional, tal responsabilidade passou
a ser regulamentada via norma infra-constitucional, mais especificamente no
art. 3º da famigerada Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9605/98):
Art. 3º As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da
sua entidade.
Parágrafo único. A
responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas,
autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Entretanto:
"Apesar
de sua aplicação à tutela ambiental já estar indiscutivelmente firmada em nosso
ordenamento jurídico legal - inicialmente, através do artigo 225, parágrafo 3º,
da Constituição Federal e, posteriormente, pelo advento da Lei 9.605/98,
denominada Lei dos Crimes Ambientais -, a discussão doutrinária a respeito de
sua utilidade prossegue" (MPRS: A responsabilidade Penal das Pessoas
Jurídicas nos Crimes Ambientais).
Nesta
ótica, diversas correntes foram formadas ao longo da história, na tentativa
negar ou viabilizar a aplicação da responsabilidade penal das pessoas
jurídicas, entre elas, cito três:
1) Corrente de postura mais radical:
afirma que a Constituição Federal de modo algum criou responsabilidade penal da
pessoa jurídica, pois, pela correta interpretação do art. 225, §3º da CF/88,
consoante análise sistemática com as normas e fundamentos basilares do Direito
Penal, conclui-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não está prevista, uma vez que
o parágrafo terceiro afirma, de maneira clara, que as condutas e atividades
sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e
administrativas. Logo, faz-se correto crer que, de acordo com a hermenêutica
adequada ao ordenamento jurídico brasileiro vigente, o termo conduta esteja
ligado às pessoas naturais, que devem ser devidamente responsabilizadas,
enquanto o termo atividade esteja ligado às pessoas jurídicas, que devem sofrer
sanções administrativas. Ainda, a atribuição legal de responsabilidade
penal da pessoa jurídica estaria, prima
facie, em desacordo com o
Princípio da Pessoalidade da Pena, exposto de forma expressa no art. 5º, XLV,
da CF/1988, que diz:
Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-os aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade,
nos termos seguintes:
XLV -
nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas
aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido;
2) Corrente contrária mais famosa,
desenvolvida por Savigny e Feurebach, que parte da famosa frase societas delinquere non potest,
ou seja, a pessoa juridica não
pode cometer crimes. Trata-se
da Teoria da Ficção Jurídica.
A
respeito desta Teoria, nos ensina Antônio Carlos Oliveira de Araujo:
"A
teoria da ficção, de autoria de Savigny, afirma que as pessoas jurídicas tem
existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio da
autoridade soberana – sendo, portanto, incapazes de delinqüir (carecem de
vontade e de ação). Desse modo, para a teoria da ficção, só o homem é capaz de
ser sujeito de direitos.
Savigny,
ao negar a existência de um delito corporativo e impor a concepção romanista,
excluiu por todo um século o problema. A ausência de responsabilidade penal da
pessoa jurídica, que, desde há muito, predomina amplamente no Direito Penal de
filiação romano-germânica, vem expressa na conhecida locução societas
delinquere non potest."
Em outras palavras, pelo fato da pessoas juridica não possuir
capacidade de conduta – vontade e consciência – está impossibilitada de agir
com dolo ou culpa, não podendo, portanto, cometer crimes. Ainda, pessoas
jurídicas são incapazes de agirem com culpabilidade e, partindo do princípio
que esta é pressuposto da pena, seria necessária uma nova Teoria do Crime para
justificar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
A Teoria da Ficção, embora tenha sido alvo de diversas críticas, é
ponto nevrálgico da discussão a respeito da responsabilidade penal das pessoas
jurídicas. Entretanto, como o objeto deste post é analisar a responsabilidade
penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais sob o prisma da legislação
brasileira, creio que a aprofundação neste tema não se faz necessária.
3) Por fim, há aqueles que acreditam que
pessoa jurídica comete crimes. Para tal teoria, oposta à Savigny e Feuerbach,
dá-se o nome de Teoria da Realidade ou da Personalidade Real, possuindo como
patrono Otto Gierke.
Explica
Antônio Carlos Oliveira de Araujo:
“A teoria da realidade, ou da
personalidade real, cujo mais ilustre precursor se encontra em OTTO GIERKE,
baseia-se em pressupostos totalmente diversos. A pessoa moral não é um ser
artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo),
independente dos indivíduos que a compõem. Do mesmo modo que uma pessoa física,
atua como o indivíduo, ainda que mediante procedimentos diferentes e pode, por
conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida. A pessoa coletiva possui uma
personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de ação e de
praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social. É
sujeito de direitos e deveres, em consequência é capaz de dupla
responsabilidade: civil e penal. Essa responsabilidade é pessoal,
identificando-se com a da pessoa natural"
Assim
sendo, pessoa jurídica comete crime, por não ser uma mera ficção legal, e sim
uma realidade independente das pessoas que a compõe, possuindo, portanto,
vontade, não no sentido humano, mas no sentido de vontade autônoma de
decisões. Segundo esta corrente, as pessoas jurídicas possuem
culpabilidade social.
É nesta
terceira teoria que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pautou sua posição,
assegurando que pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime.
Não
obstante tal posicionamento, o STJ passou a adotar o o sistema de dupla
imputação, onde, para que a denúncia contra pessoa jurídica se torne
válida, faz-se mister que a pessoa natural que ordenou ou atuou no crime
ambiental também seja denunciada em conjunto, caso contrário a rejeição da
denúncia será ocasionada.
Contudo,
interessante caso moveu o Supremo Tribunal Federal a, paulatinamente, abandonar
este posicionamento. Trata-se do famoso caso no qual a empresa denunciada –
Petrobras – ocasionou o vazamento de aproximadamente quatro milhões de litros
de óleo cru nos Rios Barigui e Iguaçu, no Estado do Paraná.
Entretanto,
não foi possível apurar quem teria sido a pessoa (ou as pessoas)
diretamente responsável pelas atividades que desencadearam o acidente natural.
Retira-se
do acórdão (Ag. Reg. No Rec. Extraordinário 548.181 Paraná):
“(...) é da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça que a responsabilidade da pessoa jurídica exige a
imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou
imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pelo
estatuto social, pratique o fato crime, atendendo-se, assim, ao princípio do
nullum crimen sine actio humana”
Contra
este posicionamento, que ocasionaria o trancamento do processo, o Ministério
Público Federal:
“(...) Argumenta ainda que a
decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao condicionar a persecução penal
da pessoa jurídica à da pessoa física responsável individualmente pelos
fatos, representaria negativa de vigência ao art. 225, § 3º, da
Constituição Federal, que prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica
por crime ambiental sem este condicionamento. Na prática, o entendimento
geraria impacto na eficácia da responsabilização penal da pessoa jurídica,
já que não raras vezes, por questões probatórias, seria impossível
identificar, no âmbito da empresa, a pessoa física especificamente
responsável pelo delito ambiental.”
Por fim,
conclui a relatora, Senhora Ministra Rosa Weber:
"Por seu turno, eis o teor
do § 3º do art. 225 da Carta Política de 1988:
“Art. 225. Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...)
§ 3º As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativa, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.”
Da
leitura do preceito acima, em cotejo com as razões de decidir que desafiaram
o extraordinário, entendo presente questão constitucional maior, qual seja
a do condicionamento da responsabilização da pessoa jurídica a uma
identificação e manutenção, na relação jurídico-processual, da pessoa
física ou natural, exigência que me parece não existir no art. 225, § 3º,
da Constituição Federal. Nesse contexto, julgo merecer provimento o agravo
regimental, a fim de assegurar o processamento do recurso extraordinário,
viabilizando a esta Suprema Corte melhor exame da questão constitucional
debatida. Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo
regimental. É como voto."
Fontes
-
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul: A Responsabilidade Penal das
Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais, Doutrina. Disponível em: http://www.mprs.mp.br/ambiente/doutrina/id379.htm.
Acesso em 17.03.2014.
- MACIEL,
Silvio. Legislação Penal Especial. Disponível em
http://pt.scribd.com/doc/72248411/Legislacao-Penal-Especial-Silvio-Maciel .
Acesso em 17.03.2014.
- ARAUJO,
Antonio Carlos Oliveira. Responsabilidade da pessoa jurídica. Disponível em http://www.advogado.adv.br/artigos/2001/araujo/respenalpessoajuridica.htm.
Acesso em 17.03.2014.
- SILVA,
Eduardo & TREVIZAN, Penitente Victor. Artigo:
STF muda critérios para processo da pessoa jurídica. Disponível em
http://www.conjur.com.br/2013-set-01/decisao-stf-altera-criterios-processo-penal-pessoa-juridica.Acesso
em 17.03.2014.
Aluno: Matheus Martins Costa Mombach
N. de aluno: 24594
ERASMUS BRASIL
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