segunda-feira, 17 de março de 2014

A Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais sob o Prisma da Legislação Brasileira

1.         Introdução.

Nesta postagem pretende-se, de maneira breve, analisar o instituto da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas no cometimento de crimes ambientais sob a égide da legislação brasileira.

Tratar-se-à, sucintamente, da Teoria da Ficção Jurídica, de Savigny, e da Teoria da Realidade, de Otto Gierke, bem como do posicionamento das Cortes brasileiras a cerca do assunto, tomando como exemplo o memorável caso do derramamento de quatro milhões de litros de óleo cru por parte da empresa Petrobras nos Rios Barigui e Iguaçu, no Estado do Paraná.

2.         Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais

A responsabilidade penal da pessoa jurídica foi prevista, pela primeira vez no Brasil, no art. 225, §3º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, que dispõe:

Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Ainda, atribuindo eficácia a tal previsão constitucional, tal responsabilidade passou a ser regulamentada via norma infra-constitucional, mais especificamente no art. 3º da famigerada Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9605/98):

   Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Entretanto:

"Apesar de sua aplicação à tutela ambiental já estar indiscutivelmente firmada em nosso ordenamento jurídico legal - inicialmente, através do artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal e, posteriormente, pelo advento da Lei 9.605/98, denominada Lei dos Crimes Ambientais -, a discussão doutrinária a respeito de sua utilidade prossegue" (MPRS: A responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais).

Nesta ótica, diversas correntes foram formadas ao longo da história, na tentativa negar ou viabilizar a aplicação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, entre elas, cito três:

1)             Corrente de postura mais radical: afirma que a Constituição Federal de modo algum criou responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois, pela correta interpretação do art. 225, §3º da CF/88, consoante análise sistemática com as normas e fundamentos basilares do Direito Penal, conclui-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não está prevista, uma vez que o parágrafo terceiro afirma, de maneira clara, que as condutas e atividades sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas. Logo, faz-se correto crer que, de acordo com a hermenêutica adequada ao ordenamento jurídico brasileiro vigente, o termo conduta esteja ligado às pessoas naturais, que devem ser devidamente responsabilizadas, enquanto o termo atividade esteja ligado às pessoas jurídicas, que devem sofrer sanções administrativas. Ainda, a atribuição legal de  responsabilidade penal da pessoa jurídica estaria, prima facie, em desacordo com o Princípio da Pessoalidade da Pena, exposto de forma expressa no art. 5º, XLV, da CF/1988, que diz:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-os aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, nos termos seguintes:

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; 

2)             Corrente contrária mais famosa, desenvolvida por Savigny e Feurebach, que parte da famosa frase societas delinquere non potest, ou seja, a pessoa juridica não pode cometer crimes. Trata-se da Teoria da Ficção Jurídica.

A respeito desta Teoria, nos ensina Antônio Carlos Oliveira de Araujo:

 "A teoria da ficção, de autoria de Savigny, afirma que as pessoas jurídicas tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração – devido a um privilégio da autoridade soberana – sendo, portanto, incapazes de delinqüir (carecem de vontade e de ação). Desse modo, para a teoria da ficção, só o homem é capaz de ser sujeito de direitos.

Savigny, ao negar a existência de um delito corporativo e impor a concepção romanista, excluiu por todo um século o problema. A ausência de responsabilidade penal da pessoa jurídica, que, desde há muito, predomina amplamente no Direito Penal de filiação romano-germânica, vem expressa na conhecida locução societas delinquere non potest."

Em outras palavras, pelo fato da pessoas juridica não possuir capacidade de conduta – vontade e consciência – está impossibilitada de agir com dolo ou culpa, não podendo, portanto, cometer crimes. Ainda, pessoas jurídicas são incapazes de agirem com culpabilidade e, partindo do princípio que esta é pressuposto da pena, seria necessária uma nova Teoria do Crime para justificar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

A Teoria da Ficção, embora tenha sido alvo de diversas críticas, é ponto nevrálgico da discussão a respeito da responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Entretanto, como o objeto deste post é analisar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais sob o prisma da legislação brasileira, creio que a aprofundação neste tema não se faz necessária.

3)             Por fim, há aqueles que acreditam que pessoa jurídica comete crimes. Para tal teoria, oposta à Savigny e Feuerbach, dá-se o nome de Teoria da Realidade ou da Personalidade Real, possuindo como patrono Otto Gierke.

Explica Antônio Carlos Oliveira de Araujo:

“A teoria da realidade, ou da personalidade real, cujo mais ilustre precursor se encontra em OTTO GIERKE, baseia-se em pressupostos totalmente diversos. A pessoa moral não é um ser artificial, criado pelo Estado, mas sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Do mesmo modo que uma pessoa física, atua como o indivíduo, ainda que mediante procedimentos diferentes e pode, por conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida. A pessoa coletiva possui uma personalidade real, dotada de vontade própria, com capacidade de ação e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma realidade social. É sujeito de direitos e deveres, em consequência é capaz de dupla responsabilidade: civil e penal. Essa responsabilidade é pessoal, identificando-se com a da pessoa natural"

Assim sendo, pessoa jurídica comete crime, por não ser uma mera ficção legal, e sim uma realidade independente das pessoas que a compõe,  possuindo, portanto, vontade, não no sentido humano, mas no sentido de vontade autônoma de decisões. Segundo esta corrente, as pessoas jurídicas possuem culpabilidade social.

É nesta terceira teoria que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pautou sua posição, assegurando que pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crime.

Não obstante tal posicionamento, o STJ passou a adotar o o sistema de dupla imputação, onde, para que a denúncia contra pessoa jurídica  se torne válida, faz-se mister que a pessoa natural que ordenou ou atuou no crime ambiental também seja denunciada em conjunto, caso contrário a rejeição da denúncia será ocasionada.

Contudo, interessante caso moveu o Supremo Tribunal Federal a, paulatinamente, abandonar este posicionamento. Trata-se do famoso caso no qual a empresa denunciada – Petrobras – ocasionou o vazamento de aproximadamente quatro milhões de litros de óleo cru nos Rios Barigui e Iguaçu, no Estado do Paraná.

Entretanto, não foi possível apurar quem teria sido a pessoa (ou as pessoas)   diretamente responsável pelas atividades que desencadearam o acidente natural.

Retira-se do acórdão (Ag. Reg. No Rec. Extraordinário 548.181 Paraná):

“(...) é da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que a responsabilidade da pessoa jurídica exige a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata  ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida  pelo estatuto social, pratique o fato crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana”

Contra este posicionamento, que ocasionaria o trancamento do processo, o Ministério Público Federal:

“(...) Argumenta ainda que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao condicionar a persecução penal da pessoa jurídica à da pessoa física responsável individualmente pelos fatos, representaria negativa de vigência ao art. 225, § 3º, da Constituição Federal, que prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime ambiental sem este condicionamento. Na prática, o entendimento geraria impacto na eficácia da responsabilização penal da pessoa jurídica, já que não raras vezes, por questões probatórias, seria impossível identificar, no âmbito da empresa, a pessoa física especificamente responsável pelo delito ambiental.”

Por fim, conclui a relatora, Senhora Ministra Rosa Weber:

"Por seu turno, eis o teor do § 3º do art. 225 da Carta Política de 1988:

 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

(...)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativa, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Da leitura do preceito acima, em cotejo com as razões de decidir que desafiaram o extraordinário, entendo presente questão constitucional maior, qual seja a do condicionamento da responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação e manutenção, na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural, exigência que me parece não existir no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Nesse contexto, julgo merecer provimento o agravo regimental, a fim de assegurar o processamento do recurso extraordinário, viabilizando a esta Suprema Corte melhor exame da questão constitucional debatida. Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo regimental. É como voto."


Em suma creio que o presente post tenha sido suficiente para provar o quão rico porém complicado e polêmico é este tema. Por fim, embora diversos posicionamentos contrários adotados, entre os quais os de Savigny e Feurebach,  conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro, consoante interpretação do art. 225, §3º da Constituição Federal, adotou entendimento a favor da responsabilidade penal das pessoas jurídicas exclusivamente nos crimes ambientais e, ainda, de acordo com a jurisprudência exposta, percebe-se que os Tribunais vêm se mostrando cada vez mais aptos e dispostos a dar a interpretação mais extensiva possível a tal preceito constitucional, de forma a assegurar a proteção do meio ambiente para as gerações atuais e futuras do modo mais eficiente possível.



Fontes

- Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul: A Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais, Doutrina. Disponível em: http://www.mprs.mp.br/ambiente/doutrina/id379.htm. Acesso em 17.03.2014.

- MACIEL, Silvio. Legislação Penal Especial. Disponível em http://pt.scribd.com/doc/72248411/Legislacao-Penal-Especial-Silvio-Maciel . Acesso em 17.03.2014.

- ARAUJO, Antonio Carlos Oliveira. Responsabilidade da pessoa jurídica. Disponível em http://www.advogado.adv.br/artigos/2001/araujo/respenalpessoajuridica.htm. Acesso em 17.03.2014.


- SILVA, Eduardo & TREVIZAN, Penitente Victor. Artigo: STF muda critérios para processo da pessoa jurídica. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-set-01/decisao-stf-altera-criterios-processo-penal-pessoa-juridica.Acesso em 17.03.2014.



Aluno: Matheus Martins Costa Mombach
N. de aluno: 24594
ERASMUS BRASIL

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