domingo, 23 de março de 2014

O Princípio do Poluidor Pagador e a Responsabilidade Ambiental

O Princípio do Poluidor Pagador (PPP) surgiu na Recomendação C(72)128, de 26 de Maio da OCDE, onde se estabeleceu que “o poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas de controlo da poluição decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o meio – ambiente se mantenha num estado aceitável”. Posteriormente, adquiriu consagração comunitária através do Acto Único Europeu. Actualmente, tem a sua sede no artigo 174º/2 do Tratado da União Europeia (TUE).
Porém, no Direito Interno, o PPP goza de natureza constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma do artigo 66º/2, h), da Constituição da República Portuguesa (CRP), impondo ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”.
O PPP gira em torno da consideração de que os sujeitos económicos, sendo beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, por via fiscal, no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.
Hoje em dia, essa perspectiva tem vindo a ser ampliada, no sentido de se considerar que uma tal compensação financeira, não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstituição da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir ou minimizar comportamentos similares de risco para o meio – ambiente.
Para Alexandra Aragão, o PPP é um princípio nuclear da responsabilidade ambiental no âmbito do Direito Europeu.
O Sistema de Responsabilidade Ambiental é estabelecido na União Europeia através da Directiva 2001/35, de 21 de Abril de 2001. Em Portugal está consagrada no Decreto – Lei nº 147/2008, de 29 de Julho.
Os princípios ambientais que informam o regime da responsabilidade por danos ambientais são vários: o princípio do poluidor pagador, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio da prevenção, o princípio da correcção na fonte e o princípio da integração. Estes princípios definem as linhas orientadoras tanto do regime europeu como do nacional.
Porém, apenas os princípios do poluidor pagador e o do desenvolvimento sustentável são expressamente considerados como princípios, de acordo com a Directiva europeia em causa.
No direito interno, o princípio da responsabilização social é mencionado através de uma remissão para a Lei de Bases do Ambiente. Este tipo de responsabilização, como está representada, valida apenas as actuações que decorrem após os danos ambientais terem ocorrido. Não configura as actuações preventivas, antes de se verificarem quaisquer consequências, consequências essas que estão visadas principalmente pelo novo sistema de responsabilidade ambiental. Por isso mesmo, a nível interno, temos mais uma configuração do regime da responsabilidade civil do que do princípio do poluidor pagador.
Contudo, de todos os princípios ambientais que têm uma ligação, directa ou indirecta, com a responsabilidade ambiental, é o PPP que é considerado como o princípio fundamental inspirado no regime em causa.
No direito nacional, o regime da responsabilidade ambiental tem uma disposição contraditória relativamente ao PPP: por um lado, este é o único princípio citado simultaneamente no preâmbulo e no texto legal; por outro, o princípio não se assume com a mesma convicção com que surge a nível europeu, na medida em que só é mencionado através da remissão para a Directiva.
O PPP, apesar de ser um princípio estruturante do Direito Europeu do Ambiente, surge, em todos os textos legais, sem uma definição legal, nomeadamente, a nível interno, na Lei da Água (Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro), no artigo 3º/1, c).
Ou seja: analisando o regime da responsabilidade ambiental, o que se pode concluir é que o PPP é considerado como o verdadeiro motor do regime ali instituído. Está-se perante um sistema cujo objectivo é fazer os poluidores pagar, em conformidade com as regras de justiça e eficácia, evitando, ao mesmo tempo, distorções de mercado.
Contudo, o caminho da Directiva é diverso: através do seu texto, conclui-se que, independentemente, de se saber qual a intervenção mais expedita ou mais eficaz, existe uma preferência, que se explica por razões de equidade, por fazer o poluidor suportar directamente as medidas reparatórias e/ou preventivas.
Com tudo isto, posso concluir que apenas esta solução corresponde à filosofia jacente no PPP. Trata-se de uma filosofia de custos, que acaba por ser mesmo a mais justa e também a mais eficaz, do ponto de vista ambiental.
Agora surge a questão: quem será o poluidor que deverá pagar? A Recomendação do Conselho nº 75/436, de 3 de Março, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente, define o poluidor como “aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação”.
No artigo 2º/6 da Directiva em questão e no artigo 11º da lei nacional, o poluidor - operador é definido como “qualquer pessoa, singular ou colectiva, pública ou privada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”. Através destes preceitos, posso concluir que é dispensada aqui uma análise caso a caso do responsável pelo dano potencial ou efectivo, através da imputação da responsabilidade para o operador – poluidor, o que pode gerar muitas vezes uma não correspondência entre o responsável financeiro e o responsável civil (que é o que efectivamente polui).
No Anexo III da Directiva encontramos uma listagem taxativa das actividades ocupacionais abrangidas. Esta lista tem como objectivo obrigar os Estados e criar para os operadores – poluidores o dever de prevenir e remediar os danos ambientais, nos termos previstos. Os operadores – poluidores que não estiverem mencionados no referido anexo estão abarcados por um dever de agir com zelo e diligência, na medida em que tal seja necessário para evitar danos nos habitats e nas espécies de fauna e flora selvagens.
Relativamente à responsabilidade plural mencionada na Recomendação de 1975, terá de se encontrar a responsabilização de cada um dos operadores – poluidores através de critérios justos e eficazes de imputação de riscos.
No Decreto – Lei nº 147/2008, as situações previstas de responsabilidade plural são: a responsabilidade de pessoas colectivas, a responsabilidade de grupos sociais, a responsabilidade de várias pessoas singulares e a responsabilidade de terceiros. Neste Decreto – Lei, está prevista então uma responsabilidade solidária, com um eventual direito de regresso.
Este tipo de responsabilidade solidária está directamente relacionada com a internalização de custos, dado que dá ao poludor, que paga por todos os outros, o direito de reaver dos demais poluidores, as suas partes do pagamento, repartindo assim os custos. Porém, a socialização de danos é prosseguida pela obrigação da criação de garantias financeiras, nomeadamente através da celebração de apólices de seguro que cubram as actividades abrangidas. Esta obrigação de criar garantias financeiras tem como objectivo evitar que os danos ambientais fiquem por reparar e são uma forma de manter uma pressão sobre o poluidor, incitando-o eficazmente a tomar medidas preventivas.
Surge-nos agora outra questão: o que deve pagar o poluidor? A resposta a esta questão encontra-se na Recomendação supra referida, referindo esta que o poluidor deve pagar as despesas das medidas necessárias para evitar essa poluição ou para reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalente, permitindo atingir os objectivos de qualidade ou, quando esses objectivos não existam, a fim de respeitar as normas e medidas equivalentes.
Por outro lado, a Directiva supra referida, indica que o operador deve pagar os custos de prevenção e reparação dos danos, sublinhando que também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente, instituindo assim uma espécie de “responsabilidade do futuro”, ou de evitar um enriquecimento sem causa do poluidor.
Entre as regras de prevenção e reparação vigora uma norma de subsidiariedade: primeiro devem ser adoptadas as medidas de prevenção e só depois as de reparação (caso as primeiras não sejam possíveis ou suficientes).
Dentro da prevenção encontram-se dois graus da mesma: o primário e o secundário. A prevenção primária consiste na adopção de medidas destinadas a evitar a ocorrência do dano. A preveção secundária consiste na adopção de medidas destinadas a não agravar um dano entretanto verificado.
Relativamente à prevenção, na nossa lei, encontramos uma distinção entre reparação primária, reparação complementar e reparação compensatória. Entre elas existe uma relação de hierarquia, atendendo à prioridade relativa.
Também é importante referir ainda relativamente a esta questão, que o operador – poluidor não paga os custos necessários para evitar ou reparar todos os danos causados ao ambiente. Paga somente aqueles danos eleitos pelo legislador como relevantes para serem abrangidos pelo regime em causa. Estes danos dividem-se em três categorias: danos às espécies e habitats naturais protegidos, danos à água e danos ao solo.
Por último, surge-nos outra questão: como paga o poluidor? De acordo com a Recomendação nº 75/436, o poluidor poderá pagar de duas formas: as normas e as taxas.
Por outro lado, no actual Regime da Responsabilidade Ambiental estão estabelecidas quatro formas diferentes de pagamento a imputar ao operador.
Porém, a regra de recuperação dos custos das intervenções públicas de protecção ambiental comporta várias excepções. Estas excepções reconduzem-se aos casos de danos directa ou indirectamente causados por terceiros e aos danos resultantes de actividades legais aparentemente seguras, desde que o operador – poluidor tenha actuado com diligência e de boa – fé.








Patrícia Tavares, nº 19802
23/03/2014

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