1.
Notas históricas
sobre a função administrativa e o papel que os particulares desempenharam na
prossecução do interesse público; O actual paradigma do Estado Pós-social.
Fazendo um breve
percurso histórico constatamos que os particulares começaram de forma muito
intensa a colaborar com a Administração Pública na prossecução do interesse
público a partir do século XIX, período correspondente ao Estado Liberal.
A administração
do Estado Liberal era vista fundamentalmente como uma administração agressiva,
isto é, “as prestações que assegurava
respeitavam a necessidades colectivas de segurança e envolviam a restrição dos
direitos dos cidadãos; se a administração liberal efectuasse prestações económicas,
sociais e culturais é de crer que elas seriam consideradas como verdadeiras
agressões estatais da esfera social”.[1]
Na base desta relação que se estabeleceu entre particulares e a
Administração com o objectivo de satisfazer as necessidades da colectividade da
forma mais eficiente possível, não obstante o pensamento liberal oitocentista
assente numa óptica da autonomia da sociedade e do mercado que pela sua própria
natureza seria aversa a ingerências do Estado (dominando na Economia a visão
propugnada por Adam Smith: baseada no conceito da «mão invisível» que afirma que, se cada um prosseguir os seus
objectivos próprios, se consegue no fim o máximo bem-estar para todos.[2]),
encontram-se três razões subjacentes:
i. O enorme pendor
das ideias individualistas e abstencionistas que coibiam o Estado de tomar a
iniciativa da realização de grandes obras públicas;
ii. A “comovente
penúria” das disponibilidades financeiras;
iii. O carácter
aleatório desses empreendimentos. [3]
A relação entre a Administração e os
particulares foi animada por três fases distintas:
i. “A fase da
“candura”: nesta fase como sublinha MAGALHÃES COLAÇO a administração aparece
como “nobreza sem fortuna” que” não
podendo tratar e explorar directamente as herdades, as dá de arrendamento a
quem, com cultura, por um lado as melhora e, por outro, lhe proporciona certa
participação nas receitas obtidas” [4]
ii. A fase de
“atrito”: aqui como sublinha MARIA JOÃO
ESTORNINHO “o particular passou a ser considerado como um adversário da
Administração, possuidor de interesses opostos aos do Estado (...). Este
ambiente gerou-se em parte por culpa do contraente particular que pretendia a
todo o custo recuperar os investimentos realizados (...) descurando
frequentemente na manutenção dos empreendimentos” [5].
Ao passo que a Administração ficava de mãos e pernas atadas, uma vez que “as cláusulas estabelecidas no contrato a
impediam de vir posteriormente exigir a sua alteração”[6].
iii. A fase de
“colaboração”: esta fase marcou o século XX passando por uma alteração pela
positiva da relação entre particulares e Administração isto porque, em geral,
começou a haver uma maior precepção de necessidade de colaboração entre ambos
para a prossecução do interesse público.
No período do Estado liberal o fenómeno
de substituição das tarefas que incumbiam naturalmente à Administração começou
a ser desenvolvido de forma progressiva pelos particulares através de
concessões, em particular teve especial importância as concessões de obras
públicas como, por exemplo, a construção de infra-estruturas (linhas férreas, redes
de abastecimento de água, etc...) passando a ser este visto como “ um verdadeiro modo de execução de
tarefas públicas”[7].
Ainda que fosse uma mentalidade que dominava o ideal de actuação
administrativa é de sublinhar que a ideia segundo a qual “ A preocupação de poupança pecuniária que esteve sempre subjacente à
celebração de contratos pela Administração foi-se tornando progressivamente
mais significativa. (...) a Administração ao escolher o seu co-contratante, era
«dominada pela preocupação quase exclusiva de obter o fornecimento, obra ou
prestação ao melhor preço» (WALINE) ” e por outro lado a constatação de que
“A burgesia, animada por um «severo espírito
de economia” empenhava-se no desenvolvimento das tarefas que incumbiam
origirariamente ao Estado com a mesma diligência que aplicava aos seus negócios
privados , é uma ideia que não é só do passado mas de todos os tempos e que
perdura , hoje, no pensamento da Administração Pública.
Com a chegada do Estado Social a
Administração ganhou uma nova dinâmica passando a desenvolver a sua actividade
numa dupla vertente: i) prestacional: que se traduz na atribuição de vantagens
aos particulares; ii)infra-estrutural: que se traduz na programação da
prossecução futura do interesse público.[8]
Esta é uma época que fica marcada pela proliferação do contrato administrativo,
como sublinha MARIA JOÃO ESTORNINHO “ O
alargamento dos fins a cargo deste novo Estado Providência, prestador de bens e
serviços aos administrados justifica (...) a proliferação dos contratos ,como
instrumento privilegiado de colaboração de particulares com a Administração, nas
referidas tarefas de prestação de besn e serviços”[9].
Hoje vivemos naquilo a que VASCO PEREIRA DA SILVA define como
Estado Pós-social, este caracteriza-se por ser um novo paradigma cultural
,social e económico que é construído numa lógica constitutiva e
infra-estrutural dirigida para a criação de condições para a colaboração de
entidades públicas e privadas, está associado a uma terceira geração de
direitos humanos em novos domínios da vida da sociedade, designadamente o direito
do ambiente entre outros. Aqui domina uma ideia de protecção do indivíduo
contra o poder ,dando ênfase a ideia de protecção do indivíduo contra novas
ameaças provenientes tanto de entidades públicas como privadas.[10]
Do que fica dito parece evidente que nos dias de hoje existe uma tendência
social de hiper-valorização das questões ambientais, que a meu ver são questões
incontornáveis às quais a Humanidade terá que dar respostas preventivas e
atempadas de forma a evitar a degradação do seu eco-sistema que, lembre-se,
corresponde ao património comum da Humanidade e como tal tenho para mim que
está assim ligado irremediavelmente à dignidade da pessoa humana sendo um valor
inerente à própria condição do Homem, por isso devemos preservar aquilo a que REINER SCHIMDT designa como “Estado protector do ambiente”.
2.
Notas sobre a
forma como a Constituição vincula a Administração criando para a mesma
parâmetros de actuação impositivos.
A Constituição Portuguesa consagra de
forma expressa uma tutela constitucional ao ambiente, quer enquanto tarefa
fundamental que cabe ao Estado prosseguir art.º. 9, nº 1, d) e e) CRP, quer
enquanto direito fundamental no art. 66º CRP[11].
Vigora no nosso ordenamento jurídico o
princípio segundo o qual a Administração se encontra subordinada juridicamente ao
princípio da legalidade art. 266, nº2 CRP, e assim também o art.3º CPA.[12]
Daqui surge a necessidade de a Administração pública ter de prosseguir o
interesse público em obediência à lei. Hoje e no âmbito do Estado Pós-social a
preferência de lei não constitui apenas o respeito pela lei mas sim por todo um
bloco de legalidade que inclui: a Constituição; o Direito Internacional; o
Direito da União Europeia; a lei ordinária, os regulamentos. Os actos da
administração que contrariem o bloco de legalidade são ilegais e, em regra
inválidos.
O tema é essencial uma vez que a
Administração realiza escolhas na sua actividade de satisfação das necessidades
colectivas quando toma a decisão de contratar – artº.36 CCP -, atuando no
domínio da margem de livre decisão[13],
designadamente quando contrata com
particulares e, quando o faz, fá-lo em obdiência ao programa do procedimento,
este que é um regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação
do contrato até à sua celebração – art. 40º CCP. Nas peças do procedimento, i.e, nos
documentos conformadores do procedimento, encontramos entre outros elementos o
caderno de encargos – arts. 42º CCP ( este que é obrigatório no concurso
público, no concurso limitado por prévia qualificação e no procedimento de
negociação art.40º,1,b),c),d) do CCP e pode ser dispensado no ajuste directo
com regime simplificado art.40º ,1,a), 128º CCP), e nesta disposição
encontramos uma referência expressa ao ambiente enquanto elemento a ter em
conta nos aspectos da execução que constem do caderno de encargos, assim nº6 do
art.º 42º CCP.
Tenho para mim que este n.º6 do art.º 42º CCP
tem natureza imperativo. Quando o mesmo diz que "os aspectos da execução
do contrato constantes das cláusulas do caderno de encargos "podem" dizer
respeito a condições de natureza(...) ambiental relacionados com tal
execução", ora quanto à expressão "podem" devemos
interpreta-la não como uma opção , mas sim como uma obrigação, i.e, um "poder-dever". Neste
sentido, argumente-se que a Administração está vinculada a respeitar o ambiente
enquanto direito fundamental tudo devendo fazer na sua actuação para o fazer
respeitar, pelo que daqui resulta uma obrigação de aquando do exercício do seu
poder discricionário, designadamente quando decida recorrer à
contratação pública e quando nas peças do procedimento utilize o caderno de
encargos dever fazer respeitar o ambiente enquanto direito fundamental
estando por isso directamente vinculada ao art. 66º CRP. Além do mais, é
no âmbito da contratação pública que o principio da prevenção, que tem como
finalidade evitar lesões do meio ambiente, deve ter maior força. Desta feita,
devemos interpretar o “podem” que consta deste n.º6 enquanto
um poder-dever, logo uma obrigação a cargo da Administração de
fazer observar nas cláusulas do caderno de encargos aspectos da execução do
contrato que digam respeito a condições de natureza ambiental. Assim, os
aspectos ambientais tem que estar necessariamente presentes já no
caderno de encargos.
Encontramos também no art.º 43. nº5 c)
CCP uma norma que determina que a Administração aquando da
elaboração do caderno de encargos inclua neste um projecto de execução, devendo
neste âmbito ser apostos estudos ambientais, incluindo a declaração de
impacto ambiental.
Os artsº 74, nº1 a) e 75, nº1 CPP também
podem conter critérios ambientais enquanto factores densificadores do critério
de adjudicação resultante da proposta economicamente mais vantajosa como
veremos mais adiante. Ora até aqui a Administração pública está limitada
no âmbito do exercício da sua margem de livre apreciação uma vez que se
encontra condicionada pelos princípios constitucionais que tutelam a sua
actuação quando esteja a contratar com particulares, em especial quando se
ponha a questão de quando se estiver utilizar os factores de densificação dos
critérios ser necessário introduzir critérios que respeitem o direito
fundamental ao ambiente art. 66.º da CRP, e se não o fizer estará, a meu ver, o
procedimento adjudicatório enquinado de invalidade por violação do princípio da
legalidade caindo no vício de nulidade previsto no art. 133.º nº1 d) CPA por
ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental.
Como salienta VASCO PEREIRA DA SILVA “é imperioso proceder à ponderação dos valores ecológicos
no procedimento decisório das diversas formas de actuação da Administração
pública.”[14],
revendo-me nas palavras de TOMÁS-RAMÓN
FERNÁNDEZ que considera ser o grande desafio da dogmática jusambientalista o “afinar
ao máximo as técnicas jurídicas gerais e, em especial, as que respeitam ao
controlo jurídico dos poderes discricionários”.[15]
3.
Notas sobre o
Green Public Procurement: Nascimento e desenvolvimento ao nível Comunitário.
Nos anos 50 do
séc. XX a Europa encontrava-se num processo pós-guerra em que se virara para o
início da construção de um projecto de reconciliação entre potências até então
desavindas, como tal e neste contexto o Tratado de Roma ignorou a protecção ambiental.
Todavia o panorama alterou-se a partir de finais de 1960, sendo que em Junho de
1972 realizou-se a conferência das Nações Unidas que versava sobre as questões
ambientais e que se realizou em Estocolmo e nesta mesma altura foi publicado um
relatório do «Clube de Roma» sobre os limites do crescimento. A Comunidade
Europeia esteve presente nesta Conferência e, quase que de seguida realizou-se
pela mesma a Cimeira de Paris de 1972 reunindo então Chefes de Estado e Governo
e daqui resultou uma Declaração conjunta que demonstrou as efectivas
preocupações pelo meio ambiente.
As preocupações
com o ambiente mantiveram-se e em Fevereiro de 1994 a Comissão do Meio Ambiente
da Saúde Pública e da Defesa do Consumidor apresentou no Parlamento Europeu uma
proposta de Resolução sobre a necessidade de avaliação dos custos reais para a
Comunidade do «não-ambiente»[16]
à semelhança do Relatório Cechini de 1988, sobre os custos da «não-Europa».
Com o advento do
Acto Único Europeu em 1987 reforçou-se ainda mais as procupações ambientais
sendo que se decidiu introduzir no Tratado de Roma um Título dedicado à
politica de ambiente o então art. 130R/S/T, este preceito tem tido uma presença
omnipresente nos Tratados Europeus sucessivos e revisivos designadamente - art.174 nº 1 TCE , hoje consagrado no art.191
e ss do TFUE.
De salientar que
o art.37 da CDFUE complementando o que dispõem o art. 3 nº3 TUE, e 11º e 191º a
193º TFUE volta a reafirmar a firme necessidade de as politicas da União
deverem integrar um elevado nível de protecção do ambiente de acordo com o
princípio do desenvolvimento sustentável. Dizer ainda que o art. 191 nº2 do
TFUE consagra o princípio da prevenção que consiste basicamente no seguinte:
que as despesas, públicas ou privadas, necessárias ao controlo da poluição
sejam postas a cargo dos sujeitos que as causam. Assim “os poluidores são chamados a suportar o custo dos recursos ambeintais
que utilizam, de forma a que eles sejam geridos e utilizados
parcimoniosamente”.[17]
De notar que a
União assinou e vinculou-se ao Protocolo de Quioto, em 2002, tendo em vista a
constante luta contra as alterações climáticas, protecção do ambiente e
promoção da utlilização de recursos renováveis com vista à geração de energia.
Ora bem o Protocolo de Quioto inicialmente destinava-se a vigorar até 2012, embora
nessa data os Estados signatários decidiram prolongar o acordo até 2020, desta
feita em 2007 começou a ganhar forma o Pacto
Clima-Energia no Conselho Europeu e foi então aqui que se lançaram as bases
para um projecto a médio e longo prazo demonstrando assim uma visão estratégica
fixando um conjunto de metas ambiciosas a atingir até 2020 : “ uma redução de 20% das emissões de gases
com efeito de estufa face aos níveis de 1990; um consumo de energia proveniente
em 20% de fontes renováveis; um aumento da eficiência energética em 20%; e um
nível de incorporação de biocombustíveis de 10%”.[18]Ora
é neste contexto que surge primeiro o Livro Verde da Comissão de 2006 “onde a Comissão se vincula a elaborar um
roteiro das energias renováveis com vista à minimização da dependência petrolífera
por parte dos Estados-Membros”[19]
e, no âmbito do actual processo que se encontra em marcha de revisão das
Directivas de 2004 surgiu em 2011 o Livro Verde[20]
[21]
sobre a modernização da política de contratos públicos da UE inserida no contexto
Estratégia Europa 20-20, e como salienta MARIA
JOÃO ESTORNINHO “ Neste contexto, os contratos públicos são encarados como um
dos instrumentos para: estimular a inovação empresarial, apoiar a transição
para uma economia hipocarbónica e fomentar uma utilização o mais eficiente
possível dos fundos públicos”[22].A
Estratégia Europa 2020 visa uma “batalha
em prol do crescimento e do emprego exige um empenhamentoao mais alto nível
político e a mobilização de todos os intervenientes à escala europeia.”[23]
e como salienta o Presidente da Comissao Europeia DURÃO BARROSO “A Europa 2020 reflecte aquilo que teremos
de fazer desde já e no futuro próximo para relançar a economia europeia. A
crise veio revelar questões fundamentais e tendências insustentáveis que não
podemos continuar a ignorar. A Europa regista um défice de crescimento que
compromete o nosso futuro.Temos de combater de forma decisiva os nossos pontos
fracos e apostar nos nossos inúmeros pontos fortes. Temos de construir um novo
modelo económico baseado no conhecimento, numa economia hipocarbónica e numa
elevada taxa de emprego. Esta batalha exige uma mobilização geral à escala
europeia”.[24]
4.
Notas sobre o
Acórdão Concordia Bus Finland, de 17 de Dezembro de 2002: de que forma as
entidades adjudicantes se encontram vinculados a escolher critérios ambientais
no processo de contratação pública; a escolha do critério ambiental enquanto factor de densificação do critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa
A questão
coloca-se quando a Administração escolha como critério de adjudicação a proposta
economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante: será ou não possível
recorrer-se exclusivamente a critérios ambientais?
Como sublinha MARIA JOÃO ESTORNINHO “ É verdade que, os
seus acórdãos de 20 de Setembro de 1988, Beenjes, e de 28 de Março de 1995,
Evans Medical e Macfarlan Smith, o TJ declarou que a entidade adjudicante, para
determinar a proposta economicamente mais vantajosa, é livre de escolher os
critérios de adjudicação do contrato. Mas foi com o Ac. Concordia que o TJUE
veio abrir a porta expressamente à admissibilidade de tais considerações
ambientais”[25].
Antes mesmo de avançarmos para a definição dos termos com que o acórdão Concordia se pronunciou pela
admissibilidade da adopção de critérios ambientais nas propostas economicamente
mais vantajosas é importante lembrar com FILIPE
BRITO BASTOS que já “Os artigos 55.º/1
a) da directiva 2004/17/CE e 53.º/1 a) da directiva 2004/18/CE permitem, na
concretização do que seja a proposta economicamente mais vantajosa para a
entidade adjudicante, o recurso a "critérios ligados ao objecto do
contrato público em questão, como sejam qualidade, preço, valor técnico,
características estéticas e funcionais, características ambientais, custo de
utilização, rendibilidade, assistência técnica e serviço pósvenda, data de
entrega e prazo de entrega ou de execução".[26]
O CCP refere
dois critérios de adjudicação a adoptar pela Administração quando esta tenha decido contratar com uma dada
entidade, neste sentido art. 74º , interessa-nos aqui o critério da proposta
económicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante (art 74, nº1 a)) que
terá que ser densificada através de factores e subfactores que constam dos art.
75º, nº1 CCP.
O caso Concordia Bus opôs a Concordia Bus
Finland Oy Ab à cidade de Helsínquia e à empresa HKL-Bussilliikenne, e o
objecto do lítigio versava sobre um contrato de aquisição de serviço de
trasposte público municipal, sendo que a Concordia colocou a questão da
validade da decisão tomada pela cidade de Helsínquia, designadamente pela
comissão dos seus serviços comerciais que havia adjudicado à HKL um contrato
relacionado com a gestão de uma linha de rede de autocarros urbanos.Ora os
serviços de aprovisionamento da cidade de Helsínquia em 1997 anuciaram no JOCE
a aceitação da proposta economicamente mais vantajosa no plano económico global
que lhe fosse apresentada, havendo que preencher três critérios: o preço global
desejado pela exploração, a qualidade do material, isto é, dos autocarros, e a
gestão da qualidade do ambiente por parte do empresário. Em traços gerais foram
três as conclusões que se pode retirar do caso Concordia Bus numa busca por requisitos de admissibilidade de
aposição de critérios ambientais de adjudicação de contractos públicos:
i. Conexão dos
critérios ambientais ao objecto do contrato.
ii. Não conferir à
entidade adjudicante uma liberdade de escolha incondicional
iii. Os critérios de
adjudicação ambientais têm de estar expressamente designados no caderno de encargos
ou no anúncio do concurso.
iv. Respeito pelos
princípios de Direito Comunitário, designadamente o príncipio da não
discriminação.
Tudo isto com uma especial preocupação
de respeitar os princípios comunitários da transparência, não discriminação e
igualdade de tratamento.
Do que fica dito fica claro que é hoje
admitido pela Jurisprudência do TJ a adjudicação recorrendo exclusivamente a
critérios ambientais. Aplica-se o mesmo raciocínio , mutatis mutandis, à adjudicação feita pela Administração Pública
Portuguesa que recorra ao critério da
proposta economicamente mais vantajosa e tendo que densificar esse critério
através de factores e subfactores recorra a critérios ambientais, exclusiva ou
conjuntamente com outros critérios.
Na nossa ordem jurídica a Administração
Pública quando aja no âmbito da contratação pública e no acto de adjudicação
escolha o critério economicamente mais vantajoso e o densifique apondo
critérios ambientais terá não só que respeitar os princípios comunitários acima
referidos como também os princípios gerais da contratação pública, em especial
o princípio da prossecução do interesse público e o da boa administração, além
dos já referidos princípios constitucionais, máxime, o principio da prevenção e o direito fundamental ao
ambiente tutelado pelo art. 66º CRP .
Questão igualmente importante é a de
saber o que acontece quando o acto administrativo de adjudicação é contrário
aos requisitos fornecidos pelo TJ, designadamente no caso Concordia Bus: perante este quadro, o que fazer?
A verdade é que, “O Direito da União não impõe nenhum vício nem nenhum desvalor em
particular para os actos administrativos nacionais que o contrariem. Isso
permanece na esfera da autonomia institucional dos Estados: são as regras de
Direito interno que decidem na falta de normas de Direito da União sobre esta
matéria, se a violação da legalidade comunitária configura um caso de
inexistência, nulidade ou anulabilidade”[27].
Contudo, não podemos deixar de dar uma
resposta de acordo com o que o primado da União Europeia determina que é o
vício da inaplicabilidade, logo o acto será ineficaz. E no plano interno? No
plano interno será ainda nulo o acto administrativo de adjudicação – art.73º
nº1 CCP - isto porque viola o disposto no art. 133º, nº2 d) do CPA e art. 284,
nº2 CCP uma vez que ofende direitos fundamentais que tutelam o ambiente segundo
o que dispõe o art.66º,nº1 CRP.
Destarte, tenho para
mim que:
-i) o acto
adjudicatório que contrarie os critérios estabelecidos pelo acordão
Concordia Bus é nulo com base no art.133, nº 2 d) CPA e inaplicável;
-ii) a adjudicação
com base em critério da proposta economicamente mais vantajosa deve recorrer a
critérios ambientais, se não o fizer o acto é nulidade por violação do art.
133, nº2 d) CPA uma vez que ao omitir os critérios ambientais está claramente a
violar o imperativo constitucional de fazer respeitar o direito ao ambiente que
recaí sobre a administração pública com base no art.º 66 CRP.
[1] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos,
“Direito Administrativo Geral Tomo I p. 98 e 99. ”
[8] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos,
“Direito Administrativo Geral Tomo I p. 41 e 42
[11]
Aqui é importante ter noção que existe uma
divergência doutrinária entre Vasco Pereira da Silva, que considera que em face
do artigoº66 estamos perante um direito subjetivo ao ambiente e Carla Amado
Gomes que considera que quando nos encontremos em face deste artigo não estamos
perante um direito subjetivo uma vez que o ambiente é , per si,
inapropriável em termos individuais. Considera por isso que retira-se do
ambiente bens de fruição colectiva. No fundo, vê o direito ao ambiente como um
interesse difuso.
[12] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos,
“Direito Administrativo Geral Tomo I p.153
“Para se
compreender o princípio da legalidade é fundamental ter-se a noção de que a
subordinação jurídica por si traduzida pode comportar duas dimensões diferentes.A
primeira veda à administração que contrarie o direito vigente,que em caso de
conflito preferirá ao acto de administração em causa – preferência de lei. Na segunda, exige-se que a actuação
administrativa, mesmo que não contrária ao direito, tenha fundamento numa norma
juridica, à qual está reservada a definição primária das actuações
administrativas possíveis- reserva de lei.A
reserva de lei projecta-se de duas maneiras: na medida em que exprime a
necessária anterioridade do fundamento juridico-normativo da actuação
administrativa,ela constitui uma precedencia
de lei; na medida em que exprime a necessidade de o mesmo fundamento
juridico-normativo possuir um grau de pormenorização suficiente para permitir
antecipar adequadamente a actuaçao administrativa em causa, ela constitui uma reserva de densificaçao normativa.”
[13] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos,
“Direito Administrativo Geral Tomo I p.176 que consideram que “a margem de
livre decisão administrativa constiste num espaço de liberdade da actuação
administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade,
implicando, portanto, uma parcial autodeterminaçao administrativa”
[15] Em Vasco Pereira da Silva, ”Verde Cor de Direito
- Lições de Direito do Ambiente” p. 83, que remete para Tomás Fernandez “
Grandeza y Miseria del Derecho Ambiental p. 3436”
[18] Carla Amado Gomes/ Tiago Antunes in O tratado de Lisboa (...) O Direito nº5
ano 2010 “O ambiente no Tratado de Lisboa:uma relaçao sustentada” p. 51 e 52
[19] Carla Amado Gomes/ Tiago Antunes in O tratado de Lisboa (...) O Direito nº5
ano 2010 “O ambiente no Tratado de Lisboa:uma relaçao sustentada” p. 58.
[21]
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2011:0015:FIN:PT:PDF
“As autoridades públicas podem dar um grande contributo para a consecução dos
objectivos da
estratégia Europa
2020, utilizando o seu poder de aquisição para contratar bens e serviços com valor acrescentado para a sociedade em
termos de promoção da inovação, respeito pelo ambiente e luta contra as
alterações climáticas, redução do consumo energético, melhoria do emprego, da saúde pública e das condições
sociais, assim como da igualdade,
incrementando simultaneamente o nível de
inclusão dos grupos desfavorecidos. A grande procura, por parte das autoridades
públicas, de bens e serviços mais «ecológicos», com baixas emissões de carbono,
mais inovadores e socialmente responsáveis, poderá também orientar as
tendências em termos de produção e de consumo nos próximos anos. Naturalmente,
enfrentar os desafios sociais não significa reduzir a eficácia dos contratos
públicos. Atendendo às questões políticas que se colocam no domínio dos
contratos públicos, as medidas devem ser adoptadas de modo a evitar criar novos
encargos administrativos desproporcionados para as entidades adjudicantes ou
falsear a concorrência nos mercados dos contratos públicos”.
[26] Filipe Brito Bastos “A escolha de critérios
ambientais de adjudicação de contratos públicos reflexões de Direito
Administrativo nacional e europeu”.
[27] Filipe Brito Bastos “A escolha de critérios
ambientais de adjudicação de contratos públicos reflexões de Direito
Administrativo nacional e europeu”
*****
Trabalho Realizado por: Edmilson Wagner dos Santos Conde
Aluno nrº : 19591
Visto.
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