segunda-feira, 21 de abril de 2014

Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução - alargamento ou autonomização?

O princípio da prevenção é um dos princípios fundamentais com grande relevância no Direito do Ambiente. Tendo em conta a máxima “mais vale prevenir do que remediar”, surge este princípio numa sociedade onde são crescentes e cada vez mais evidentes os factores de risco para a Natureza. Assim, tal como menciona Gomes Canotilho “o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio da prevenção”.
Tem vindo a desenvolver-se uma tendência doutrinária que passa por assimilar o princípio da prevenção à sua acepção mais restrita, o que nos leva à autonomização de um princípio da precaução. Esta será a questão-chave do nosso trabalho, tentando estudar estes princípios individualmente bem como dar uma opinião quanto a esta autonomização.
                                                            
Princípio da Prevenção e Precaução – análise individual

Tendo em conta o facto de os conceitos “prevenir” e “precaver” serem, muitas vezes, considerados sinónimos, uma das questões a ser esclarecidas passa pela necessidade de existir uma duplicação de termos. Para tal, importa em primeiro lugar tratar cada um destes princípios individualmente para assim ficarmos em condições de explorar as suas diferenças.
O princípio da prevenção traduz-se no caso em que, perante uma iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível bens ambientais, essa actuação deve ser travada.
A nível de direito interno, a nossa Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) aponta para uma orientação preventiva no seu artigo 66º/2 alínea a), quando menciona a necessidade de “prevenir e controlar a poluição…”. Também a alínea d), do mesmo artigo, ao consagrar o princípio da solidariedade intergeracional, indicia uma actividade de controlo preventivo da qualidade dos bens ambientais. Retira-se ainda do artigo 52º/3, alínea a) da CRP uma preocupação idêntica relativamente à preservação do ambiente.
Estudando agora o princípio da precaução, este significa que o ambiente deve ter a seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. Deste modo, temos um incentivo à antecipação da acção preventiva ainda que não existam certezas sobre a sua necessidade, bem como uma proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Em virtude das diferentes interpretações que já foram dadas a este princípio, é difícil apresentar uma formulação consensual do mesmo. Ideia geral é a de que estamos perante uma medida de prudência face a riscos que padecem de incerteza técnica ou científica.
Uma interpretação mais restrita do princípio da precaução levaria a que todas as actuações com um grau mínimo de possibilidade que pudessem lesar o ambiente tivessem que ser evitadas, salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre a sua inocuidade. Assim, estaríamos perante um cenário completamente irrealista, dada as características da sociedade de risco. Com o avançar de toda a tecnologia que adulterou os processos normais de funcionamento dos ecossistemas, tornou-se impossível prevenir todos os danos. Daqui advém a ideia de que o princípio da precaução, na sua versão maximalista, não é operativo.

Alargamento da prevenção ou autonomização da precaução?

A grande questão reside em estudar a diferença entre a prevenção e a precaução. Parece que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva mas, em contrapartida, a prevenção poderá não se traduzir em precaução. Deste modo, podemos dizer que o princípio da precaução tem um sentido preventivo mas, estaremos fora do âmbito do princípio, caso as medidas tomadas o forem perante um risco potencial certo ou comprovado.
Falámos também sobre a irreversibilidade do dano e da sua gravidade quanto ao princípio da precaução: estas são considerações sujeitas à incerteza e por isso, a Administração terá de basear a sua actuação nesta incerteza – o que não acontece no domínio da prevenção. Assim, podemos concluir que o princípio da precaução se prende com a mera possibilidade, sendo o princípio da prevenção aplicado perante uma probabilidade. Para consolidar este ponto, mencionamos a ideia de que a prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo, enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar.
A favor desta autonomização do princípio da precaução, diríamos ainda que este princípio se traduz numa prevenção “qualificada agravada” que estaria sempre a favor do ambiente, na ausência de certeza científica, já que proibiria sempre uma actividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimado, não sabendo sequer se irá haver lesão ou não.
O professor Vasco Pereira da Silva menciona que é preferível a construção de uma noção ampla de prevenção em vez de se proceder a uma separação entre prevenção e precaução. Para fundamentar esta via, usa razões de natureza linguística, de conteúdo material e de técnica jurídica.
As razões de natureza linguística prendem-se com o facto da distinção entre prevenção e precaução parecer assentar numa identidade vocabular.
Por outro lado, as razões de conteúdo material assentam na opinião de que os critérios de distinção dos dois princípios em questão não são unívocos, muito menos os resultados a que conduz a autonomização do princípio da precaução. Neste campo, o professor refuta alguns critérios de distinção dos princípios como por exemplo o facto dessa distinção se fazer em razão de “perigos”, decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de “riscos”, que seriam provocados por acções humanas, visto que nas sociedades (pós-)industrializadas da actualidade, as lesões ambientais são resultado de um concurso de causas em que é impossível distinguir com rigor factos naturais de comportamentos humanos . Quanto a este argumento, o professor dá como exemplo as inundações, na medida em que estas podem ser determinadas ou agravadas por acções dos homens.
Quanto às razões de técnica jurídica, o professor menciona que “o ordenamento português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos.” Deste modo, o professor Vasco Pereira da Silva associa a adopão da noção ampla de prevenção à via mais eficaz e adequada para assegurar a melhor tutela disponível dos valores ambientais.

Notícias relacionadas (“A doença das vacas loucas”)

“A BSE é uma doença neurodegenerativa que afecta o gado. Descoberta nos anos 80, pensa-se que tem como agente patogénico uma proteína especial, chamada prião, e que é transmissível ao homem, contagiando-o com uma doença semelhante, uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob. Este tipo de encefalopatia espongiforme caracteriza-se pela degeneração esponjosa do cérebro. O diagnóstico só pode ser confirmado cientificamente após a morte do paciente, com recurso a uma autópsia e a exames ao tecido cerebral.
(…)
Uma rapariga com 16 anos infectada com Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) morreu hoje em Portugal, informou a Direcção-Geral da Saúde, em comunicado. Esta é a segunda vítima no país da “doença das vacas loucas” mas, segundo a DGS, não há registo de mais infectados.
(…)
No comunicado, assinado pelo director-geral Francisco George, a DGS diz também que “relativamente a este caso estão a ser observadas todas as normas nacionais e europeias previstas para estas situações” mas a identidade da vítima não será revelada nem serão dados mais pormenores “de forma a proteger a família enlutada”.”

In Público, 12-02-2009

O professor Vasco Pereira da Silva menciona, a propósito da “doença das vacas loucas” que esta “não pode deixar de estar relacionada com a alteração (brutal e contra-natura) da respectiva dieta alimentar. Daí que, mesmo na ausência de “provas científicas irrefutáveis” (seja lá o que isso for) de que a doença das vacas seja exclusivamente provocada pelas rações, é razoável considerar, em razão das circunstâncias de tempo e lugar em que se verificou o surgimento e a propagação da doença, que existe uma relação causal entre ambas, justificando-se assim que em nome do princípio da prevenção, sejam proibidas as rações animais na alimentação do gado.”

Conclusão

Tendo em conta o estudo feito sobre os princípios da prevenção e da precaução, deverá ser tomada uma posição. Ao longo do trabalho, foram apresentados os diferentes pontos de vista quanto à dualidade de princípios e, por outro lado, quanto ao alargamento do princípio da prevenção.
Considerando toda a pesquisa feita, podemos agora dizer que defendemos uma noção ampla do princípio da prevenção já que se poderá incluir no mesmo tanto lesões ambientais actuais como futuras, perigos naturais e perigos humanos, com a exigibilidade dos critérios adoptados serem de razoabilidade e bom-senso.
Podemos ainda argumentar a favor desta posição o facto de não existirem critérios rigorosos de diferenciação para sabermos quando aplicar o princípio da prevenção ou o princípio da precaução, o que não favorece a autonomização do princípio da precaução.
Por outro lado, perante a sociedade actual em que vivemos, é extremamente difícil fazer a distinção entre causas naturais ou actuações humanas já que, tal como foi acima referido o exemplo sobre as inundações, não sabemos exactamente até que ponto as actuações do Homem provocam e agravam as causas naturais do nosso meio ambiente.
Seja através do alargamento do princípio da prevenção ou através de uma autonomização do princípio da precaução, ambas as posições têm um mesmo objectivo: prevenir os danos ao nosso meio ambiente.

Bibliografia:

·         ANTUNES, L.F. Colaço - “O princípio da precaução: um novo critério jurisprudencial do juiz administrativo”, in “Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração – tradição e reforma”, Almedina, Coimbra, 2000
·          GOMES, Carla Amado - “A prevenção à prova no direito do Ambiente”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000
·         SILVA, Vasco Pereira – “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Coimbra, 2005
·         ARAGÃO, Alexandra – “Princípio da precaução: manual de instruções”, in Revista do CEDOUA, ano 11, nº2, 2008


Realizado por: Andreia Pontífice Sousa, nº 20818

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