O
princípio da prevenção é um dos princípios fundamentais com grande relevância
no Direito do Ambiente. Tendo em conta a máxima “mais vale prevenir do que
remediar”, surge este princípio numa sociedade onde são crescentes e cada vez
mais evidentes os factores de risco para a Natureza. Assim, tal como menciona
Gomes Canotilho “o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico
forçosamente ancorado no princípio da prevenção”.
Tem
vindo a desenvolver-se uma tendência doutrinária que passa por assimilar o
princípio da prevenção à sua acepção mais restrita, o que nos leva à
autonomização de um princípio da precaução. Esta será a questão-chave do nosso
trabalho, tentando estudar estes princípios individualmente bem como dar uma
opinião quanto a esta autonomização.
Princípio
da Prevenção e Precaução – análise individual
Tendo
em conta o facto de os conceitos “prevenir” e “precaver” serem, muitas vezes,
considerados sinónimos, uma das questões a ser esclarecidas passa pela
necessidade de existir uma duplicação de termos. Para tal, importa em primeiro
lugar tratar cada um destes princípios individualmente para assim ficarmos em
condições de explorar as suas diferenças.
O
princípio da prevenção traduz-se no caso em que, perante uma iminência de uma
actuação humana, a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível bens
ambientais, essa actuação deve ser travada.
A
nível de direito interno, a nossa Constituição da República Portuguesa
(doravante, CRP) aponta para uma orientação preventiva no seu artigo 66º/2
alínea a), quando menciona a necessidade de “prevenir e controlar a poluição…”.
Também a alínea d), do mesmo artigo, ao consagrar o princípio da solidariedade
intergeracional, indicia uma actividade de controlo preventivo da qualidade dos
bens ambientais. Retira-se ainda do artigo 52º/3, alínea a) da CRP uma
preocupação idêntica relativamente à preservação do ambiente.
Estudando
agora o princípio da precaução, este significa que o ambiente deve ter a seu
favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas
científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um
determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. Deste modo, temos
um incentivo à antecipação da acção preventiva ainda que não existam certezas
sobre a sua necessidade, bem como uma proibição de actuações potencialmente lesivas,
mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Em virtude
das diferentes interpretações que já foram dadas a este princípio, é difícil
apresentar uma formulação consensual do mesmo. Ideia geral é a de que estamos
perante uma medida de prudência face a riscos que padecem de incerteza técnica
ou científica.
Uma
interpretação mais restrita do princípio da precaução levaria a que todas as
actuações com um grau mínimo de possibilidade que pudessem lesar o ambiente
tivessem que ser evitadas, salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre a sua
inocuidade. Assim, estaríamos perante um cenário completamente irrealista, dada
as características da sociedade de risco. Com o avançar de toda a tecnologia
que adulterou os processos normais de funcionamento dos ecossistemas, tornou-se
impossível prevenir todos os danos. Daqui advém a ideia de que o princípio da
precaução, na sua versão maximalista, não é operativo.
Alargamento da prevenção ou autonomização da precaução?
A
grande questão reside em estudar a diferença entre a prevenção e a precaução.
Parece que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva mas, em
contrapartida, a prevenção poderá não se traduzir em precaução. Deste modo,
podemos dizer que o princípio da precaução tem um sentido preventivo mas,
estaremos fora do âmbito do princípio, caso as medidas tomadas o forem perante
um risco potencial certo ou comprovado.
Falámos
também sobre a irreversibilidade do dano e da sua gravidade quanto ao princípio
da precaução: estas são considerações sujeitas à incerteza e por isso, a
Administração terá de basear a sua actuação nesta incerteza – o que não
acontece no domínio da prevenção. Assim, podemos concluir que o princípio da
precaução se prende com a mera possibilidade, sendo o princípio da prevenção
aplicado perante uma probabilidade. Para consolidar este ponto, mencionamos a
ideia de que a prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo, enquanto a
precaução visa antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar.
A
favor desta autonomização do princípio da precaução, diríamos ainda que este
princípio se traduz numa prevenção “qualificada agravada” que estaria sempre a
favor do ambiente, na ausência de certeza científica, já que proibiria sempre
uma actividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimado, não sabendo
sequer se irá haver lesão ou não.
O
professor Vasco Pereira da Silva menciona que é preferível a construção de uma
noção ampla de prevenção em vez de se proceder a uma separação entre prevenção
e precaução. Para fundamentar esta via, usa razões de natureza linguística, de
conteúdo material e de técnica jurídica.
As
razões de natureza linguística prendem-se com o facto da distinção entre prevenção
e precaução parecer assentar numa identidade vocabular.
Por
outro lado, as razões de conteúdo material assentam na opinião de que os
critérios de distinção dos dois princípios em questão não são unívocos, muito
menos os resultados a que conduz a autonomização do princípio da precaução.
Neste campo, o professor refuta alguns critérios de distinção dos princípios
como por exemplo o facto dessa distinção se fazer em razão de “perigos”,
decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de “riscos”, que seriam
provocados por acções humanas, visto que nas sociedades (pós-)industrializadas
da actualidade, as lesões ambientais são resultado de um concurso de causas em
que é impossível distinguir com rigor factos naturais de comportamentos humanos
. Quanto a este argumento, o professor dá como exemplo as inundações, na medida
em que estas podem ser determinadas ou agravadas por acções dos homens.
Quanto
às razões de técnica jurídica, o professor menciona que “o ordenamento
português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional, com todas
as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos
poderes públicos.” Deste modo, o professor Vasco Pereira da Silva associa a
adopão da noção ampla de prevenção à via mais eficaz e adequada para assegurar
a melhor tutela disponível dos valores ambientais.
Notícias
relacionadas (“A doença das vacas loucas”)
“A
BSE é uma doença neurodegenerativa que afecta o gado. Descoberta nos anos 80,
pensa-se que tem como agente patogénico uma proteína especial, chamada prião, e
que é transmissível ao homem, contagiando-o com uma doença semelhante, uma
variante da doença de Creutzfeldt-Jakob. Este tipo de encefalopatia espongiforme
caracteriza-se pela degeneração esponjosa do cérebro. O diagnóstico só pode ser
confirmado cientificamente após a morte do paciente, com recurso a uma autópsia
e a exames ao tecido cerebral.
(…)
Uma
rapariga com 16 anos infectada com Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE)
morreu hoje em Portugal, informou a Direcção-Geral da Saúde, em comunicado.
Esta é a segunda vítima no país da “doença das vacas loucas” mas, segundo a
DGS, não há registo de mais infectados.
(…)
No
comunicado, assinado pelo director-geral Francisco George, a DGS diz também que
“relativamente a este caso estão a ser observadas todas as normas nacionais e
europeias previstas para estas situações” mas a identidade da vítima não será
revelada nem serão dados mais pormenores “de forma a proteger a família
enlutada”.”
In Público, 12-02-2009
O
professor Vasco Pereira da Silva menciona, a propósito da “doença das vacas
loucas” que esta “não pode deixar de estar relacionada com a alteração (brutal
e contra-natura) da respectiva dieta alimentar. Daí que, mesmo na ausência de “provas
científicas irrefutáveis” (seja lá o que isso for) de que a doença das vacas
seja exclusivamente provocada pelas rações, é razoável considerar, em razão das
circunstâncias de tempo e lugar em que se verificou o surgimento e a propagação
da doença, que existe uma relação causal entre ambas, justificando-se assim que
em nome do princípio da prevenção, sejam proibidas as rações animais na alimentação
do gado.”
Conclusão
Tendo
em conta o estudo feito sobre os princípios da prevenção e da precaução, deverá
ser tomada uma posição. Ao longo do trabalho, foram apresentados os diferentes
pontos de vista quanto à dualidade de princípios e, por outro lado, quanto ao
alargamento do princípio da prevenção.
Considerando
toda a pesquisa feita, podemos agora dizer que defendemos uma noção ampla do
princípio da prevenção já que se poderá incluir no mesmo tanto lesões
ambientais actuais como futuras, perigos naturais e perigos humanos, com a
exigibilidade dos critérios adoptados serem de razoabilidade e bom-senso.
Podemos
ainda argumentar a favor desta posição o facto de não existirem critérios
rigorosos de diferenciação para sabermos quando aplicar o princípio da
prevenção ou o princípio da precaução, o que não favorece a autonomização do
princípio da precaução.
Por
outro lado, perante a sociedade actual em que vivemos, é extremamente difícil fazer
a distinção entre causas naturais ou actuações humanas já que, tal como foi
acima referido o exemplo sobre as inundações, não sabemos exactamente até que
ponto as actuações do Homem provocam e agravam as causas naturais do nosso meio
ambiente.
Seja
através do alargamento do princípio da prevenção ou através de uma
autonomização do princípio da precaução, ambas as posições têm um mesmo
objectivo: prevenir os danos ao nosso meio ambiente.
Bibliografia:
·
ANTUNES, L.F. Colaço - “O princípio da
precaução: um novo critério jurisprudencial do juiz administrativo”, in “Para
um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração – tradição e
reforma”, Almedina, Coimbra, 2000
·
GOMES, Carla Amado - “A prevenção à prova no
direito do Ambiente”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000
·
SILVA, Vasco Pereira – “Verde cor de
Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Coimbra, 2005
·
ARAGÃO, Alexandra – “Princípio da
precaução: manual de instruções”, in Revista do CEDOUA, ano 11, nº2, 2008
Realizado
por: Andreia Pontífice Sousa, nº 20818
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