domingo, 13 de abril de 2014

DA ADOPÇÃO DE UMA FISCALIDADE VERDE: A SUA IMPORTÂNCIA PARA A PROMOÇÃO DOS VALORES AMBIENTAIS E DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO


I. A Constituição da República Portuguesa (doravante, C.R.P.), de 1976, enquanto lei fundamental, assume um "carácter verde", com o reconhecimento da existência de direitos e deveres na área do ambiente.
Efectivamente, e seguindo Jorge Miranda[1], o ambiente recebe um tratamento constitucional de duplo alcance, com relevo simultaneamente objectivo e subjectivo: surge a nível de tarefa fundamental, de incumbência do Estado (cf. art. 9.º/e)), bem como a nível de direitos e deveres fundamentais do cidadão (cf. arts. 66.º, 52.º e 59.º).
Sob o prisma do ambiente enquanto incumbência do Estado, desde logo se revela, por um lado, a importância de preservar o equilíbrio ecológico entre os objectivos de desenvolvimento económico e social do Estado (cf. art. 90.º); por outro lado, o Estado tem a possibilidade de intervir em matérias ambientais compreendidas em atribuições municipais (apesar de a tutela administrativa sobre as Autarquias Locais ser de mera legalidade, e não de mérito - cf., arts. 2.º e 3.º Lei 27/96, de 1 de Agosto), pois age no exercício de poderes próprios, constitucionalmente previstos (cf. arts. 9.º/e), 65.º, 66.º, 90.º e 93.º). Já sob o prisma subjectivo, merece destaque a prescrição de um dever de defesa do ambiente, vinculado à ideia de solidariedade entre gerações (art. 66°, n° 1, 2ª parte, e n.°2, alínea d), in fine).
Mais, sendo reconduzíveis a direitos, liberdades e garantias, os direitos respeitantes ao ambiente são direitos autónomos, que permitem a defesa dos cidadãos perante os poderes que sobre eles se exercem, sobressaindo aí uma estrutura negativa, visto terem por contrapartida uma abstenção, um non facere. Além disso, enquanto direitos económicos, sociais e culturais, o direito ao ambiente é um direito a prestações positivas do Estado, um direito a que haja uma intervenção do Estado na sociedade por forma a promover um “ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado” (cf. art. 66.°, n.°1 C.R.P.).
Ora, as finanças públicas, como meio de intervenção do Estado na economia, quer por via da receita quer por via da despesa, têm um papel importante a desempenhar na promoção do desenvolvimento sustentável, e isso mesmo lhes é reconhecido pela C.R.P., ao se determinar que para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial (art. 66.°/alínea f), e assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida (art. 66.°/alínea h)).
De facto, a C.R.P. obriga a que se garanta a qualidade ambiental sem se prejudicar um equilibrado desenvolvimento sócio-económico (artigo 66.°, n.° 2, alíneas a) e b)), sendo que entre os princípios constitucionais fundamentais, aparece o dever de “defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento territorial”, o qual é atribuído ao Estado, na qualidade de uma das suas tarefas básicas (artigo 9.°, alínea e) da CRP), conforme mencionado supra.

II. Ao nível dessa política fiscal, de compatibilização do desenvolvimento económico com a protecção do ambiente e da qualidade de vida, imposta constitucionalmente, conforme explicitado supra, duas grandes ideias presidem, hoje, à necessidade de reforma dos sistemas fiscais, mormente do português. Por um lado, há que reduzir a tributação sobre o trabalho/rendimento, que é excessiva (vide, infra, III), compensando-se a perda de receitas, que daí advém, com diferentes intervenções tributárias. Por outro, há que colocar as finanças públicas ao serviço da realização do direito fundamental a um ambiente equilibrado, através da figura do tributo ambiental, mas sem que tal implique um aumento da carga fiscal total (princípio da neutralidade fiscal).
É que, sem esta orientação de reequilíbrio dos ónus fiscais, que incidem sobre os factores produtivos, não é possível defender, com seriedade, a adopção de tributos ambientais, pelos enormes custos económicos que daí adviriam. Há, assim, que transferir parte da carga fiscal, que incide sobre o trabalho, para os comportamentos insustentáveis, na medida em que se verifica uma subutilização, quantitativa e qualitativa, da mão de-obra e uma sobreutilização dos recursos ambientais.
A ideia de lançar impostos sobre a poluição está longe de ser nova: remonta a 1920 e foi proposta pelo economista britânico Arthur Cecil Pigou que, na sua obra “Economics of Welfare”, propôs um imposto como meio idóneo/adequado para se chegar ao equilíbrio entre o custo social e o custo privado, na medida em que se observou que a poluição criava custos para terceiros, que não eram considerados nas transacções de mercado (externalidades).
Neste sentido, no âmbito de uma Reforma Fiscal Verde, a imposição ambiental procura contrabalançar os cortes que se realizam na tributação do rendimento (incluindo o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, pessoas colectivas e contribuições para a Segurança Social), sendo a ideia básica a de que os contribuintes não devem ser sujeitos a uma carga fiscal global superior após a introdução dos tributos ambientais. Este conceito de neutralidade fiscal significa que a reforma “mais não faz” do que deslocar o peso da carga fiscal de uns impostos para outros. Assim, a imposição ambiental converter-se-á no actor principal das alterações tributárias, assumindo o papel central na mudança dos equilíbrios fiscais.

III. Como se sabe, a carga fiscal portuguesa tem grande impacto sobre o trabalho e o rendimento, sob a forma de impostos directos (IRS, IRC, ...):  tendo em conta as tabelas de IRS para o presente ano de 2014[2], existem trabalhadores com uma taxa na ordem dos 60%. Ou seja, os trabalhadores com rendimentos mais altos têm uma taxa de IRS de 48%, mas a verdade é que com a sobretaxa aplicada e a contribuição extraordinária, essa taxa passa para 56,5%.
Os últimos dados constantes do sítio Pordata[3], revelam que em 2012, as receitas de impostos directos totalizaram € 13.633,6, enquanto que as provenientes de impostos indirectos, incidentes sobre o consumo (v.g., I.V.A.), ascenderam a € 18.407,0. Mas, esta realidade alterou-se no ano transacto, 2013, aumentando a receita com impostos directos, devido à reposição dos subsídios de Natal e férias, aos trabalhadores em funções públicas, o que veio aumentar o valor colectável em sede de I.R.S., e à redução dos escalões de I.R.S.. Efectivamente, nos dados da execução orçamental do mês de Dezembro de 2013, divulgados em Janeiro do corrente ano, a Direcção Geral do Orçamento (doravante, D.G.O.) informa que a "receita fiscal cresceu [face a igual período de 2012] 10,4%, (6,3% até novembro), evolução que é atribuível, por um lado, à manutenção do perfil de crescimento dos impostos diretos e da tendência de recuperação sustentada da receita dos impostos indiretos"[4], sendo que "a receita do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (I.R.S.) cresceu 35,5% (30,9% até novembro), em grande medida, por via do maior volume de retenções na fonte - sobre os rendimentos empresariais e profissionais, por um lado, e sobre os rendimentos prediais, por outro"[5].
Tudo isto contribuiu para que no último balanço publicado, relativo a Fevereiro de 2014, divulgado em 25/03, informa a D.G.O., "o crescimento da receita fiscal [em comparação com o mesmo período do ano anterior] [seja] sustentado pela evolução da receita de impostos diretos (+14,7%) e, embora em menor grau, de impostos indiretos (+4,3%)"[6], sendo que "para o aumento da receita de impostos diretos contribuiu o crescimento da receita do IRS (17,7%)"[7].
Como se pode verificar, a tributação sobre o trabalho tem vindo a aumentar expressivamente, sendo que a adopção de uma efectiva e verdadeira fiscalidade verde, que deverá ter por base o princípio da neutralidade fiscal, conforme explicitado supra, permitirá:

a)  aliviar a carga fiscal sobre o lado bom da economia, designadamente o emprego e o investimento; e
b) agravar as taxas e carga fiscal sobre o lado mau da economia, designadamente a poluição, o desperdício e o uso intensivo de recursos naturais.

Portanto, quem polui deve pagar, reparar, e compensar. No fundo, penaliza-se o consumo não sustentável e a produção poluente e compensa-se a sociedade pela existência dessa poluição, o que permite gerar receita e, com isso, reduzir a carga fiscal sobre o trabalho, sem comprometer o crescimento económico.  Vigora aqui o princípio do poluidor-pagador, constitucionalmente previsto, embora implicitamente, no art. 66º, n.°2, alínea h) da C.R.P..

IV. O sistema fiscal a adoptar deverá, portanto, consistir na adaptação do sistema existente, numa óptica de tax shift, de redução de uns impostos e aumento/criação de outros, numa óptima de neutralidade fiscal, isto é, sem agravamento da carga fiscal global, pois, na actual conjuntura, o sistema tributário não pode ser condicionado e orientado por questões de natureza ideológica. O modelo keynesiano, de injectar moeda na economia, típico dos anos sessenta, para resolver externalidades não é uma opção credível, na medida em que nos deparamos, por força dos condicionalismos económico-financeiros actuais, de esforço de redução da despesa pública em todo o espaço comunitário europeu (nomeadamente na Zona Euro), com a implementação de Pactos de Estabilidade e Crescimento (PEC's) e subscrição de Pactos Orçamentais, que contêm a famosa regra de ouro (que vincula cada Estado-membro subscritor a não ultrapassar um défice estrutural de 0,5% do PIB), que obrigam os Estados a prever de forma detalhada e restrita as suas despesas, num objectivo de se atingir a máxima eficiência das políticas públicas. Assim, a manutenção de um sistema dominado apenas pelas preocupações de fomento económico e redistribuição não se mostra justificável, nem adequado à promoção do ambiente.
O Estado deve envolver a sociedade na satisfação de necessidades colectivas, chamando os agentes económicos a assumir as suas responsabilidades sociais, nomeadamente ao nível da protecção ambiental. A administração pública não pode estar assente num modelo unilateral e autoritário, que define o direito aplicável em concreto às relações jurídico-administrativas, até porque a globalização (com a criação de actividades transnacionais e transectoriais) torna difícil a introdução de políticas intervencionistas direccionadas. Daí que, actualmente, as relações jurídicas multilaterais entre a Administração e os particulares assumem, cada vez mais, maior relevância através da celebração de contratos, acordos, ou comunicações informais.[8]
Assim, impõe-se uma interacção concertada entre o Estado, através da Administração Pública, e a economia, na definição e prossecução dos objectivos públicos, numa lógica de transparência e participação pública, nomeadamente ao nível dos instrumentos tributários.
O direito fiscal pode contemplar medidas de tutela ambiental através de impostos e taxas oneradores de comportamentos anti-ecológicos:

a)  os impostos correspondem a tributos aplicados a bens que de algum modo provocam um certo tipo de poluição, ou a atividades que influenciam e afetam de modo negativo o meio ambiente;
b) as taxas equivalem a pagamentos coactivos com caráter bilateral em contrapartida de benefícios concretos e individualizados resultantes do aproveitamento de serviços públicos específicos ou de utilização de bens do domínio público, e em contrapartida do levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício de certas atividades pelos particulares com uma determinada finalidade ambiental.

Com a adopção de eco-impostos prosseguir-se-ão objectivos ambientais por uma dupla via: directamente, limitando a verificação dos factos geradores desses impostos e, indirectamente, na medida em que essa via falhe, utilizando as receitas proporcionadas pelos impostos para atenuar os efeitos anti-ecológicos provocados pela verificação dos seus factos geradores.

V. A Lei de Bases do Ambiente (Lei n.° 11/87, de 7 de Abril), no art. 27.°, n.°1, alínea r), estabelece que “são instrumentos da política de ambiente e do ordenamento do território a fixação de taxas a aplicar pela utilização de recursos naturais e componentes ambientais, bem como pela rejeição de efluentes”.
Ora, já muito foi feito: existem em Portugal, segundo o Instituto Nacional de Estatística (doravante, I.N.E.), 28 formas de impostos e taxas com relevância ambiental. Ao nível dos impostos, indica-se, a título de exemplo, o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), que é o principal imposto ambiental do país, o Imposto sobre o Tabaco, o Imposto sobre os Recursos, e o Imposto sobre a Poluição. Já ao nível das taxas, destacam-se as taxas sobre a poluição (de recolha e tratamento de resíduos sólidos, de saneamento, de gestão de resíduos, etc.), e taxa sobre as lâmpadas de baixa eficiência energética (cf. D.L. 108/2007 de 12 de Abril). A maioria da receita cobrada provém dos impostos e não das taxas: em 2012, o valor dos impostos com relevância ambiental ascendeu a 5,03 mil milhões de euros, enquanto que o das taxas se fixou, em 2011, nos 772 milhões de euros.[9]
Além disso, têm sido postas em prática reformas importantes, nomeadamente ao nível da fiscalidade automóvel: a reforma da tributação automóvel de 2007 (cf., Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho) estabeleceu dois novos impostos, o Imposto sobre Veículos (I.S.V.), devido no momento da compra, e o Imposto Único de Circulação (I.U.C.), devido ao longo da vida útil do veículo, abolindo o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem. Com a criação destes dois impostos, procurou-se, naturalmente, angariar receita, mas na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade, o que, parece-me, se assume como uma importante mensagem de responsabilidade social, que sempre deve estar presente nas sociedades livres!
No entanto, há que referir que todo este tipo de instrumentos, nomeadamente sob a forma de imposto, vive um verdadeiro sobe-e-desce conforme a conjuntura, o que é transversal a todo o sistema fiscal. Por exemplo, segundo os dados mais recentes do I.N.E.[10], em 2012, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), o Imposto sobre Veículos (ISV) e o Imposto Único de Circulação (IUC), representarem, em termos de receitas cobradas, 3568 milhões de euros, sendo que, no Orçamento do Estado para o presente ano, se prevê que esse valor baixe para os 2735 milhões de euros[11]. Daí que seja fundamental a construção de um sistema fiscal mais estável e mais previsível.

VI. Todavia, optar primacialmente por instrumentos fiscais para protecção do ambiente não chega para o proteger. A verdade é que pagar impostos é, hoje em dia, algo um tanto ou quanto inconsciente: paga-se numa base de regularidade, sem se dar importância à̀ razão que subjaz ao seu pagamento, sendo que o indivíduo continuará a pagar impostos da mesma forma que  irá persistir em poluir o ambiente, uma vez que o próprio pagamento de determinado imposto ou taxa ambiental se torna rapidamente numa rotina, numa necessidade sine qua non de que para se poder poluir bastar pagar o devido tributo. 
No entanto, o contribuinte tem de entender que ao pagar impostos, compra civilização[12].É, pois, necessário agir, também, ao nível da extra-fiscalidade, o que é legitimado pelo Princípio do Estado Social[13], por forma a influenciar o cidadão a adoptar determinados comportamentos ao nível ambiental, a fim de potenciar e acentuar o equilíbrio entre os objectivos fiscais (obtenção de receitas) e extrafiscais (modelação dos comportamentos ecológicos dos indivíduos e das empresas, seja penalizando os comportamentos anti-ecológicos, seja favorecendo os comportamentos filo-ambientais).
As medidas beneficiadoras, enfim os benefícios fiscais, devem assumir-se como medidas de caráter excepcional, que de certa forma atribuem uma certa vantagem quando estejam em causa interesses públicos extrafiscais relevantes, que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.
Em Portugal, já existem algumas medidas incentivadoras de comportamentos filo-ambientais. Por exemplo: benefícios fiscais ao abate de veículos em fim de vida (cfr. D.L. 33/2007, de 15 de Fevereiro); redução do I.S.V. para os automóveis que utilizem exclusivamente como combustível gases de petróleo liquefeito (GPL) ou gás natural; e benefícios fiscais para os biocombustíveis (criados pelos D.L. 62/2006, de 21 de Março e D.L. 66/2006, de 22 Março).
Contudo, em termos extra-fiscais, do meu ponto de vista, outras medidas poderão ser adoptadas, nomeadamente:

a)   implementar campanhas governamentais (por parte do Ministério da Economia e do Ambiente) de incentivo à compra de bens de consumo de baixo consumo energético, com dedução em sede de I.R.S. superior à aplicada na compra de bens de consumo de elevado consumo energético, ou redução do I.V.A.;

b)  incentivar à criação de eco-indústrias e modernização das já existentes, com a adopção das melhores técnicas disponíveis, através de linhas de crédito específicas para esse efeito;

c)   promover e incentivar a construção sustentável, com a definição de critérios ambientais e sociais obrigatórios para a reabilitação dos edifícios;

d) implementar efectivas “compras públicas verdes”, com a identificação dos produtos verdes/sustentáveis que podem ser comprados em Portugal;

e)  favorecer a agricultura biológica, com a redução do I.V.A. para produtos que tenham o logótipo europeu de agricultura biológica, e com a redução dos encargos fiscais com as empresas de produção agrícola biológica durante os primeiros anos de actividade;

f)   incentivar à mobilidade eléctrica, com a definição de uma % de veículos governamentais que devem ser eléctricos e com o desenvolvimento de campanhas para aproximar tais veículos dos cidadãos;

g)   tornar o Sistema Bancário catalizador da economia verde, com a prática de spreads mais baixos para “negócios verdes”, assim como com a incorporação dos riscos ambientais nas análises de crédito feitas pelos Bancos;

h) implementar cultura de responsabilidade e responsabilização, com a inclusão, de modo generalizado, nos cursos de Licenciatura das cadeiras de sustentabilidade e ética;

i)    simplificar a legislação em vigor, com a criação de um Código do Ambiente, evitando-se, assim, uma enorme dispersão de diplomas, como ocorre actualmente, a fim de os agentes económicos terem maior conhecimento e contacto com as normas ambientais, permitindo-lhes adoptar e adaptar comportamentos antecipadamente.

Neste sentido, é de aplaudir a decisão do actual Governo Constitucional em funções, de promover uma reforma da fiscalidade verde, com os objectivos de reduzir a dependência energética externa e fomentar o empreendedorismo e o emprego. Para tal, constituiu-se uma comissão, empossada em 29 de Janeiro de 2014, que deverá contribuir para a redução da dependência energética face ao exterior e para a indução de padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, o que vai exigir lidar com as famílias (estimulando-se consumos mais sustentáveis) e empresas (promovendo-se uma utilização mais eficiente de recursos na produção).[14]
Esta iniciativa surge no âmbito do estudo da Agência Europeia do Ambiente (A.E.A.)[15], apresentado na Conferência “Fiscalidade Verde: Um contributo para a sustentabilidade”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a 30/04/2013, no qual se concluiu que Portugal pode obter mais 2,2 mil milhões de euros em receitas provenientes de taxas ambientais, se apostar num conjunto de medidas que passam, como já se assinalou, pela transferência da taxação que atualmente incide fundamentalmente sobre o trabalho e o capital (vide, supra, III), para a taxação da utilização de recursos ou sobre a poluição gerada.


VII. De todo o exposto, resultam de modo claro as vantagens e potencialidades da adopção de uma fiscalidade verde, enquanto meio de prossecução da protecção do ambiente. Mas, assinale-se: a concretização de uma reforma fiscal verde, no momento actual, só é possível se for desenvolvida de forma gradual, a fim de o sistema se tornar mais estável e previsível, tendo sempre em conta o princípio da neutralidade fiscal e efectivando-se de acordo com uma metodologia que:
a)   reanalise os incentivos e benefícios fiscais com vista à sua adequação a uma fiscalidade ambiental, sendo que de uma lógica de subsidiação directa e pontual dos agentes económicos que adoptem condutas sustentáveis, deve suceder, com mais frequência, uma intervenção contratual do Estado na economia, com a celebração de contratos ambientais;
b)   adapte os impostos especiais de consumo numa perspectiva ambiental.


VIII. Por tudo isto, conclui-se: a tributação ambiental constitui um instrumento viável e de grande relevo na proteção e preservação do meio ambiente, através da adopção dos instrumentos fiscais necessários à geração de recursos económicos afectos à prestação de serviços públicos de natureza ambiental (reflorestação, por exemplo), mas também como veículo de orientação do comportamento dos contribuintes no sentido da proteção do meio ambiente. Atingem-se, portanto, as três dimensões do desenvolvimento sustentável: económica, ambiental, e social. 

* * *

Pelo Discente,

João Proença Fernandes

Aluno n.º 20719



[1]Cfr., JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3.ª edição, 2000, Coimbra Editora, p. 532 e ss.
[2]Cfr., Despacho 706-A/2014.
[5]Cfr., Ibidem, p.10.
[7]Cfr, Ibidem, p.7.
[8] Cfr., CLÁUDIA DIAS SOARES, A inevitabilidade de se avançar para a tributação ambiental... também em Portugal, Revista Ordem dos Advogados, Ano 64, Vol. I/II, Novembro 2004.
[12] Ficou célebre, nesta óptica, o pensamento de Oliver Wendell, 1841-1935, jurista norte-americano.
[13] Pelo princípio do Estado Social defende-se a intervenção do Estado na sociedade para a prossecução de um fim de interesse indubitavelmente preponderante.

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