sexta-feira, 18 de abril de 2014


Contratos de adaptação ambiental – uma solução admissível?


           A partir dos anos 80 assiste-se a uma generalização da consciência ecológica, passando as forças políticas a demonstrar uma preocupação pela defesa do Ambiente. Esta defesa surge inicialmente como pouco flexível, em parte devido à pressão exercida pelos grupos ecologistas dos anos 70, marcados por uma forte vertente radicalista. Dominava então a conceção de que sendo o Estado o responsável pela tutela do meio ambiente, cabia-lhe a ele a fixação dos limites à atividade dos particulares, atuando como polícia administrativa. Ao adotar uma postura autoritária, o Estado passou a ser visto como uma entidade condicionadora da iniciativa económica privada o que veio ter repercussões nefastas a nível dos objetivos fixados quanto à proteção do ambiente. 
           É neste contexto que a administração muda de paradigma e nos anos 90 começam a surgir mecanismos de concertação, envolvendo todos os sujeitos, particulares e Estado, na defesa e promoção de um direito que a todos pertence.

           A flexibilização através do recurso à autorregulação acarreta diversas vantagens uma vez que fará com que os particulares sejam parte do procedimento, trazendo um sentimento de compromisso na cooperação com a Administração. Ao serem estabelecidas metas  por acordo  haverá  uma maior aproximação da decisão ao caso concreto, e os resultados serão alcançados de forma mais eficaz do que  com o recurso apenas à via sancionatória.  

           Uma das concretizações desta política de concertação assumida pela Administração são os contratos de adaptação ambiental, sendo que se entende por contratos de adaptação ambiental aqueles que “têm por objeto o estabelecimento de um plano de adaptação das empresas aderentes a normas ambientais imperativas, dentro do qual estas ficam à margem dos referenciais de fiscalização decorrentes das disposições legais sobre a matéria, que são substituídos por referenciais definidos contratualmente.”[1] Isto é, durante o período acordado, o não cumprimento dos limites legais por parte dos contratantes não levará à aplicação de qualquer norma sancionatória.
           Esta figura, no nosso ordenamento jurídico, vem regulada no art.78º do DL nº236/98, de 1 de Agosto e visa sobretudo permitir uma adaptação gradual das empresas às imposições relativas à emissão de poluentes, tendo em consideração a própria sustentabilidade económica das empresas.


  •         Questões relativas à legalidade

          A celebração de contratos em matéria ambiental é permitida pelo art.179º do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que este consagra a possibilidade de a Administração, na prossecução das suas atribuições, optar entre a emissão de atos ou o recurso à via contratual.

           Ao permitir o afastamento de limites legalmente fixados por via negocial, tem sido questionada na doutrina a admissibilidade desta solução, à luz do princípio da legalidade, mais concretamente, a sua compatibilização com o art.112º/5 da Constituição das República Portuguesa.
           Da leitura do art.112º/5 CRP pode-se concluir, nas palavras de Gomes Canotilho, que “uma lei só pode ser afetada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei.”[2] o que parece colidir com a flexibilização pretendida com a figura dos contratos de adaptação uma vez que estes permitem o afastamento de normas imperativas através da negociação. Por este motivo a generalidade da doutrina tem-se pugnado pela inconstitucionalidade desta solução. Estando em jogo a aplicação de normas constitucionais, nunca se poderia alegar pela legalidade do preceito com fundamento em este ter como fonte a lei, uma vez que é a própria lei que habilita à celebração destes contratos que deverá ser julgada inconstitucional.


  • Opinião

           A nossa constituição veio consagrar o direito ao ambiente tanto numa vertente objetiva como subjetiva. Isto é, se o art.9 º nas suas alíneas d) e  e) da CRP vem determinar que a efetivação dos direitos ambientais é uma tarefa estadual; o art.66º da CRP vem também estabelecer  que  o direito ao ambiente é um direito fundamental, com implicações no que concerne à dignidade da pessoa humana.
           Esta consagração do ambiente como direito fundamental implica que qualquer limitação que este sofra (como ocorre no caso de emissão de poluentes superior ao fixado na lei) tenha de respeitar os princípios materiais retores das restrições, exigidos pelo art.18º da CRP. Estes são, nomeadamente:

           - Princípio da proteção do núcleo essencial do direito – o número 2 do art.78º obriga que os contratos de adaptação sejam conformes ao direito comunitário, o que não dará uma grande margem às partes contraentes, garantindo-se assim a proteção do núcleo essencial.

         - Princípio da Proporcionalidade – a restrição tem de ser adequada ao fim que pretende alcançar, para que haja um equilíbrio entre as desvantagens e as vantagens que se retirará da compressão do direito em causa.
           Se é verdade que cabe ao Estado a defesa do meio ambiente, enquanto bem jurídico de todos, também deverá ser salientado que essa proteção tem de ser conciliada com outros direitos constitucionalmente consagrados que se apresentam por vezes como opostos a este. Assim, na emanação de normas em matéria ambiental, o Estado procura encontrar um equilíbrio que permita a conservação da qualidade ambiental e do desenvolvimento económico-social. Esse equilíbrio é frequentemente denominado de desenvolvimento sustentável.
           Os contratos de adaptação ambiental visam conferir às empresas já em funcionamento, no momento da entrada em vigor da nova regulamentação, um período de adaptação, tendo em conta os elevados custos que as modificações exigidas por lei por vezes comportam. Desde modo, ocorre uma restrição temporária do direito em prol do desenvolvimento económico-social e da liberdade de iniciativa económica.

           - Princípio da generalidade e abstração – a norma que restringe o direito tem de ser geral e abstrata. Esta exigência também se encontra preenchida uma vez que o nº3 do art.78º admite a celebração de contratos de adaptação a uma categoria de empresas: entidades poluidoras que tiveram início de atividade prévio à data de início de vigência do diploma.

           Deste modo, parece-me defensável possibilitar à Administração que recorra à via da negociação como forma de permitir que as entidades poluentes possam de forma gradual adaptar-se às novas exigências legais, levando a uma concertação e maior participação de todos na prossecução da tutela do ambiente. O direito do ambiente é uma disciplina que “exige que a lei deva ser utilizada ao jeito de uma diretiva, de modo a não precludir  a adaptabilidade a novas situações, a bem do aumento da eficácia da sua atuação”[3].

           O principal problema continua a assentar na compatibilidade desta solução com o art.112º/5 da CRP. Devemos deste modo entender qual é a finalidade que está subjacente a este preceito para se concluir se os contratos aqui em análise irão colidir com o seu espírito.
           Como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva, a finalidade da norma é “a de evitar fugas à hierarquia dos atos normativos”[4], o que não me parece que ocorra na celebração de contratos de adaptação. Pelo contrário, como afirma Paulo Rangel a propósito dos contratos-programa, “em bom rigor e, por paradoxal que pareça, a lei ao permitir o afastamento (temporário e calendarizado) das normas de qualidade ambiental, visa criar as condições para que, a prazo, tais normas venham a ser integralmente cumpridas.”[5]. Com isto quer-se dizer que o art.78º do DL nº236/98, de 1 de Agosto,  não visa “fugir” ao determinado na lei, mas antes contribuir para a sua aplicação. Apenas o faz de uma forma gradual tendo em conta as especificidades e tecnicidades que marcam o Direito do Ambiente.

           O Professor Vasco Pereira da Silva defende a admissibilidade dos contratos de adaptação, opondo-lhes no entanto duas condições. A primeira consiste em considerar que a lei que estabelece os limites comporta dois regimes; o geral, e um especial que deverá ser concretizado através da celebração de um contrato por parte da Administração. A segunda condição reside no facto de se considerar que a Administração na concretização desse segundo regime, estará sempre limitada pelas regras de competência e pelos princípios fundamentais da atividade administrativa.

           É certo que a adoção de novas soluções não deverá ser feita passando por cima dos princípios do Estado de Direito, no entanto, fazendo uma interpretação conforme à Constituição do art.78º do DL 236/98, de 1 de Agosto, parece-me que é possível a admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental.



Referências  Bibliográficas


CANOTILHO, Gomes J.J; MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. II vol.
CASTRO, Paulo Rangel – Concertação, programação e direito ambiental. Coimbra : Coimbra Editora, 1994
KIRKBY, Mark Bobela-Mota - Os contratos de adaptação ambiental – a concertação entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa, Lisboa: AAFDL, 2001.
SILVA, Duarte Silva Bernardo Rodrigues – os contratos de adaptação ambiental. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2001. Relatório de mestrado.
SILVA, Vasco Pereira – Verde Cor de Direito. Lisboa: Almedina, 2001.

Mariana Prelhaz, nº 20646





[1] Kirkby, Mark Bobela  -  Os contratos de adaptação ambiental – a concertação entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa, Lisboa: AAFDL, 2001. 20 p.

[2]  CANOTILHO, Gomes J.J; MOREIRA, Vital - Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. II vol. 67 p.
[3] Cit. Por SILVA, Duarte Silva Bernardo Rodrigues – Os contratos de adaptação ambiental, p.40.
[4] SILVA, Vasco Pereira – Verde Cor de Direito. Lisboa: Almedina, 2001. 219 p.
[5]CASTRO, Paulo Rangel – Concertação, programação e direito ambiental. Coimbra : Coimbra Editora, 1994. 78 p. 

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