Contratos de adaptação ambiental – uma solução admissível?
A partir dos anos 80 assiste-se a uma
generalização da consciência ecológica, passando as forças políticas a
demonstrar uma preocupação pela defesa do Ambiente. Esta defesa surge
inicialmente como pouco flexível, em parte devido à pressão exercida pelos
grupos ecologistas dos anos 70, marcados por uma forte vertente radicalista. Dominava
então a conceção de que sendo o Estado o responsável pela tutela do meio ambiente,
cabia-lhe a ele a fixação dos limites à atividade dos particulares, atuando
como polícia administrativa. Ao adotar uma postura autoritária, o Estado passou
a ser visto como uma entidade condicionadora da iniciativa económica privada o
que veio ter repercussões nefastas a nível dos objetivos fixados quanto à proteção
do ambiente.
É neste contexto que a administração muda de paradigma e nos anos
90 começam a surgir mecanismos de concertação, envolvendo todos os sujeitos,
particulares e Estado, na defesa e promoção de um direito que a todos pertence.
A
flexibilização através do recurso à autorregulação acarreta diversas vantagens
uma vez que fará com que os particulares sejam parte do procedimento, trazendo
um sentimento de compromisso na cooperação com a Administração. Ao serem
estabelecidas metas por acordo haverá uma maior aproximação da decisão ao caso
concreto, e os resultados serão alcançados de forma mais eficaz do que com o recurso apenas à via sancionatória.
Uma
das concretizações desta política de concertação assumida pela Administração
são os contratos de adaptação ambiental, sendo que se entende por contratos de
adaptação ambiental aqueles que “têm por objeto o estabelecimento de um plano
de adaptação das empresas aderentes a normas ambientais imperativas, dentro do
qual estas ficam à margem dos referenciais de fiscalização decorrentes das
disposições legais sobre a matéria, que são substituídos por referenciais
definidos contratualmente.”[1]
Isto é, durante o período acordado, o não cumprimento dos limites legais por
parte dos contratantes não levará à aplicação de qualquer norma sancionatória.
Esta
figura, no nosso ordenamento jurídico, vem regulada no art.78º do DL nº236/98,
de 1 de Agosto e visa sobretudo permitir uma adaptação gradual das empresas às
imposições relativas à emissão de poluentes, tendo em consideração a própria
sustentabilidade económica das empresas.
- Questões relativas à legalidade
A
celebração de contratos em matéria ambiental é permitida pelo art.179º do
Código de Procedimento Administrativo, uma vez que este consagra a
possibilidade de a Administração, na prossecução das suas atribuições, optar
entre a emissão de atos ou o recurso à via contratual.
Ao
permitir o afastamento de limites legalmente fixados por via negocial, tem sido
questionada na doutrina a admissibilidade desta solução, à luz do princípio da
legalidade, mais concretamente, a sua compatibilização com o art.112º/5 da
Constituição das República Portuguesa.
Da
leitura do art.112º/5 CRP pode-se concluir, nas palavras de Gomes Canotilho,
que “uma lei só pode ser afetada na sua existência, eficácia ou alcance por
efeito de uma outra lei.”[2] o
que parece colidir com a flexibilização pretendida com a figura dos contratos
de adaptação uma vez que estes permitem o afastamento de normas imperativas
através da negociação. Por este motivo a generalidade da doutrina tem-se
pugnado pela inconstitucionalidade desta solução. Estando em jogo a aplicação
de normas constitucionais, nunca se poderia alegar pela legalidade do preceito com
fundamento em este ter como fonte a lei, uma vez que é a própria lei que
habilita à celebração destes contratos que deverá ser julgada inconstitucional.
- Opinião
A nossa constituição veio consagrar o direito
ao ambiente tanto numa vertente objetiva como subjetiva. Isto é, se o art.9 º nas
suas alíneas d) e e) da CRP vem
determinar que a efetivação dos direitos ambientais é uma tarefa estadual; o
art.66º da CRP vem também estabelecer que
o direito ao ambiente é um direito
fundamental, com implicações no que concerne à dignidade da pessoa humana.
Esta consagração do ambiente como direito
fundamental implica que qualquer limitação que este sofra (como ocorre no caso
de emissão de poluentes superior ao fixado na lei) tenha de respeitar os
princípios materiais retores das restrições, exigidos pelo art.18º da CRP. Estes
são, nomeadamente:
-
Princípio da proteção do núcleo essencial do direito – o número 2 do art.78º
obriga que os contratos de adaptação sejam conformes ao direito comunitário, o
que não dará uma grande margem às partes contraentes, garantindo-se assim a
proteção do núcleo essencial.
- Princípio da Proporcionalidade – a restrição tem de ser adequada ao fim que pretende alcançar, para que haja um equilíbrio entre as desvantagens e as vantagens que se retirará da compressão do direito em causa.
Se
é verdade que cabe ao Estado a defesa do meio ambiente, enquanto bem jurídico
de todos, também deverá ser salientado que essa proteção tem de ser conciliada
com outros direitos constitucionalmente consagrados que se apresentam por vezes
como opostos a este. Assim, na emanação de normas em matéria ambiental, o
Estado procura encontrar um equilíbrio que permita a conservação da qualidade
ambiental e do desenvolvimento económico-social. Esse equilíbrio é
frequentemente denominado de desenvolvimento sustentável.
Os
contratos de adaptação ambiental visam conferir às empresas já em funcionamento,
no momento da entrada em vigor da nova regulamentação, um período de adaptação,
tendo em conta os elevados custos que as modificações exigidas por lei por
vezes comportam. Desde modo, ocorre uma restrição temporária do direito em prol
do desenvolvimento económico-social e da liberdade de iniciativa económica.
-
Princípio da generalidade e abstração – a norma que restringe o direito tem de
ser geral e abstrata. Esta exigência também se encontra preenchida uma vez que
o nº3 do art.78º admite a celebração de contratos de adaptação a uma categoria
de empresas: entidades poluidoras que tiveram início de atividade prévio à data
de início de vigência do diploma.
Deste
modo, parece-me defensável possibilitar à Administração que recorra à via da
negociação como forma de permitir que as entidades poluentes possam de forma
gradual adaptar-se às novas exigências legais, levando a uma concertação e
maior participação de todos na prossecução da tutela do ambiente. O direito do
ambiente é uma disciplina que “exige que a lei deva ser utilizada ao jeito de
uma diretiva, de modo a não precludir a
adaptabilidade a novas situações, a bem do aumento da eficácia da sua atuação”[3].
O
principal problema continua a assentar na compatibilidade desta solução com o
art.112º/5 da CRP. Devemos deste modo entender qual é a finalidade que está
subjacente a este preceito para se concluir se os contratos aqui em análise
irão colidir com o seu espírito.
Como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva,
a finalidade da norma é “a de evitar fugas à hierarquia dos atos normativos”[4], o
que não me parece que ocorra na celebração de contratos de adaptação. Pelo
contrário, como afirma Paulo Rangel a propósito dos contratos-programa, “em bom
rigor e, por paradoxal que pareça, a lei ao permitir o afastamento (temporário
e calendarizado) das normas de qualidade ambiental, visa criar as condições
para que, a prazo, tais normas venham a ser integralmente cumpridas.”[5].
Com isto quer-se dizer que o art.78º do DL nº236/98, de 1 de Agosto, não visa “fugir” ao determinado na
lei, mas antes contribuir para a sua aplicação. Apenas o faz de uma forma gradual
tendo em conta as especificidades e tecnicidades que marcam o Direito do
Ambiente.
O
Professor Vasco Pereira da Silva defende a admissibilidade dos contratos de
adaptação, opondo-lhes no entanto duas condições. A primeira consiste em
considerar que a lei que estabelece os limites comporta dois regimes; o geral,
e um especial que deverá ser concretizado através da celebração de um contrato
por parte da Administração. A segunda condição reside no facto de se considerar
que a Administração na concretização desse segundo regime, estará sempre
limitada pelas regras de competência e pelos princípios fundamentais da atividade
administrativa.
É certo que a adoção de novas soluções não deverá ser feita passando por cima dos princípios do Estado de Direito, no entanto, fazendo uma interpretação conforme à Constituição do art.78º do DL 236/98, de 1 de Agosto, parece-me que é possível a admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental.
Referências Bibliográficas
CANOTILHO,
Gomes J.J; MOREIRA, Vital - Constituição
da República Portuguesa Anotada, 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. II
vol.
CASTRO,
Paulo Rangel – Concertação, programação e
direito ambiental. Coimbra : Coimbra
Editora, 1994
KIRKBY, Mark Bobela-Mota -
Os contratos de adaptação ambiental – a
concertação entre a administração pública e os particulares na aplicação de
normas de polícia administrativa, Lisboa: AAFDL, 2001.
SILVA,
Duarte Silva Bernardo Rodrigues – os contratos de adaptação ambiental. Lisboa:
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 2001. Relatório de mestrado.
SILVA,
Vasco Pereira – Verde Cor de Direito.
Lisboa: Almedina, 2001.
Mariana
Prelhaz, nº 20646
[2] CANOTILHO, Gomes J.J; MOREIRA, Vital - Constituição
da República Portuguesa Anotada, 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. II vol.
67 p.
[3] Cit. Por SILVA, Duarte Silva Bernardo Rodrigues – Os contratos de adaptação ambiental,
p.40.
[4] SILVA,
Vasco Pereira – Verde Cor de Direito. Lisboa: Almedina, 2001. 219 p.
[5]CASTRO, Paulo Rangel – Concertação, programação e direito ambiental. Coimbra : Coimbra
Editora, 1994. 78 p.
Visto.
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