Para além do Direito administrativo, há outras disciplinas
que se preocupam com o Ambiente, segundo a sua própria metodologia. O Direito
Administrativo não esgota a protecção ambiental. Para além da protecção
administrativa, também há a protecção civil, a protecção processual, a penal,
europeia, internacional.[1]
No âmbito da protecção penal do Ambiente, só com a reforma
penal de 1995, surgiram as primeiras incriminações autónomas destinadas a
tutelar o ambiente, através de tutela directa (arts . 278º, 279º e 280º CP) e
indirecta ( arts .º 272º e 273º CP). Houve então, com a reforma, a eleição e
protecção do bem jurídico ambiente ou a qualidade do ambiente enquanto tal. Esta
protecção verifica-se no seio de um processo de neocriminalização como forma de
responder aos novos desafios do desenvolvimento tecnológico, fazendo surgir
novos e mais elevados riscos.
A doutrina legitima esta protecção penal do ambiente na sua tutela
jurídica expressa ao nível constitucional. De facto, o nível constitucional do
direito ao ambiente (art66º CRP) legitima que o legislador penal crie crimes
contra o ambiente, no fundo, constitui uma legitimidade da incriminação de
certas condutas (embora a protecção constitucional do bem-jurídico só por si
não atribua essa legitimidade).
Ambiente como
bem-jurídico
O reconhecimento da utilidade humana da protecção ao
ambiente, como um todo, constitui a principal e primitiva razão pela qual se
deu a inclusão do ambiente no catálogo de bens jurídicos. Esta é, segundo o
Professor Paulo de Sousa Mendes, a forma mais simples de explicar a integração
do meio ambiente no mundo do Direito.[2]
Segundo o Professor Figueiredo Dias, “bem jurídico é a
expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou
integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo reconhecido como
socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”.
O ambiente diz respeito a todas as pessoas enquanto
habitantes do planeta, de maneira que a protecção do ambiente é simultaneamente
uma protecção às nossas condições de vida. No limite, a protecção do ambiente,
assegurando o não esgotamento de recursos, assegura a própria subsistência de
vida na terra. Da consciência do impacto que o progresso tecnológico tem ao
nível ambiental e consequentemente ao nível da qualidade de vida de todos nós,
nasce a relevância do ambiente enquanto bem necessitado de tutela normativa,
como uma forma mais eficaz para a sua protecção (adopção de medidas jurídicas de
protecção). Portanto o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, sendo que essa
preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana.[3]
Essa protecção é, antes de mais, dada a nível
constitucional, sendo o ambiente desde logo um bem jurídico-constitucional. Ele
aparece enquanto tarefa fundamental do Estado (art.9º als.d) e e) CRP) e
enquanto direito fundamental dos cidadãos (art. 66ª CRP), ou seja, constitui um
direito individual, um interesse colectivo e um interesse difuso. Esta normatização
do ambiente como Direito fundamental formal e materialmente constitucional,
além de ser eficaz para a sua protecção[4],
deixou a porta aberta para que o bem jurídico-constitucional fosse também um
bem jurídico-penal.
Contudo, se é certo que estando em causa um bem
jurídico-constitucional poderá haver tutela penal, não é menos certo que,
apesar disso, nem todos os bens jurídico-constitucionais reclamam intervenção
protectora do Direito Penal. É antes necessário atender ao duplo critério da
necessidade e da subsidiariedade da intervenção do Direito penal
(concretizadores do princípio da intervenção mínima). Isto porque não existe
imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização[5].
Princípio da Necessidade
da pena
O direito penal constitui a última ratio da política social
e a sua intervenção é de natureza subsidiária (art.18º/2 CRP). O estado só deve
intervir nos direitos e liberdades fundamentais (através da tutela penal) se
tal for imprescindível para assegurar os direitos e liberdades fundamentais dos
outros ou da comunidade enquanto tal.
O Direito penal só pode intervir naqueles casos em que todos
os outros meios de política social se revelem insuficientes ou inadequados para
tutelar convenientemente o bem jurídico em causa. É necessário então proceder a
juízos de adequação das sanções penais para a prevenção de determinados
ilícitos. O que está em causa não é a necessidade de controlo de comportamentos
que possam pôr em causa o ambiente, pois ele reputa-se socialmente desejável,
mas apenas a questão de saber se esse controlo não deve ser deixado por inteiro
à intervenção de meios penais de controlo social, ou seja, se existe carência
de tutela penal.
O problema tem de ser visto do ponto de vista prático de
maior eficácia na protecção do ambiente, que é o que, em última análise, se
pretende. Assim, cabe perguntar se essa protecção será melhor conseguida
através do direito de mera ordenação social ou se a insignificante e difícil
aplicabilidade das penas dos tipos incriminadores não servirá apenas para
descredibilizar a actuação do Estado na tutela penal do ambiente, criando-se um
direito penal simbólico, que falha na prossecução dos fins de prevenção geral
positiva e negativa e que é utilizado para silenciar os grupos de opinião
ambientalistas.[6]
Uma das primeiras críticas apontadas à criminalização de
algumas condutas ilícitas no domínio ambiental é a dificuldade de
aplicabilidade das penas por parte dos tribunais, ideia de que quase nenhumas
penas são aplicadas. Este facto verifica-se, primeiramente, pela dificuldade de
provar que o agente praticou uma conduta ilícita e punível e, por outro lado,
que o agente actuou com dolo ou negligência[7].
Por outro lado, nos tipos incriminadores a verificação da
tipicidade da conduta implica, as mais das vezes, o domínio de conhecimentos
científicos especializados, o que pode implicar uma dificuldade de aplicação
das cláusulas em que seja necessário esse domínio de conhecimento[8].
Estas duas razões levam a crer que as soluções
administrativas e de mera ordenação social poderão ter uma maior eficácia na
protecção do ambiente. Primeiramente porque os processos de contra-ordenação se
apresentam mais simples e céleres do que os processos judiciais, depois porque
o direito de mera ordenação social (e também administrativo) se encontra mais
próximo dos processos e progressos tecnológicos, podendo haver entidades que
têm especificamente a seu cargo estas matérias contribuindo para uma
intervenção mais especializada e mais consequente.
Do lado oposto, cabe perguntar se a protecção do ambiente
através do Direito penal, não se traduz numa forma mais energética, por parte
do estado, de resposta a adopção de comportamentos delituais no domínio do
ambiente. De facto, pode se questionar se não se apresenta como mais dissuasor
a criminalização desses comportamentos, na medida em que esta permite uma pena
privativa de liberdade ou, no caso das pessoas colectivas, pena de multa ou de
dissolução (bem como penas acessórias de interdição de exercício de actividade,
proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinas entidades,
privação do direito de subsídios, subvenções ou incentivos, encerramento de
estabelecimentos e publicidade de decisão condenatória).
Por outro lado, a sanção pecuniária pode ser vista como um
“custo” da actividade económica poluente, repercutindo-se no preço do produto e
acabar por penalizar o consumidor final, fazendo com que as sanções
administrativas ou outras sanções financeiras não tenham o suficiente poder
dissuasor.
Pela importância do ambiente enquanto bem jurídico
constitucionalmente consagrado e pela indiscutível necessidade de o preservar,
é essencial que haja ao serviço dele um sistema sancionatório de carácter
punitivo, que deverá ser, em primeira linha, o do Direito contra-ordenacional[9]
[10]
Contudo, este sistema deve estar reservado às lesões que são
a concretização de uma mera desobediência, as menos graves, aquelas que não são
imediatamente anti-humanas ou apenas remotamente perigosas para os bens
jurídicos pessoais.
Nos casos de condutas mais graves de lesão do ambiente já
parece ser necessário a criminalização. A tutela penal não pode ultrapassar,
legitimamente, a evidente repercussão humana.[11]
A resposta a questão de saber em que medida será necessário
a intervenção do Direito penal nesta matéria parece então depender do tipo e da
gravidade da conduta em questão. Porque se o ambiente é considerado como bem
jurídico, onde a sua defesa corresponde a exigências de realização da dignidade
da pessoa humana, faz sentido que só naquelas condutas que são imediatamente
anti-humanas se justifique uma resposta mais enérgica por parte do estado,
através da criminalização dessas condutas.
[1] VASCO
PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito,
Lições de Direito do Ambiente, Almedina
, 2002, pp. 55 ss. Perspectiva
pluridisciplinar do Direito do Ambiente adoptada pelo Professor Vasco Pereira
da Silva. O Professor reconhece a importância do Direito do Ambiente no domínio
do Direito Administrativo, mas entende que isso não significa ignorar outros
domínios e vertentes que são igualmente importantes, adoptando uma visão
exclusivista.
[2] Paulo de
Sousa Mendes, Vale a pena um Direito
penal do ambiente?, p.100
[3] Ideia
que decorre da visão antropocêntrica do ambiente. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do
Ambiente, Almedina, 2002, pp 29 ss.
[4] Pois
surge como um dever para o Estado de realização de uma política global e
concertada do ambiente, podendo ser declarada pelo TC uma inconstitucionalidade
por omissão quando o poder legislativo não edite normas necessárias e adequadas
à protecção do direito das pessoas ao ambiente, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «DIREITO
PENAL DO AMBIENTE – UMA APROXIMAÇÃO AO NOVO DIREITO PORTUGUÊS (O CRIME DE
POLUIÇÃO)» in Ambiente e Consumo, Vol.II, Centro de estudos Judiciários.
[6] PAULO DE
SOUSA MENDES pp 32 ss Como explica o Professor Direito Penal simbólico trata-se
de um Direito fortemente impregnado de conotações programáticas e ideológicas,
mas desprovido de consequências práticas efectivas.
[7]
«Agravamento das penas para crimes ambientais não traz mais condenações» in
Revista da Ordem dos Advogados, 1 Dez. 2008
[8] Vide, entre outros, FREDERICO LACERDA DA
COSTA PINTO, « SENTIDO E LIMITES DA PROTECÇÃO PENAL DO AMBIENTE» in: Direito
penal económico e europeu , Vol.pp 17 e ss
[9] JOSÉ SOUTO DE MOURA, « O crime de Danos
Contra a Natureza no Código Penal Português», Agência Portuguesa do Ambiente,
Meios de tutela e institutos jurídicos, Crimes ecológicos
[10] (…) « o
modo “normal” de reacção contra delitos ambientais deve ser antes os das
reacções sanções administrativas ou contra-ordenações» , VASCO PEREIRA DA
SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002,
p.281
[11] Neste
sentido, v. por todos, MARIA FERNANDA PALMA, « Direito Penal do Ambiente – Uma
Primeira Abordagem », in,« Direito do Ambiente», Instituto Nacional de
Administração, 1994, pag 438, apud, VASCO
PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito,
Lições de Direito do Ambiente , Almedina 2002 p. 281
Visto.
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