sábado, 26 de abril de 2014

Intervenção do Direito Penal na Protecção do Ambiente



Para além do Direito administrativo, há outras disciplinas que se preocupam com o Ambiente, segundo a sua própria metodologia. O Direito Administrativo não esgota a protecção ambiental. Para além da protecção administrativa, também há a protecção civil, a protecção processual, a penal, europeia, internacional.[1]

No âmbito da protecção penal do Ambiente, só com a reforma penal de 1995, surgiram as primeiras incriminações autónomas destinadas a tutelar o ambiente, através de tutela directa (arts . 278º, 279º e 280º CP) e indirecta ( arts .º 272º e 273º CP). Houve então, com a reforma, a eleição e protecção do bem jurídico ambiente ou a qualidade do ambiente enquanto tal. Esta protecção verifica-se no seio de um processo de neocriminalização como forma de responder aos novos desafios do desenvolvimento tecnológico, fazendo surgir novos e mais elevados riscos.
A doutrina legitima esta protecção penal do ambiente na sua tutela jurídica expressa ao nível constitucional. De facto, o nível constitucional do direito ao ambiente (art66º CRP) legitima que o legislador penal crie crimes contra o ambiente, no fundo, constitui uma legitimidade da incriminação de certas condutas (embora a protecção constitucional do bem-jurídico só por si não atribua essa legitimidade).


Ambiente como bem-jurídico

O reconhecimento da utilidade humana da protecção ao ambiente, como um todo, constitui a principal e primitiva razão pela qual se deu a inclusão do ambiente no catálogo de bens jurídicos. Esta é, segundo o Professor Paulo de Sousa Mendes, a forma mais simples de explicar a integração do meio ambiente no mundo do Direito.[2]
Segundo o Professor Figueiredo Dias, “bem jurídico é a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo reconhecido como socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”.

O ambiente diz respeito a todas as pessoas enquanto habitantes do planeta, de maneira que a protecção do ambiente é simultaneamente uma protecção às nossas condições de vida. No limite, a protecção do ambiente, assegurando o não esgotamento de recursos, assegura a própria subsistência de vida na terra. Da consciência do impacto que o progresso tecnológico tem ao nível ambiental e consequentemente ao nível da qualidade de vida de todos nós, nasce a relevância do ambiente enquanto bem necessitado de tutela normativa, como uma forma mais eficaz para a sua protecção (adopção de medidas jurídicas de protecção). Portanto o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, sendo que essa preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana.[3]
Essa protecção é, antes de mais, dada a nível constitucional, sendo o ambiente desde logo um bem jurídico-constitucional. Ele aparece enquanto tarefa fundamental do Estado (art.9º als.d) e e) CRP) e enquanto direito fundamental dos cidadãos (art. 66ª CRP), ou seja, constitui um direito individual, um interesse colectivo e um interesse difuso. Esta normatização do ambiente como Direito fundamental formal e materialmente constitucional, além de ser eficaz para a sua protecção[4], deixou a porta aberta para que o bem jurídico-constitucional fosse também um bem jurídico-penal.
Contudo, se é certo que estando em causa um bem jurídico-constitucional poderá haver tutela penal, não é menos certo que, apesar disso, nem todos os bens jurídico-constitucionais reclamam intervenção protectora do Direito Penal. É antes necessário atender ao duplo critério da necessidade e da subsidiariedade da intervenção do Direito penal (concretizadores do princípio da intervenção mínima). Isto porque não existe imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização[5]

Princípio da Necessidade da pena

O direito penal constitui a última ratio da política social e a sua intervenção é de natureza subsidiária (art.18º/2 CRP). O estado só deve intervir nos direitos e liberdades fundamentais (através da tutela penal) se tal for imprescindível para assegurar os direitos e liberdades fundamentais dos outros ou da comunidade enquanto tal.
O Direito penal só pode intervir naqueles casos em que todos os outros meios de política social se revelem insuficientes ou inadequados para tutelar convenientemente o bem jurídico em causa. É necessário então proceder a juízos de adequação das sanções penais para a prevenção de determinados ilícitos. O que está em causa não é a necessidade de controlo de comportamentos que possam pôr em causa o ambiente, pois ele reputa-se socialmente desejável, mas apenas a questão de saber se esse controlo não deve ser deixado por inteiro à intervenção de meios penais de controlo social, ou seja, se existe carência de tutela penal.


O problema tem de ser visto do ponto de vista prático de maior eficácia na protecção do ambiente, que é o que, em última análise, se pretende. Assim, cabe perguntar se essa protecção será melhor conseguida através do direito de mera ordenação social ou se a insignificante e difícil aplicabilidade das penas dos tipos incriminadores não servirá apenas para descredibilizar a actuação do Estado na tutela penal do ambiente, criando-se um direito penal simbólico, que falha na prossecução dos fins de prevenção geral positiva e negativa e que é utilizado para silenciar os grupos de opinião ambientalistas.[6]

Uma das primeiras críticas apontadas à criminalização de algumas condutas ilícitas no domínio ambiental é a dificuldade de aplicabilidade das penas por parte dos tribunais, ideia de que quase nenhumas penas são aplicadas. Este facto verifica-se, primeiramente, pela dificuldade de provar que o agente praticou uma conduta ilícita e punível e, por outro lado, que o agente actuou com dolo ou negligência[7].
Por outro lado, nos tipos incriminadores a verificação da tipicidade da conduta implica, as mais das vezes, o domínio de conhecimentos científicos especializados, o que pode implicar uma dificuldade de aplicação das cláusulas em que seja necessário esse domínio de conhecimento[8].
Estas duas razões levam a crer que as soluções administrativas e de mera ordenação social poderão ter uma maior eficácia na protecção do ambiente. Primeiramente porque os processos de contra-ordenação se apresentam mais simples e céleres do que os processos judiciais, depois porque o direito de mera ordenação social (e também administrativo) se encontra mais próximo dos processos e progressos tecnológicos, podendo haver entidades que têm especificamente a seu cargo estas matérias contribuindo para uma intervenção mais especializada e mais consequente.


Do lado oposto, cabe perguntar se a protecção do ambiente através do Direito penal, não se traduz numa forma mais energética, por parte do estado, de resposta a adopção de comportamentos delituais no domínio do ambiente. De facto, pode se questionar se não se apresenta como mais dissuasor a criminalização desses comportamentos, na medida em que esta permite uma pena privativa de liberdade ou, no caso das pessoas colectivas, pena de multa ou de dissolução (bem como penas acessórias de interdição de exercício de actividade, proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinas entidades, privação do direito de subsídios, subvenções ou incentivos, encerramento de estabelecimentos e publicidade de decisão condenatória).
Por outro lado, a sanção pecuniária pode ser vista como um “custo” da actividade económica poluente, repercutindo-se no preço do produto e acabar por penalizar o consumidor final, fazendo com que as sanções administrativas ou outras sanções financeiras não tenham o suficiente poder dissuasor.
Pela importância do ambiente enquanto bem jurídico constitucionalmente consagrado e pela indiscutível necessidade de o preservar, é essencial que haja ao serviço dele um sistema sancionatório de carácter punitivo, que deverá ser, em primeira linha, o do Direito contra-ordenacional[9] [10]
Contudo, este sistema deve estar reservado às lesões que são a concretização de uma mera desobediência, as menos graves, aquelas que não são imediatamente anti-humanas ou apenas remotamente perigosas para os bens jurídicos pessoais.
Nos casos de condutas mais graves de lesão do ambiente já parece ser necessário a criminalização. A tutela penal não pode ultrapassar, legitimamente, a evidente repercussão humana.[11]

A resposta a questão de saber em que medida será necessário a intervenção do Direito penal nesta matéria parece então depender do tipo e da gravidade da conduta em questão. Porque se o ambiente é considerado como bem jurídico, onde a sua defesa corresponde a exigências de realização da dignidade da pessoa humana, faz sentido que só naquelas condutas que são imediatamente anti-humanas se justifique uma resposta mais enérgica por parte do estado, através da criminalização dessas condutas.




                                                                                                                                                          
 Maria Isabel Campos Costa nº 20417










[1] VASCO PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina , 2002, pp.  55 ss. Perspectiva pluridisciplinar do Direito do Ambiente adoptada pelo Professor Vasco Pereira da Silva. O Professor reconhece a importância do Direito do Ambiente no domínio do Direito Administrativo, mas entende que isso não significa ignorar outros domínios e vertentes que são igualmente importantes, adoptando uma visão exclusivista.
[2] Paulo de Sousa Mendes, Vale a pena um Direito penal do ambiente?, p.100
[3] Ideia que decorre da visão antropocêntrica do ambiente. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pp 29 ss.
[4] Pois surge como um dever para o Estado de realização de uma política global e concertada do ambiente, podendo ser declarada pelo TC uma inconstitucionalidade por omissão quando o poder legislativo não edite normas necessárias e adequadas à protecção do direito das pessoas ao ambiente, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «DIREITO PENAL DO AMBIENTE – UMA APROXIMAÇÃO AO NOVO DIREITO PORTUGUÊS (O CRIME DE POLUIÇÃO)» in Ambiente e Consumo, Vol.II, Centro de estudos Judiciários.
[5]
[6] PAULO DE SOUSA MENDES pp 32 ss Como explica o Professor Direito Penal simbólico trata-se de um Direito fortemente impregnado de conotações programáticas e ideológicas, mas desprovido de consequências práticas efectivas.
[7] «Agravamento das penas para crimes ambientais não traz mais condenações» in Revista da Ordem dos Advogados, 1 Dez. 2008
[8]  Vide, entre outros, FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, « SENTIDO E LIMITES DA PROTECÇÃO PENAL DO AMBIENTE» in: Direito penal económico e europeu , Vol.pp 17 e ss
[9]   JOSÉ SOUTO DE MOURA, « O crime de Danos Contra a Natureza no Código Penal Português», Agência Portuguesa do Ambiente, Meios de tutela e institutos jurídicos, Crimes ecológicos   
[10] (…) « o modo “normal” de reacção contra delitos ambientais deve ser antes os das reacções sanções administrativas ou contra-ordenações» , VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002, p.281
[11] Neste sentido, v. por todos, MARIA FERNANDA PALMA, « Direito Penal do Ambiente – Uma Primeira Abordagem », in,« Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, 1994, pag 438, apud, VASCO PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente , Almedina 2002 p. 281

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