terça-feira, 29 de abril de 2014

A diferença entre o Princípio da Precaução e da Prevenção



1.      Introdução
A crescente preocupação da sociedade com o meio ambiente fez com que as legislações de diversos países passassem a adotar normas que visassem a proteção ambiental. A ideia de que o uso dos recursos naturais devem ser utilizados de forma racional acabou por trazer novas normas que limitam o desenvolvimento econômico ao uso sustentável do meio ambiente.
Para orientar a atividade normativa diversos princípios surgiram, tanto em âmbito internacional como em âmbito nacional, para auxiliar na interpretação dos conceitos legislativos.
Entre esses princípios destacasse os princípios da precaução e prevenção. A função da regulação ambiental é evitar que danos ocorram e que haja o uso racional e sustentável por todos na sociedade. Para isso deve se agir de maneira a evitar os danos e ao se realizar qualquer atividade seguir normas técnicas para que não ocorram danos ao meio ambiente. Nesses momentos é que os princípios da prevenção e precaução são importantes. Eles são usados para evitar que danos ao meio ambiente venham a ocorrer.
2.      Princípios da Precaução
Ao se tutelar o meio ambiente cuida-se de algo extremamente importante e sensível. Um dano ambiental pode gerar a morte de milhares, e até milhões, de animais, plantas e até mesmo seres humanos. Assim ao se praticar qualquer atividade que possa impactar o meio ambiente deve se ter extremo cuidado. Esse cuidado deve ser maior quando não há informação sobre o possível risco ou dano a natureza. Nesse ponto o princípio da precaução se faz eficaz.
Quando não há informação técnica sobre o risco de qualquer atividade potencialmente impactante deve se adotar medidas mais restritivas quanto a prática dessa atividade. A suspenção da atividade potencialmente impactante é a consequência do princípio da precaução. Há a suspenção temporária para se buscar informações sobre o possível dano. Assim esse princípio estabelece um maior controle da atividade empreendedora antes mesmo que o dano ocorra.
A maior regulação e controle nas atividades potencialmente impactantes se dão pela complexidade do bem tutelado. Não há informações sobre qual o tamanho e seriedade do dano ambiental e se realmente existe risco, mas devido a grande importância do meio ambiente a cautela quanto a realização da atividade potencialmente impactante faz com que um maior controle em sua realização se justifique. 
Assim o princípio da precaução atua ao frear a atividade potencialmente poluidora até a obtenção de dados técnicos que comprovem a sua periculosidade, ou não, para com o meio ambiente. Uma vez comprovado que tal atividade poderá impactar o meio ambiente o princípio da prevenção se faz eficaz para evitar futuros danos.
3.      Princípios da Prevenção
Ao se constatar que determinada atividade poderá causar o dano “x” caso seja posta em prática, não há mais uma suspeita de um possível dano. Através de estudos técnicos já pode se mensurar o possível dano e suas consequências. Não mais se necessita parar a atividade impactante para descobrir se ela gerará ou não danos ao meio ambiente, pois já é conhecido o seu potencial impactante. Deve-se prosseguir para a aceitação ou não do prosseguimento daquela atividade. Como o impacto já é conhecido, dependendo de suas características e a área que será impactada, será decidido se a atividade poderá prosseguir.
Com isso, caso o dano seja considerado aceitável, ou seja, a atividade poderá ser realizada, pois o impacto ao meio ambiente poderá ser controlado, devem-se ser adotadas medidas para evitar que o dano ocorra.
Assim para a realização de determinada atividade devem ser adotadas uma ou mais medidas de segurança para que o dano ambiental não ocorra. Temos como exemplo os filtros instalados nas chaminés de fábricas para filtrar parte da poluição lançada no ar.
4.      Conclusão
Os princípios da prevenção e da precaução são muito importantes para evitar que danos ambientais ocorram. A grande diferença entre eles é o grau de certeza quanto a ocorrência do dano ambiental. Enquanto a precaução dita a cautela quanto a implantação de determinada atividade, pois não se ter certeza se haverá algum impacto ambiental e nem a sua intensidade a prevenção atua depois de já se ter o conhecimento. Ao se saber qual é o dano e sua intensidade o impacto passa a ser aceitável ou não e caso seja aceitável medidas devem ser tomadas para que ele seja mitigado e/ou compensado ambientalmente.
Assim esses dois princípios ajudam quanto a proteção ambiental fazendo com que o Estado imponha restrições para que determinadas atividade sejam realizadas, visando sempre a proteção ambiental.

Aluno: Tito Sias Maffort Lopes nº 24593 (ERASMUS)

sábado, 26 de abril de 2014

Intervenção do Direito Penal na Protecção do Ambiente



Para além do Direito administrativo, há outras disciplinas que se preocupam com o Ambiente, segundo a sua própria metodologia. O Direito Administrativo não esgota a protecção ambiental. Para além da protecção administrativa, também há a protecção civil, a protecção processual, a penal, europeia, internacional.[1]

No âmbito da protecção penal do Ambiente, só com a reforma penal de 1995, surgiram as primeiras incriminações autónomas destinadas a tutelar o ambiente, através de tutela directa (arts . 278º, 279º e 280º CP) e indirecta ( arts .º 272º e 273º CP). Houve então, com a reforma, a eleição e protecção do bem jurídico ambiente ou a qualidade do ambiente enquanto tal. Esta protecção verifica-se no seio de um processo de neocriminalização como forma de responder aos novos desafios do desenvolvimento tecnológico, fazendo surgir novos e mais elevados riscos.
A doutrina legitima esta protecção penal do ambiente na sua tutela jurídica expressa ao nível constitucional. De facto, o nível constitucional do direito ao ambiente (art66º CRP) legitima que o legislador penal crie crimes contra o ambiente, no fundo, constitui uma legitimidade da incriminação de certas condutas (embora a protecção constitucional do bem-jurídico só por si não atribua essa legitimidade).


Ambiente como bem-jurídico

O reconhecimento da utilidade humana da protecção ao ambiente, como um todo, constitui a principal e primitiva razão pela qual se deu a inclusão do ambiente no catálogo de bens jurídicos. Esta é, segundo o Professor Paulo de Sousa Mendes, a forma mais simples de explicar a integração do meio ambiente no mundo do Direito.[2]
Segundo o Professor Figueiredo Dias, “bem jurídico é a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo reconhecido como socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”.

O ambiente diz respeito a todas as pessoas enquanto habitantes do planeta, de maneira que a protecção do ambiente é simultaneamente uma protecção às nossas condições de vida. No limite, a protecção do ambiente, assegurando o não esgotamento de recursos, assegura a própria subsistência de vida na terra. Da consciência do impacto que o progresso tecnológico tem ao nível ambiental e consequentemente ao nível da qualidade de vida de todos nós, nasce a relevância do ambiente enquanto bem necessitado de tutela normativa, como uma forma mais eficaz para a sua protecção (adopção de medidas jurídicas de protecção). Portanto o ambiente deve ser tutelado pelo Direito, sendo que essa preservação é uma condição da realização da dignidade da pessoa humana.[3]
Essa protecção é, antes de mais, dada a nível constitucional, sendo o ambiente desde logo um bem jurídico-constitucional. Ele aparece enquanto tarefa fundamental do Estado (art.9º als.d) e e) CRP) e enquanto direito fundamental dos cidadãos (art. 66ª CRP), ou seja, constitui um direito individual, um interesse colectivo e um interesse difuso. Esta normatização do ambiente como Direito fundamental formal e materialmente constitucional, além de ser eficaz para a sua protecção[4], deixou a porta aberta para que o bem jurídico-constitucional fosse também um bem jurídico-penal.
Contudo, se é certo que estando em causa um bem jurídico-constitucional poderá haver tutela penal, não é menos certo que, apesar disso, nem todos os bens jurídico-constitucionais reclamam intervenção protectora do Direito Penal. É antes necessário atender ao duplo critério da necessidade e da subsidiariedade da intervenção do Direito penal (concretizadores do princípio da intervenção mínima). Isto porque não existe imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização[5]

Princípio da Necessidade da pena

O direito penal constitui a última ratio da política social e a sua intervenção é de natureza subsidiária (art.18º/2 CRP). O estado só deve intervir nos direitos e liberdades fundamentais (através da tutela penal) se tal for imprescindível para assegurar os direitos e liberdades fundamentais dos outros ou da comunidade enquanto tal.
O Direito penal só pode intervir naqueles casos em que todos os outros meios de política social se revelem insuficientes ou inadequados para tutelar convenientemente o bem jurídico em causa. É necessário então proceder a juízos de adequação das sanções penais para a prevenção de determinados ilícitos. O que está em causa não é a necessidade de controlo de comportamentos que possam pôr em causa o ambiente, pois ele reputa-se socialmente desejável, mas apenas a questão de saber se esse controlo não deve ser deixado por inteiro à intervenção de meios penais de controlo social, ou seja, se existe carência de tutela penal.


O problema tem de ser visto do ponto de vista prático de maior eficácia na protecção do ambiente, que é o que, em última análise, se pretende. Assim, cabe perguntar se essa protecção será melhor conseguida através do direito de mera ordenação social ou se a insignificante e difícil aplicabilidade das penas dos tipos incriminadores não servirá apenas para descredibilizar a actuação do Estado na tutela penal do ambiente, criando-se um direito penal simbólico, que falha na prossecução dos fins de prevenção geral positiva e negativa e que é utilizado para silenciar os grupos de opinião ambientalistas.[6]

Uma das primeiras críticas apontadas à criminalização de algumas condutas ilícitas no domínio ambiental é a dificuldade de aplicabilidade das penas por parte dos tribunais, ideia de que quase nenhumas penas são aplicadas. Este facto verifica-se, primeiramente, pela dificuldade de provar que o agente praticou uma conduta ilícita e punível e, por outro lado, que o agente actuou com dolo ou negligência[7].
Por outro lado, nos tipos incriminadores a verificação da tipicidade da conduta implica, as mais das vezes, o domínio de conhecimentos científicos especializados, o que pode implicar uma dificuldade de aplicação das cláusulas em que seja necessário esse domínio de conhecimento[8].
Estas duas razões levam a crer que as soluções administrativas e de mera ordenação social poderão ter uma maior eficácia na protecção do ambiente. Primeiramente porque os processos de contra-ordenação se apresentam mais simples e céleres do que os processos judiciais, depois porque o direito de mera ordenação social (e também administrativo) se encontra mais próximo dos processos e progressos tecnológicos, podendo haver entidades que têm especificamente a seu cargo estas matérias contribuindo para uma intervenção mais especializada e mais consequente.


Do lado oposto, cabe perguntar se a protecção do ambiente através do Direito penal, não se traduz numa forma mais energética, por parte do estado, de resposta a adopção de comportamentos delituais no domínio do ambiente. De facto, pode se questionar se não se apresenta como mais dissuasor a criminalização desses comportamentos, na medida em que esta permite uma pena privativa de liberdade ou, no caso das pessoas colectivas, pena de multa ou de dissolução (bem como penas acessórias de interdição de exercício de actividade, proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinas entidades, privação do direito de subsídios, subvenções ou incentivos, encerramento de estabelecimentos e publicidade de decisão condenatória).
Por outro lado, a sanção pecuniária pode ser vista como um “custo” da actividade económica poluente, repercutindo-se no preço do produto e acabar por penalizar o consumidor final, fazendo com que as sanções administrativas ou outras sanções financeiras não tenham o suficiente poder dissuasor.
Pela importância do ambiente enquanto bem jurídico constitucionalmente consagrado e pela indiscutível necessidade de o preservar, é essencial que haja ao serviço dele um sistema sancionatório de carácter punitivo, que deverá ser, em primeira linha, o do Direito contra-ordenacional[9] [10]
Contudo, este sistema deve estar reservado às lesões que são a concretização de uma mera desobediência, as menos graves, aquelas que não são imediatamente anti-humanas ou apenas remotamente perigosas para os bens jurídicos pessoais.
Nos casos de condutas mais graves de lesão do ambiente já parece ser necessário a criminalização. A tutela penal não pode ultrapassar, legitimamente, a evidente repercussão humana.[11]

A resposta a questão de saber em que medida será necessário a intervenção do Direito penal nesta matéria parece então depender do tipo e da gravidade da conduta em questão. Porque se o ambiente é considerado como bem jurídico, onde a sua defesa corresponde a exigências de realização da dignidade da pessoa humana, faz sentido que só naquelas condutas que são imediatamente anti-humanas se justifique uma resposta mais enérgica por parte do estado, através da criminalização dessas condutas.




                                                                                                                                                          
 Maria Isabel Campos Costa nº 20417










[1] VASCO PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina , 2002, pp.  55 ss. Perspectiva pluridisciplinar do Direito do Ambiente adoptada pelo Professor Vasco Pereira da Silva. O Professor reconhece a importância do Direito do Ambiente no domínio do Direito Administrativo, mas entende que isso não significa ignorar outros domínios e vertentes que são igualmente importantes, adoptando uma visão exclusivista.
[2] Paulo de Sousa Mendes, Vale a pena um Direito penal do ambiente?, p.100
[3] Ideia que decorre da visão antropocêntrica do ambiente. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002, pp 29 ss.
[4] Pois surge como um dever para o Estado de realização de uma política global e concertada do ambiente, podendo ser declarada pelo TC uma inconstitucionalidade por omissão quando o poder legislativo não edite normas necessárias e adequadas à protecção do direito das pessoas ao ambiente, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «DIREITO PENAL DO AMBIENTE – UMA APROXIMAÇÃO AO NOVO DIREITO PORTUGUÊS (O CRIME DE POLUIÇÃO)» in Ambiente e Consumo, Vol.II, Centro de estudos Judiciários.
[5]
[6] PAULO DE SOUSA MENDES pp 32 ss Como explica o Professor Direito Penal simbólico trata-se de um Direito fortemente impregnado de conotações programáticas e ideológicas, mas desprovido de consequências práticas efectivas.
[7] «Agravamento das penas para crimes ambientais não traz mais condenações» in Revista da Ordem dos Advogados, 1 Dez. 2008
[8]  Vide, entre outros, FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, « SENTIDO E LIMITES DA PROTECÇÃO PENAL DO AMBIENTE» in: Direito penal económico e europeu , Vol.pp 17 e ss
[9]   JOSÉ SOUTO DE MOURA, « O crime de Danos Contra a Natureza no Código Penal Português», Agência Portuguesa do Ambiente, Meios de tutela e institutos jurídicos, Crimes ecológicos   
[10] (…) « o modo “normal” de reacção contra delitos ambientais deve ser antes os das reacções sanções administrativas ou contra-ordenações» , VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002, p.281
[11] Neste sentido, v. por todos, MARIA FERNANDA PALMA, « Direito Penal do Ambiente – Uma Primeira Abordagem », in,« Direito do Ambiente», Instituto Nacional de Administração, 1994, pag 438, apud, VASCO PEREIRA DA SILVA , Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente , Almedina 2002 p. 281

terça-feira, 22 de abril de 2014

A Responsabilidade Penal das Pessoas Físicas nos Crimes Ambientais sob o Prisma da Legislação Brasileira

A Responsabilidade Penal das Pessoas Físicas nos Crimes Ambientais sob o Prisma da Legislação Brasileira


1.    Introdução
 Nesta postagem pretende-se, brevemente, expor a importante figura do instituto da Responsabilidade Penal das Pessoas Físicas nos Crimes Ambientais sob a égide da legislação brasileira, fazendo uma rápida interpretação do art. 2º da Lei de Crimes Ambientais.
Analisar-se-à, também, de forma sistemática, tal artigo com o Concurso de Pessoas previsto no art. 29 do Código Penal Brasileiro, com o Princípio Constitucional da Individualização da Pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal do Brasil de 1988 e com a Responsabilização por Omissão, previsto no art. 13, §2º do Código Penal Brasileiro.

2.    Responsabilidade Penal
A responsabilidade (palavra advinda do latim, respondere) penal é o dever jurídico do agente imputável que pratica a conduta delituosa (portanto tipica, antijurídica e culpável) responder pelas sanções previstas na norma ferida.

3.    Responsabilidade Penal das Pessoas Físicas nos Crimes Ambientais
Rege o art. 2º da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9605/98):
Art. 2º: Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. (grifado).
Em relação à primeira parte do artigo, nada de inovação. Há apenas a afirmação de que é possível a criminalização do concurso de pessoas nos crimes ambientais, em conformidade, portanto, com o artigo 29, caput, do Código Penal Brasileiro, que diz:
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade
Interpreta-se daí a aplicação da Teoria Monista ou Teoria Unitária do concurso de pessoas, que, segundo Osmar Lino Farias:
Pela teoria Monista, o crime, ainda que praticado por várias pessoas em colaboração, continua único, indivisível. Assim, todo aquele que concorre para o crime, causa-o na sua totalidade e por ele responde integralmente, de vez que o crime é o resultado da conduta de cada um e de todos indistintamente. Não se distinguindo, portanto, entre as várias categorias de pessoas, autor, partícipe, instigador, cúmplice etc. Todos são considerados autores ou co-autores do crime.”
Ainda, retira-se do “na medida de sua culpabilidade” o princípio constitucional da individualização da pena, positivado através do artigo 5, XLVI, da Constituição Federal Brasileira de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;

Já a segunda parte do art. 2 trás uma importante característica deste tipo penal: a inclusão da responsabilidade por omissão por parte dos diretores, gerentes, prepostos, mandatários e afins que, sabendo da conduta criminosa de outrem, não evitam o crime ambiental, podendo evitá-lo.
Logo, são requisitos fundamentais da responsabilização por omissão, nestes casos, que tais figuras:
a)    Tenham conhecimento sobre a existência do crime e;
b)    Possam agir para evitálo e não o evitam.
Tais requisitos estão previstos no tipo legal para evitar os perigos da responsabilidade penal objetiva, que é a responsabilidade penal mediante inexistência de dolo ou culpa.
Ainda, consequência deste fato é a não admissibilidade de denúncia genérica, conforme posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e demais Tribunais brasileiros.
Por denúncia genérica entende-se, nestes casos, aquela que não tragam consigo descritas, com um mínimo de concretude, como os imputados teriam agido, ou de que forma teriam contribuido para a prática da conduta narrada na peça acusatória, conforme jurisprudência que segue:

HC217229/RS HABEASCORPUS 2011/0205969-1 Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL (ARTIGO 54, § 3º, DA LEI 9.605/1998). INÉPCIA DA DENÚNCIA. MERA CONDIÇÃO DE INTEGRANTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO NEXO CAUSAL. AMPLA DEFESA PREJUDICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 2. A tal peculiaridade deve estar atento o órgão acusatório, pois embora existam precedentes desta própria Corte Superior de Justiça admitindo a chamada denúncia genérica nos delitos de autoria coletiva e nos crimes societários, não lhe é dado eximir-se da responsabilidade de descrever, com um mínimo de concretude, como os imputados teriam agido, ou de que forma teriam contribuído para a prática da conduta narrada na peça acusatória. 5. Ordem concedida para declarar a inépcia da denúncia ofertada contra o paciente, estendendo-se os efeitos desta decisão aos corréus (...).

Portanto,  a segunda parte do artigo segundo criou, portanto, para estas pessoas, o dever jurídico de evitar os crimes ambientais, conforme também previsto no Art. 13, §2º do Código Penal Brasileiro:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. 
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. 

Em suma, a responsabilidade penal de pessoas físicas por crimes ambientais, ao contrário da polêmica responsabilidade penal de pessoas jurídicas, possui sólido aparato legal para punir quem pratica o crime e quem concorre para o mesmo, bem como para responsabilizar penalmente de maneira contundente diretores, prepostos, gerentes e afins que agiram por ação ou por omissão no cometimento do delito.

ALUNO: MATHEUS MARTINS COSTA MOMBACH (ERASMUS BRASIL)
N. DE ALUNO: 24594



 Fonte:
- FARIAS, Osmar Lino. Concurso de pessoa. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=911. Acesso em: 15. 03. 2014.

- MACIEL, Sílvio. Legislação Penal Especial. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/72248411/Legislacao-Penal-Especial-Silvio-Maciel. Acesso em 15. 03. 2014.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Princípio da Prevenção e Princípio da Precaução - alargamento ou autonomização?

O princípio da prevenção é um dos princípios fundamentais com grande relevância no Direito do Ambiente. Tendo em conta a máxima “mais vale prevenir do que remediar”, surge este princípio numa sociedade onde são crescentes e cada vez mais evidentes os factores de risco para a Natureza. Assim, tal como menciona Gomes Canotilho “o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio da prevenção”.
Tem vindo a desenvolver-se uma tendência doutrinária que passa por assimilar o princípio da prevenção à sua acepção mais restrita, o que nos leva à autonomização de um princípio da precaução. Esta será a questão-chave do nosso trabalho, tentando estudar estes princípios individualmente bem como dar uma opinião quanto a esta autonomização.
                                                            
Princípio da Prevenção e Precaução – análise individual

Tendo em conta o facto de os conceitos “prevenir” e “precaver” serem, muitas vezes, considerados sinónimos, uma das questões a ser esclarecidas passa pela necessidade de existir uma duplicação de termos. Para tal, importa em primeiro lugar tratar cada um destes princípios individualmente para assim ficarmos em condições de explorar as suas diferenças.
O princípio da prevenção traduz-se no caso em que, perante uma iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará de forma grave e irreversível bens ambientais, essa actuação deve ser travada.
A nível de direito interno, a nossa Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) aponta para uma orientação preventiva no seu artigo 66º/2 alínea a), quando menciona a necessidade de “prevenir e controlar a poluição…”. Também a alínea d), do mesmo artigo, ao consagrar o princípio da solidariedade intergeracional, indicia uma actividade de controlo preventivo da qualidade dos bens ambientais. Retira-se ainda do artigo 52º/3, alínea a) da CRP uma preocupação idêntica relativamente à preservação do ambiente.
Estudando agora o princípio da precaução, este significa que o ambiente deve ter a seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente. Deste modo, temos um incentivo à antecipação da acção preventiva ainda que não existam certezas sobre a sua necessidade, bem como uma proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Em virtude das diferentes interpretações que já foram dadas a este princípio, é difícil apresentar uma formulação consensual do mesmo. Ideia geral é a de que estamos perante uma medida de prudência face a riscos que padecem de incerteza técnica ou científica.
Uma interpretação mais restrita do princípio da precaução levaria a que todas as actuações com um grau mínimo de possibilidade que pudessem lesar o ambiente tivessem que ser evitadas, salvo havendo uma certeza quase absoluta sobre a sua inocuidade. Assim, estaríamos perante um cenário completamente irrealista, dada as características da sociedade de risco. Com o avançar de toda a tecnologia que adulterou os processos normais de funcionamento dos ecossistemas, tornou-se impossível prevenir todos os danos. Daqui advém a ideia de que o princípio da precaução, na sua versão maximalista, não é operativo.

Alargamento da prevenção ou autonomização da precaução?

A grande questão reside em estudar a diferença entre a prevenção e a precaução. Parece que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva mas, em contrapartida, a prevenção poderá não se traduzir em precaução. Deste modo, podemos dizer que o princípio da precaução tem um sentido preventivo mas, estaremos fora do âmbito do princípio, caso as medidas tomadas o forem perante um risco potencial certo ou comprovado.
Falámos também sobre a irreversibilidade do dano e da sua gravidade quanto ao princípio da precaução: estas são considerações sujeitas à incerteza e por isso, a Administração terá de basear a sua actuação nesta incerteza – o que não acontece no domínio da prevenção. Assim, podemos concluir que o princípio da precaução se prende com a mera possibilidade, sendo o princípio da prevenção aplicado perante uma probabilidade. Para consolidar este ponto, mencionamos a ideia de que a prevenção pressupõe a previsibilidade do perigo, enquanto a precaução visa antecipar o surgimento de um perigo, a fim de o evitar.
A favor desta autonomização do princípio da precaução, diríamos ainda que este princípio se traduz numa prevenção “qualificada agravada” que estaria sempre a favor do ambiente, na ausência de certeza científica, já que proibiria sempre uma actividade cujo efeito ambiental é desconhecido ou legitimado, não sabendo sequer se irá haver lesão ou não.
O professor Vasco Pereira da Silva menciona que é preferível a construção de uma noção ampla de prevenção em vez de se proceder a uma separação entre prevenção e precaução. Para fundamentar esta via, usa razões de natureza linguística, de conteúdo material e de técnica jurídica.
As razões de natureza linguística prendem-se com o facto da distinção entre prevenção e precaução parecer assentar numa identidade vocabular.
Por outro lado, as razões de conteúdo material assentam na opinião de que os critérios de distinção dos dois princípios em questão não são unívocos, muito menos os resultados a que conduz a autonomização do princípio da precaução. Neste campo, o professor refuta alguns critérios de distinção dos princípios como por exemplo o facto dessa distinção se fazer em razão de “perigos”, decorrentes de causas naturais, e a precaução em função de “riscos”, que seriam provocados por acções humanas, visto que nas sociedades (pós-)industrializadas da actualidade, as lesões ambientais são resultado de um concurso de causas em que é impossível distinguir com rigor factos naturais de comportamentos humanos . Quanto a este argumento, o professor dá como exemplo as inundações, na medida em que estas podem ser determinadas ou agravadas por acções dos homens.
Quanto às razões de técnica jurídica, o professor menciona que “o ordenamento português eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional, com todas as consequências jurídicas que isso implica relativamente à actuação dos poderes públicos.” Deste modo, o professor Vasco Pereira da Silva associa a adopão da noção ampla de prevenção à via mais eficaz e adequada para assegurar a melhor tutela disponível dos valores ambientais.

Notícias relacionadas (“A doença das vacas loucas”)

“A BSE é uma doença neurodegenerativa que afecta o gado. Descoberta nos anos 80, pensa-se que tem como agente patogénico uma proteína especial, chamada prião, e que é transmissível ao homem, contagiando-o com uma doença semelhante, uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob. Este tipo de encefalopatia espongiforme caracteriza-se pela degeneração esponjosa do cérebro. O diagnóstico só pode ser confirmado cientificamente após a morte do paciente, com recurso a uma autópsia e a exames ao tecido cerebral.
(…)
Uma rapariga com 16 anos infectada com Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) morreu hoje em Portugal, informou a Direcção-Geral da Saúde, em comunicado. Esta é a segunda vítima no país da “doença das vacas loucas” mas, segundo a DGS, não há registo de mais infectados.
(…)
No comunicado, assinado pelo director-geral Francisco George, a DGS diz também que “relativamente a este caso estão a ser observadas todas as normas nacionais e europeias previstas para estas situações” mas a identidade da vítima não será revelada nem serão dados mais pormenores “de forma a proteger a família enlutada”.”

In Público, 12-02-2009

O professor Vasco Pereira da Silva menciona, a propósito da “doença das vacas loucas” que esta “não pode deixar de estar relacionada com a alteração (brutal e contra-natura) da respectiva dieta alimentar. Daí que, mesmo na ausência de “provas científicas irrefutáveis” (seja lá o que isso for) de que a doença das vacas seja exclusivamente provocada pelas rações, é razoável considerar, em razão das circunstâncias de tempo e lugar em que se verificou o surgimento e a propagação da doença, que existe uma relação causal entre ambas, justificando-se assim que em nome do princípio da prevenção, sejam proibidas as rações animais na alimentação do gado.”

Conclusão

Tendo em conta o estudo feito sobre os princípios da prevenção e da precaução, deverá ser tomada uma posição. Ao longo do trabalho, foram apresentados os diferentes pontos de vista quanto à dualidade de princípios e, por outro lado, quanto ao alargamento do princípio da prevenção.
Considerando toda a pesquisa feita, podemos agora dizer que defendemos uma noção ampla do princípio da prevenção já que se poderá incluir no mesmo tanto lesões ambientais actuais como futuras, perigos naturais e perigos humanos, com a exigibilidade dos critérios adoptados serem de razoabilidade e bom-senso.
Podemos ainda argumentar a favor desta posição o facto de não existirem critérios rigorosos de diferenciação para sabermos quando aplicar o princípio da prevenção ou o princípio da precaução, o que não favorece a autonomização do princípio da precaução.
Por outro lado, perante a sociedade actual em que vivemos, é extremamente difícil fazer a distinção entre causas naturais ou actuações humanas já que, tal como foi acima referido o exemplo sobre as inundações, não sabemos exactamente até que ponto as actuações do Homem provocam e agravam as causas naturais do nosso meio ambiente.
Seja através do alargamento do princípio da prevenção ou através de uma autonomização do princípio da precaução, ambas as posições têm um mesmo objectivo: prevenir os danos ao nosso meio ambiente.

Bibliografia:

·         ANTUNES, L.F. Colaço - “O princípio da precaução: um novo critério jurisprudencial do juiz administrativo”, in “Para um direito administrativo de garantia do cidadão e da administração – tradição e reforma”, Almedina, Coimbra, 2000
·          GOMES, Carla Amado - “A prevenção à prova no direito do Ambiente”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000
·         SILVA, Vasco Pereira – “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Coimbra, 2005
·         ARAGÃO, Alexandra – “Princípio da precaução: manual de instruções”, in Revista do CEDOUA, ano 11, nº2, 2008


Realizado por: Andreia Pontífice Sousa, nº 20818

Progresso sem poluição: não olhar como uma ilusão.

O princípio do poluidor-pagador teve a sua origem no Direito Comunitário com a Recomendação C (72) 128 de 26 de Maio de 1972 intitulada "Princípios Reguladores da Dimensão Económica Internacional das Políticas Ambientais" (1) consagrando-se, posteriormente, a nível comunitário através do Acto Único Europeu, no artigo 174º/2 do Tratado da União Europeia (2) e ainda a nível constitucional no artigo 66º/2/h) da Constituição, cabendo ao Estado a tarefa de "assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida".

Em que consiste este princípio?
O princípio do poluidor-pagador ordena que os sujeitos económicos, enquanto beneficiários de uma actividade económica potencialmente poluente, deverão ser responsáveis fiscalmente para compensação dos prejuízos resultantes do exercício de tal actividade.
Consensual é que a compensação não deverá apenas incidir sobre os prejuízos realmente verificados mas também sobre os custos de reconstituição da situação e as medidas de prevenção necessárias para impedir ou minimizar tais comportamentos.
Observamos, assim, que a finalidade do princípio do poluidor-pagador é não só de reparação e compensação mas, sobretudo, de prevenção e ainda, como salienta o Professor Gomes Canotilho e a Professora Alexandra Aragão, assente na "justiça na retribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente". (3)
O PPP tem sobretudo uma vocação a priori. Aos poluidores serão dadas duas alternativas: ou deixam de poluir ou terão de acarretar o custo económico em favor do Estado, que usará tais verbas para acções de protecção do ambiente. O montante dos pagamentos a impor aos poluidores deverá ser proporcional aos custos de prevenção e precaução independentemente dos danos que cause ao ambiente e da existência ou não de vítimas. Procura-se, assim, que os poluidores optem pela solução económica mais vantajosa, isto é, entre poluir e pagar (ao Estado) para conseguirem manter a produção no mesmo nível e condições ou pagar para não poluir, empenhando-se em processos produtivos; matérias-primas e técnicas menos poluentes.

Quem é “o poluidor”?
De acordo com a recomendação do Conselho 75/436, de 3 de Março, poluidor é aquele que degrada directa ou indirectamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação”.
Ao abrigo do artigo 2º/6 da Directiva e artigo 11º da lei nacional, poluidor é “qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”. Dispensa-se, assim, uma avaliação caso a caso do responsável pelo dano potencial ou efectivo, podendo mesmo ocorrer uma falta de coincidência entre o responsável financeiro e o responsável civil, isto é, quem realmente polui.
Uma questão essencial surge quando a poluição ocorra no decurso e em consequência de um processo produtivo de um bem (5) ou quando for o próprio produto em si que seja poluente (6).
Qual deveria então ser a solução? Será plausível exigir-se a um agricultor que deixe de utilizar pesticidas e adubos químicos, correndo o risco de diminuição das suas colheitas para que assim se preserve os solos? Será justo impor-se a um automobilista que se desloque mais vezes a pé ou de bicicleta para que haja uma diminuição da poluição ou até exigir aos construtores de automóveis que construam viaturas menos poluentes?
Outra questão que importa ter em consideração reside nos casos de pluralidade de poluidores (poluição cumulativa e cadeia de poluidores), cabendo, através do critério de eficiência económica e adminsitrativa da imputação de custos, assim como da capacidade de internalização dos custos pelos visados a imputação dos custos ao produtor.
A Professora Alexandra Aragão defende uma posição que vai ao encontro da minha, sendo o “poluidor-que-deve-pagar aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo portanto preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram” e devendo, assim, ser utilizado um nexo de causalidade adequada entre a acção e a poluição. Note-se que este critério terá sempre em consideração a função essencialmente preventiva do PPP mas procurando que o legislador tenha uma prova de verosimilhança e probabilidade séria da causalidade que torne, o mais próximo possível, os pagamentos às necessidades de prevenção e controlo dos danos ambientais.
Quem deverá pagar é o produtor, na medida em que é quem controla as condições que estão na origem do dano, quem lucra com a produção de um bem no qual a sua utilização e consumo será prejudicial para a sociedade e, como tal, deverá suportar esses custos.
Posto isto, em casos de concausalidade ou poluição cumulativa, a poluição é ocasionada por uma actividade semelhante e contemporânea realizada por diversos sujeitos (consumidores ou poluidores) e todos deverão pagar proporcionalmente à sua conduta porque todos contribuiram com ela para a poluição. O artigo 4º do RJRDA prevê estes casos de “responsabilidade colectiva”, casos de comparticipação nos quais é difícil saber qual o verdadeiro responsável. A título de exemplo pode destacar-se o casos de indústrias que revelem perigosidade na sua actividade, devendo todas elas responder solidariamente pelos danos causados quer exista ou não culpa de alguma ou algumas e tendo, posteriormente, direito de regresso que já será avaliado com base numa responsabilidade subjectiva.

O que deve pagar o poluidor?
Entre prevenção e reparação vigora uma regra de subsidariedade: apenas após a tomada de medidas de prevenção impossíveis ou insuficientes se deverão tomar medidas de reparação.
Ainda dentro da prevenção, existem dois níveis diferentes: a prevenção primária, assente na adopção de medidas destinadas a evitar a ocorrência do dano e a prevenção secundária, assente na adopção de medidas destinadas a não agravar um dano entretanto verificado.
O poluidor deverá pagar não só os custos directos (medidas de prevenção e precaução da poluição) como também os custos indirectos (custos administrativos inerentes ao desenvolvimento de qualquer política do ambiente e às despesas públicas admissíveis de protecção do ambiente). Contudo, o poluidor não paga os custos necessários para evitar ou reparar todos e quaisquer danos causados ao ambiente mas somente as três categorias seleccionadas pelo legislador: danos às espécies e habitats naturais protegidos; danos à água e danos ao solo (não abrangendo os danos ao ar; clima; subsolo; paisagem; biodiversidade e espécies não protegidas).
Para além das categorias não abrangidas pelo legislador, ficam também de fora da recuperação dos custos das intervenções públicas de protecção ambiental os danos, directa ou indirectamente, causados por terceiros e os danos resultantes de actividades legais e aparentemente seguras, desde que o operador-poluidor tenha actuado com zelo; diligência e boa-fé.

O que acontece se a aplicação do PPP correr bem?
Se o valor suportado pelos poluidores for proporcional às medidas de reparação necessárias, conseguir-se-á não só a tão desejada redução de poluição como também a criação de um fundo que visa o combate da poluição acidental e residual; o auxílio das vítimas da poluição e ainda custear despesas públicas de administração; planeamento e execução da política de protecção do ambiente, para além de que com a criação destes fundos consegue-se fazer com que os contribuintes não tenham de custear, através de impostos, as medidas legislativas ou administrativas tomadas pelos poderes públicos para protecção do ambiente.
Esta política de criação de fundos para fazer face às necessidades de prevenção e recuperação do ambiente denomina-se “Política de reciclagem de fundos”/”Equilíbrio do orçamento ambiental”. O PPP desempenha assim a sua função de “internalização das externalidades ambientais negativas” (4), consciencializando os poluidores dos prejuízos causados à sociedade devido à sua actividade e procurando que estes alterem a sua conduta em vista a torná-la menos nociva.

Mas... o que acontece se a aplicação não correr bem?
Se a poluição for a mais e os fundos alcançados a menos, o legislador deverá aumentar o montante a suportar pelo poluidor em vista a que este último adopte comportamentos ambientalmente desejáveis. Este facto encontra-se relacionado com a vocação a priori do princípio, prevendo o futuro antes e independentemente da existência ou não de danos.

O que distingue o princípio do poluidor-pagador da responsabilidade civil?
A Lei de Bases do Ambiente, no seu artigo 3º/d) consagra o princípio do poluidor pagador como princípio de responsabilização.
Cumpre, desde já, referir que o PPP não se confunde com o instituto da responsabilidade civil, ou seja, embora se relacionem entre si na medida em que este instituto confere solidez, aplicabilidade e eficiência ao princípio em estudo, eles não se confundem. Princípio e instituto eram confundidos pelo facto do primeiro requerer uma indemnização por danos causados ao ambiente pelo poluidor na decorrência da sua conduta, fazendo-se associar ao outro. O que sucede é que após a ocorrência do dano, será necessário proceder à sua reparação, tarefa a cargo/da responsabilidade do poluente.
A reparação do dano ecológico, isto é, respeitante e do interesse de toda a comunidade é o pressuposto base para a verificação de responsabilidade civil, procurando-se em primeira linha a restauração in natura do bem lesado e, só posteriormente, a indemnização pecuniária.

E em que tipo de responsabilidade assenta este princípio?
A responsabilidade subjectiva, assente na culpa, mostra-se inadequada para fazer face aos danos ecológicos, na medida em que assenta em direitos e interesses individuais e os danos ecológicos são não individuais mas sim difusos.
A responsabilidade objectiva ou teoria do risco apresenta-se, assim, como a adequada a fazer face à incerteza e impessoalidade que caracterizam um dano ecológico.
O objectivo é responsabilizar as condutas dos detentores de actividades potencialmente poluentes, tendo como consequência o dever de indemnizar, ainda que tais condutas sejam consideradas lícitas, isto é, autorizadas pela autoridade competente e respeitando todos os requisitos previstos para o exercício dessa actividade.
A doutrina mioritária, a Directiva e o RJRDA adoptam a teoria do risco parcial como a mais justa, baseada na teoria da causalidade adequada entre facto e dano, procurando as acções mais adequadas a produzirem determinado dano. O nexo de causalidade, previsto no artigo 5º do RJRDA guia-se, assim, por critérios de probabilidade e na convicção do facto ser apto a produzir o dano ou a causar o risco.
A responsabilidade objectiva encontra-se regulada nos artigos 7º e 12º do RJRDA e a responsabilidade subjectiva nos artigos 8º e 13º RJRDA.
O artigo 12º RJRDA, no seu anexo III, delimita a responsabilidade objectiva a um conjunto de actividades perigosas adequadas a produzir o dano (as que não se encontrem aí mencionadas não serão alvo de responsabilidade objectiva). Contudo, o artigo 20º/3 do RJRDA afasta a responsabilidade do operador nos casos em que os danos ou riscos decorram do normal funcionamento da instalação.
Neste contexto, o objectivo da responsabilidade objectiva, independente de culpa, é que os detentores de actividades potencialmente perigosas a produzir certo dano comportem todos os custos de reparação que daí decorra e não apenas de um mau funcionamento. Se determinado dano ocorre devido a certa actividade, esta deverá ser responsabilizada.
Observamos, assim, que estamos diante de uma responsabilidade objectiva assente na teoria do risco parcial que visa a aplicação do PPP através de uma responsabilidade objectiva pelo dano ecológico, podendo mesmo recair também sobre uma responsabilidade subjectiva e dependente de culpa para as acticidades não presentes no Anexo III.

Quem tem legitimidade para requerer a responsabilidade?
Devido ao seu carácter difuso de um dano ecológico, o artigo 52º/3 e o artigo 66º CRP conferem o direito a qualquer cidadão ou até mesmo ao Estado requerer a responsabilidade por danos ecológicos.
O artigo 52º/3 CRP confere, assim, a qualquer cidadão a possibilidade de através da acção popular defender e zelar pelos bens naturais, independentemente do seu interesse e procurando que os mesmos sejam preservados pela comunidade em geral. O autor popular age no interesse da colectividade e não no seu interesse directo e pessoal.
A CRP pretende não só a protecção dos interesses individuais como também dos gerais. Com o PPP, o poluidor que cause danos ao ambiente deverá ser responsabilizado e a sua indemnização deverá debruçar-se não sobre o dano individual mas sim sobre a reconstrução do dano ecológico.
No âmbito da acção popular surgem alguns problemas a ter em conta, como o facto de a Lei de Acção Popular ser um pouca vaga. A presente lei, embora apontando para uma defesa de interesses difusos por autores desinteressados, é vaga quanto à responsabilidade e contrária ao artigo 52º/3 CRP, para além de não fazer referência aos critérios de reparação do dano ecológico nem esclarecer o modo de funcionamento das indemnizações pecuniárias que deverão ocorrer quando a restituição natural não seja possível. Observamos, assim, que regula uma tutela colectiva de interesses individuais homogéneos visando sim um dano ambiental (dano a bens e pessoas mas que ocorrem por via de elementos ambientais, não havendo uma lesão do bem ambiental mas sim do homem por via ambiental) e não um dano ecológico (dano/lesão de um bem ambiental; lesão à natureza), dificultando a aplicação do PPP na acção popular.
No tocante à legitimidade do Estado para exigir uma indemnização por dano ecológico, o artigo 9º/e) CRP e o artigo 2º/2 da LBA salientam o papel do Estado na protecção, defesa e preservação do ambiente, assumindo este uma responsabilidade pública, devendo este actuar sempre que o lesante não o faça, obtendo posteriormente sobre o lesante direito de regresso dos custos das medidas de reparação necessárias. Tais quantias destinar-se-ão ao Fundo de Intervenção Ambiental e não a uma indemnização compensatória individual.
Conclusões
                Feito este breve estudo sobre o princípio do poluidor-pagador, cumpre reflectir um pouco sobre o mesmo.
O objectivo deste princípio em matéria ambiental é evitar que determinado dano ecológico fique sem reparação, devendo o mesmo repercutir-se na esfera jurídica do poluidor. Não se pode afirmar que haja um “direito a poluir” nem que se pode poluir “desde que se pague”, mas sim que mediante uma frustração na prevenção ou precaução do dano, o mesmo deverá ser reparado e deverá ser o próprio poluidor que o causou a garantir que tal reparação exista.
Esta reparação deverá ter sempre em vista uma reparação natural/uma restituição ao status quo ante ao dano sofrido, isto é, aquele que deveria existir e que melhor alcançaria um equilíbrio ecológico e, só posteiormente se tal restituição natural não for possível, deverá existir uma indemnização sob a forma de restauração ecológica ou compensação ecológica. A restauração ecológica visa uma restauração in natura, ao passo que a compensação ecológica será utilizada secundariamente e em caso de impossibilidade de restauração, fazendo uma substituição dos bens naturais lesados por outros idênticos mas equivalentes.
Como salienta a Professora Heloísa Oliveira, existe uma preferência pela restauração ecológica, devido à dificuldade na elaboração de juízos de prognose referentes a nexos causais naturais que procurem assegurar uma total funcionalidade recuperada pela compensação ecológica. Contudo, esta compensação não é uma verdadeira forma de reparação do dano ecológico, na medida em que é insusceptível de ter qualquer efeito na funcionalidade perdida e na medida em que o dano ecológico não é susceptível de um juízo de natureza económica ou avaliação pecuniária pelo facto de se tratar de uma lesão de uma utilidade inapropriável das coisas.
Em jeito de conclusão, o Professor Vasco Pereira da Silva não poderia apontar melhor exemplo como o do preço dos combustíveis. Uma situação com a qual os cidadãos lidam diariamente e que demonstra bem a incogruência da política nacional com o PPP, não penalizando os combustíveis mais poluentes e não incentivando os cidadãos a consumirem combustíveis mais “amigos do ambiente”.
Torna-se então desejável que a Administração Pública e o legislador procurem ter mais em consideração o princípio do poluidor-pagador nas suas actuações e que não sejam incroguentes ao permitir e “fechar os olhos” a situações como esta, para que se verifique uma efectiva ponderação da vertente ecológica nas escolhas dos sujeitos económicos.

(1) na qual se previa que o "poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas de controlo da poluição decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o meio-ambiente se mantenha num estado aceitável"
(2) prevendo que "a política da Comunidade no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador".
(3) José Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p.51
Alexandra Aragão, O Príncipio do poluidor pagador - pedra angular de política comunitária do ambiente, p.109 e ss, referindo que a "a doutrina se dedicou expressamente ao estudo do PPP é pacífica em considerar que o fim último deste princípio é a prevenção da poluição futura e não a reparação de danos passados".
(4) Actividades geradoras de externalidades negativas são aquelas que impõem custos a terceiros independentemente da vontade destes e de quem desenvolve essas actividades. A título de exemplo: danos causados aos moradores vizinhos pela poluição atmosférica proveniente de uma fábrica de pasta de papel.
(5) Como salienta a Professora da Faculdade de Direito de Coimbra, Alexandra Aragão, a título de exemplo o caso do funcionamento das centrais térmicas provocarem emissões de SO2 embora o produto final, a electricidade, seja “limpo” – o poluidor seria o produtor.
(6) Como é o caso da fabricação de automóveis que, embora seja relativamente inofensiva, o seu produto, o próprio automóvel mostra-se como a principal causa de poluição atmosférica nos centros urbanos – o poluidor seria o consumidor.

Bibliografia:
-          Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito”, pág. 74 a 76, Almedina, 2002;
-          Maria Alexandra Aragão, “O princípio do poluidor-pagador”, in “Studia Iuridica – Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, pág 132 a 153, Coimbra Editora, Coimbra, 1997;
-          José Gomes Canotilho, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998, pág.41 e ss;
-          Carla Amado Gomes, “A prevenção à prova no Direito do Ambiente”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000;
-          Heloísa Oliveira, “A reparação do dano ecológico”, pág. 54 e ss;
-          Teresa Margarida Pereira Nobre Fernandes, “Princípio do Poluidor-Pagador”, pág. 4 a 27;
-          Temas de Direito do Ambiente, Cadernos de Direito, nº6, 2011, pág.137