quinta-feira, 15 de maio de 2014

A duplicidade do regime do Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais

Cumpre aqui analisar o regime jurídico a responsabilidade por danos ambientais, mais concretamente, a ambivalência do seu regime e algumas das principais características do mesmo.

O Regime Jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais (RJRDA) é actualmente regulado nos termos do DL n.º 157/2008, de 29 de Julho. Este regime da responsabilidade surge no âmbito de uma Directiva Comunitária, Directiva n.º 2004/35/CE.
É de salientar que o RJRDA não tem um conteúdo totalmente coincidente com o da Directiva, devido a diferentes perspectivas do nosso legislador. O RJRDA vai numa direcção mais ampla, abrangendo não apenas a prevenção e reparação de danos ecológicos puros mas todo o tipo de danos que os particulares possam efectivamente vir a sofrer, permitindo-lhe exercer o seu direito a uma indemnização.
Estamos assim perante dois tipos de responsabilidade, uma civil liga a uma visão mais clássica da nossa doutrina e uma responsabilidade administrativa. Contudo, o que se trata nesta última é de responsabilidade civil que é moldada por normas administrativas.
A primeira aproxima-se da responsabilidade civil do nosso Código Civil, em concreto artigo 483.º e seguintes. Existem dois sujeitos, o autor da lesão e o lesado, sendo que o primeiro tem de reparar o dano ao segundo, na medida da sua responsabilidade.
A responsabilidade administrativa a que é feita referência comporta uma outra dimensão. Na medida em que outrem (o operador), que não é efectivamente responsável pelos danos causados, esteja obrigado, nos termos do Capitulo III, a prevenir e a reparar esses danos.
A Directiva tem como finalidade de reparação dos danos causados à natureza (danos ecológicos puros), sendo que o RJRDA tem outro, o de permitir a que sejam reparados danos patrimoniais pessoais, que ocorrerem por meio de uma lesão do ambiente. Para efeitos da Directiva o dano ambiental comporta três dimensões: i) os danos à biodiversidade; ii) os danos à água; e iii) os danos ao solo. Não se encontram directamente abrangidos os danos ao ar ou à atmosfera, mas apenas e só quando os mesmos causem danos aos bens ambientais anteriormente expressos.
O RJRDA comporta dois tipos de responsabilidade. O capítulo III (artigo 11.º e seguintes) vem aplicar o regime da Directiva, tendo em vista a protecção da natureza. O capítulo II (artigo 7.º e seguintes) diz respeito à ressarciblidade dos danos pessoais, sendo que aqui entramos no âmbito de uma verdadeira responsabilidade civil tradicional, que abrange todos os danos de que a pessoa seja alvo por via de uma lesão ao ambiente. Contudo, temos sempre de atender à possibilidade de o próprio lesado ter concorrido para a produção ou agravamento do dano, o que leva a que a responsabilidade seja reduzida ou diminuída (artigo 9.º RJRDA).
A Directiva, e consequentemente o capitulo III do RJRDA, tem subjacente uma lógica preventiva, devendo dar-se preferência à prevenção em vez da reparação, uma vez que esta última pressupõe a existência de um dano ambiental, por mais pequeno que seja. O regime tradicional de responsabilidade civil não tem efectivamente uma ideia de prevenção, a não ser num sentido dissuasor da prática de determinado facto, passível de causar danos.
Nos termos do capítulo III do RJRDA e da Directiva a reparação deverá ir no sentido de recolocar os recursos naturais no seu estado primitivo, como se nunca tivessem sofrido algum tipo de lesão (estaríamos no âmbito da reparação primária, ao qual o Anexo V, no seu ponto 1.2, do RJRDA faz referencia, bem como a Directiva no seu Anexo II).
 É patente que o que se pretende é uma reparação in natura e não uma reparação de âmbito pecuniário, uma vez que o próprio regime determina que não existe direito a indemnizações. O objectivo fundamental é proteger e preservar o máximo possível os ecossistemas que nos rodeiam tentando coloca-los, em caso de lesão, na exacta situação antes de a mesma ter ocorrido.
Este é um regime de responsabilidade civil algo particular, uma vez que o objectivo é que o operador, no exercício das suas actividades tenha sempre em atenção quais as consequências que poderão advir da sua actividade, devendo por isso tomar medidas de prevenção para que não se verifiquem danos ambientais (artigo 14.º, do RJRDA) e reparar possíveis danos que, infelizmente, possam ocorrer (artigo 15.º, do RJRDA). Estamos perante uma responsabilidade de âmbito preferencial preventivo.
Nos termos do capítulo II, do RJRDA, a situação é distinta. O que se trata aqui é de uma verdadeira responsabilidade civil, onde o fim último é a compensação de uma pessoa pelos danos que possam ter ocorrido na sua esfera jurídica, pessoal ou patrimonial. Portanto, é aqui se admite a indemnização dos danos causados a terceiros com base numa lesão ao ambiente. A indemnização é, pelo menos tendencialmente, pecuniária. Todavia, tal pode ser realizada de outra forma desde que no fim se atinja a satisfação do lesado, cobrindo efectivamente o prejuízo causado.
Ou seja, no âmbito deste Capitulo não consideramos o Anexo V do RJRDA, uma vez que este apenas diz respeito à reparação dos danos ambientais e que exclui as compensações por danos pessoais. Aqui temos, sem dúvida alguma, uma responsabilidade preferencialmente ressarcitória.
Temos um ponto coincidente nestes regimes, que reside na existência de modelos de responsabilidade que variam consoante a actuação do agente. Estamos a falar natureza subjectiva e objectiva.
A subjectiva está relacionada com uma actuação dolosa ou negligente de um sujeito, ao passo que na objectiva, independentemente da sua actuação o agente irá responder por aqueles danos, mesmo que tenha cumprido todas as regras de prevenção. O que aqui se deixa transparecer é a importância dada ao tipo de actividade que está a ser praticada, neste caso uma actividade perigosa que só pelo simples facto de estar a ser exercida comporta um elevado risco de causar danos, devendo por isso o seu operador suportar todos os custos daí advenientes, reparando o dano.
A responsabilidade objectiva está patente nos artigos 7.º (capitulo II) e 12.º (capitulo III), do RJRDA, sendo uma responsabilidade onde o elemento – a culpa – é dispensado. Para aferirmos este tipo de responsabilidade temos de atender ao Anexo III, do RJRDA, que determina quais são os tipos de actividades que são vistas como práticas perigosas, na qual o operador fica imediatamente abrangido por este tipo de responsabilidade. Estes operadores têm uma responsabilidade de larga escala, uma vez que estes terão de tomar todas as diligências necessárias para prevenir danos e efectuar qualquer tipo de reparação possível face a esses danos.
Por oposição, a responsabilidade de tipo subjectivo já tem em consideração o elemento – a culpa. Está patente nos artigos 8.ºe 13.º, do RJRDA. Esta responsabilidade vai abranger todos aqueles operadores que realizam uma actividade não constante do Anexo III e, portanto, uma actividade não perigosa, face ao determinado neste Regime. Para a determinação da sua responsabilidade já vamos atender à sua conduta, nomeadamente se actuou de forma negligente ou mesmo dolosa. Esta abrange qualquer tipo de danos ecológicos puros, por oposição àquilo que fora determinado pela Directiva, que apenas abrange os danos à biodiversidade.

Bibliografia:

Antunes, T. (2014). Pelos caminhos jurídicos do ambiente - verdes textos I. AAFDL.
Gomes, C. A. (2009). A responsabilidade civil por dano ecológico : reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto lei nº 147/2008 de 29 de Julho . O Direito, pp. 127-161.


Margarida de Lemos Palmeiro, aluna n.º 20779

1 comentário: