Introdução
Neste segundo post,
trago-vos um tema que me é muito querido proveniente do mundo civilista: o
instituto da responsabilidade civil. Tendo em conta que a nossa disciplina
jurídica se reporta, em concreto, ao ambiente, não poderíamos deixar de empreender
uma tentativa de compatibilização deste mesmo instituto com o mesmo. Como tal
iremos analisar o instituto da responsabilidade civil ambiental, nomeadamente a
responsabilidade civil por danos ecológicos, reportando-nos maioritariamente à
reparação do dano através da restauração natural.
Dividimos este nosso
comentário em sete tópicos principais, a saber: começámos por diferenciar o
dano ambiental do dano ecológico, explicando em que consiste um e outro. Após
esta distinção, tentámos sumariar as várias formas de reparação do dano
ecológico, nomeadamente a reparação in natura e a suas modalidades (restauração
ecológica e compensação ecológica) e fizemos uma breve referência à compensação
indemnizatória. Por último, procedemos a uma breve análise do regime da
responsabilidade civil por danos ecológicos no seio do regime jurídico da
responsabilidade civil por danos ambientais, constante do Decreto-lei 147/2008,
de 29 de Julho.
O Dano
Ambiental e o Dano Ecológico
Antes de mais,
parece-nos da maior importância começar por distinguir os conceitos de dano
ambiental (também designado na Doutrina por dano tradicional) e o dano
ecológico. Segundo o Professor Gomes Canotilho, entende-se por danos ambientais
os danos provocados a bens jurídicos concretos através de emissões particulares
ou através de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes
emissoras. Já a Dra. Heloísa Oliveira define os danos ambientais como aqueles
que são provocados a pessoas e bens por força de danos a recursos naturais.
Quanto aos danos ecológicos, a Professora Carla Amado Gomes refere que são os
danos causados à integridade de um bem ambiental natural. A Dra. Heloísa
Oliveira define os mesmos como uma lesão causada a um recurso natural,
susceptível de causar uma afectação significativa do equilíbrio do bem jurídico
ambiente, isto é do património natural, enquanto conjunto dos recursos bióticos
e abióticos, e a sua interacção. Por último, o Professor Gomes Canotilho
proclama que os danos ecológicos são as lesões intensas causadas ao sistema
ecológico natural sem que tenham sido violados direitos individuais.
Estando definido o dano
ecológico (dano causado à integridade de um bem ambiental natural, adoptando a
acepção da Professora Carla Amado Gomes), passemos agora a explicar as duas
formas de reparação (ou indemnização em sentido amplo) existentes:
1. Reparação
in natura
2. Indemnização
em dinheiro
Formas
de Reparação do Dano Ecológico:
1 - A Reparação in
Natura e as suas Modalidades
Quanto à reparação in
natura/restituição natural (ou o mesmo é dizer “restitutio in integrum”, na
formula latina) podemos afirmar que esta consiste no restabelecimento do
ambiente ao seu estado primitivo, recuperando os bens lesados na íntegra,
sempre que o mesmo seja possível, ou seja, a restituição natural tem como
finalidade a reconstituição fáctica da situação actual hipotética. Não se trata
de reconstituir a situação tal como esta existia anteriormente à prática do
facto. O lesante tem sim a obrigatoriedade de reposição da situação como se não
tivesse havido lesão, o que em termos práticos pode levar a resultados
diferentes. Vejamos o seguinte exemplo: imaginemos um caso em que o facto
lesivo e o consequente dano a uma espécie vegetal protegida se dão no ano de
2012, sendo que a sua reparação só tem lugar em 2014. Caso adoptemos a posição
da reposição da situação actual hipotética, esta levaria a que se tivesse de
reconstituir a situação em que a espécie estaria em 2014 caso não tivesse
ocorrido o facto lesivo, tendo sempre que ser tido em conta a degradação a que,
por factores exteriores, a espécie estava sujeita. Por outro lado e, caso
adoptemos a posição em que a reparação natural correspondesse à reposição da
situação anterior à prática do facto lesivo, o lesante estaria obrigado a
reconstituir a situação de 2012. In casu, a segunda solução poderia ser
ambientalmente mais favorável e aquela que deveria ser adoptada, isto, se a
evolução do estado da espécie vegetal protegida implicasse elevada complexidade
e imprevisibilidade, por hipótese.
Dentro da modalidade da
reparação in natura temos duas formas de restauração, tendo em consideração a
distinção entre o elemento natural em concreto afectado e a sua função
ecológica (traduzindo-se esta na interacção e interdependência dos
ecossistemas) a saber:
1.
Restauração ecológica
2.
Compensação ecológica
A Restauração Ecológica
e a Compensação Ecológica
Em relação à
restauração ecológica, esta consiste na recuperação do elemento natural que em
concreto foi afectado. A reintegração dos bens ambientais lesados é fundamental
e prioritária, pelo que se deverá ter em conta a sua capacidade
autorregenerativa, o factor temporal da mesma e, prioritariamente, o local
afectado. Já a compensação consiste na criação, expansão ou de alguma forma no
aumento da capacidade funcional de outros elementos naturais. É de frisar que
só no caso da restauração natural se demonstrar impossível, é que se deverá recorrer
a esta outra forma de reparação, a compensação. A compensação ecológica pode
ser feita através da substituição dos bens lesados por outros similares, de
preferência dentro do perímetro afectado, ou em área confinante, de modo a
beneficiar o ambiente e a comunidade atingida pelo dano. Procura-se a
aproximação do “status quo ante”, que no fundo, não é mais do que adaptar uma
nova realidade à situação que era tida como ideal. Em suma, o recurso à
compensação requer que estejam preenchidos dois requisitos:
1. O
dano ambiental seja irreparável
2. O
património natural deverá permanecer inalterado, quer qualitativamente quer
quantitativamente, ou seja, as medidas de compensação terão que se harmonizar
com o bem degradado
A viabilização, desta
forma de reparação, só é possível mediante um elevado estudo técnico e
científico, do conhecimento exacto do estado inicial do meio ambiente
danificado, conseguida através de uma pesquisa profunda realizada antes do dano
se ter verificado. Indispensável é, também, dispor de critérios capazes de
determinar o grau de recomposição do património natural degradado, assim como, efectuar
uma previsão segura que possa prever os efeitos nefastos num tempo futuro num
paralelismo com a capacidade de regeneração ambiental (é preciso que a água
tenha as mesmas qualidades iniciais, que os animais voltem a reabitar a área
danificada, o equilíbrio ecológico se restabeleça).
A recomposição do bem
lesado, dada a natureza dos bens ambientais, é de difícil implementação, quando
não, de todo impossível. Como tal, muitas vezes há que ponderar se a obrigação
do “não fazer” não é a solução mais adequada, se estiver em causa uma reparação
ambiental que sacrifica mais do que repara, como por exemplo, a necessidade de
retirar areia do leito de rios, o corte de árvores, a retirada de animais
considerados espécies raras que não vão subsistir noutro habitat. As medidas a
tomar deverão ser ponderadas de forma a não serem criados bens naturais
fragilizados, com os consequentes ecossistemas desequilibrados, insuficientes,
ficando a longo prazo impossibilitados de garantirem a capacidade funcional
inata e espectável. Os bens naturais afectados só estarão numa relação de
equivalência com os recompostos, quando as suas funções ecológicas se
restabelecem de forma auto-sustentada. Esta ponderação de valores é suportada
pelo princípio da proporcionalidade. Este principio pode ser reduzido a três
subprincípios: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito. Relativamente ao último subprincípio referido – proporcionalidade em
sentido estrito, este deve ser visto como um limite à aplicação de uma medida,
e não como um critério para a escolha da medida de reparação a aplicar.
Na grande maioria dos
casos, o direito à reparação atende aos benefícios que se possam obter, sendo
que se estes se demonstrarem pouco significativos em termos ambientais, ou os
custos de implementação se revelem excessivamente altos, conclui-se pela
irreversibilidade do dano.
Contudo, o principal objectivo
é a conservação do meio ambiente, procurando dar-lhe total segurança jurídica,
na medida em que o poluidor é obrigado a assumir todo o risco respeitante à sua
actividade de produção, bem como todos os ónus que lhes estão inerentes,
incutindo-lhe um sentimento de dissuasão em provocar danos irremediáveis no
sistema ambiental.
2 – A
Compensação Indemnizatória
Quanto à segunda forma
de reparação do dano ecológico (indemnização em dinheiro), apraz-nos referir
apenas (porque, tal como dissemos no inicio do comentário, não nos vamos
debruçar sobre esta forma de reparação, cingindo-nos apenas à restituição
natural) que esta só deve ter lugar quando não seja possível a adopção de um
dos dois modos de restauração natural (restauração ecológica ou compensação
ecológica), podendo então ser classificada de subsidiária relativamente aos
modos de restauração natural.
A
Responsabilidade por Dano Ecológico no Regime Jurídico da Responsabilidade
Civil por Danos Ambientais – Decreto-lei nº147/2008, de 29 de Julho
Tendo sido o objecto
deste trabalho limitado à responsabilidade por dano ecológico, no Regime
Jurídico da Responsabilidade Civil por Danos Ambientais (Decreto-lei nº147/2008,
de 29 de Julho – RJRCDA) este encontra-se regulado no Capítulo III denominado
“Responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais”.
No entendimento da Professora Carla Amado Gomes, o título do Capítulo III
encontra-se totalmente desconexo com a totalidade do RJRCDA, senão vejamos:
logo no art. 2º nº1, o RJRCDA começa por explicitar que o regime da
responsabilidade por dano ecológico aplica-se a “uma qualquer actividade
desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, independentemente do seu
carácter público ou privado, lucrativo ou não”. Como tal, se não importa o
carácter público ou privado da actividade para que a o RJRCDA se aplique, não
se entende o porquê da adopção desta denominação, visto que se com esta se
quisesse excluir a aplicação do RJRCDA às entidades privadas, este
esvaziar-se-ia parcialmente. Nem tão pouco se deve considerar o RJRCDA como um
substituto do regime jurídico que estabelece a responsabilidade civil
extracontratual do Estado e demais entidades públicas, no domínio dos danos
ecológicos, visto que neste existem normas e modalidades de imputação
especificas em relação às entidades públicas.
Não querendo escrutinar
por completo o regime constante do RJRCDA, faremos apenas uma análise global
das suas disposições. Como tal, podemos desde já precisar que do RJRCDA emergem
três tipos de reparação:
1. Reparação
Primária (Reconstituição):
·
É devolvido ao ambiente o seu estado
precedente à ocorrência do dano ou a equivalente;
2. Reparação
Complementar:
·
Opera sempre que a reparação primária
não tenha resultado totalmente, ou seja, os recursos naturais e ou serviços
danificados não puderem ser restituídos ao estado inicial. Nesta situação
procura-se garantir similarmente o nível de recursos naturais e serviços, num
local alternativo, observando que este esteja geograficamente relacionado com o
danificado e os interesses da população lesada;
3. Reparação
Compensatória:
·
Não significa uma compensação monetária
ao público, mas sim, uma compensação transitória de perdas resultantes pelos
recursos naturais e serviços danificados não realizarem as suas funções
ecológicas, até a reparação primária ser totalmente atingida
Como
tal, as obrigações que têm de ser tidas em conta pelo operador resumem-se a
três máximas:
1. Prevenir
– como primeiro passo;
2. Reparar
– de forma célere e eficaz;
3. Comunicar
– à autoridade competente, sempre que exista uma ameaça iminente ou um dano
ambiental, que o mesmo possa provocar no âmbito da sua actividade ocupacional
Quanto à última máxima
(dever de comunicação), esta advém dos artos. 14º nº 4 e 15º nº1 al.
a). A autoridade com competência para poder actuar, nestes casos, com a
finalidade de certificar que o operador adopta as medidas de prevenção e
reparação necessárias, de forma a conter, controlar, eliminar ou orientar os
factores contaminadores e danosos para o ambiente, é a APA – Agência Portuguesa
do Ambiente. Esta tem por missão apresentar, incrementar e acompanhar a
execução das políticas relativas ao ambiente, e desenvolvimento sustentável.
Assim, o art 14º dispõe que o operador tem por dever adoptar as medidas de
prevenção necessárias e adequadas aquando de ameaça iminente de danos
ambientais, ou em caso de dano causado pelo exercício da sua actividade
ocupacional, as que previnam a ocorrência de novas lesões, independentemente da
sua, ou não, obrigação de reparação.
Sempre que a APA
suporte as custas das medidas adoptadas, tem direito de regresso, exigindo-as
do operador culposo, devidamente identificado, e caso este não as suporte na
totalidade é accionada a garantia financeira obrigatória, que obedece ao
princípio da exclusividade, destinadas só e unicamente para este fim (artos.
17º, 19º e 22º). Este direito de regresso pode ser exercido pela autoridade
competente no prazo de 5 anos, prazo que se inicia a contar, por regra, a
partir da data da conclusão das medidas adoptadas, porém, se a identificação
dos operadores ou dos terceiros responsáveis se efectivar posteriormente, a
contagem do prazo iniciar-se-á a partir dessa data (art.º 19º nº3). Muitas das
vezes esta norma de direito de retorno não passa de boas intenções, visto que
esta reserva-se unicamente aos operadores identificáveis e responsabilizados,
não incluídos na exclusão de pagamento de custas, do art.º 20º do RJRCDA.
Nos termos do art.º 18º
do RJRCDA, qualquer interessado pode solicitar a intervenção da APA (Anexo III,
sobre o procedimento da APA perante um pedido de intervenção). O interessado
está definido, no normativo, como toda a pessoa singular ou colectiva que possa
vir, ou seja afectada por um dano ambiental, que tenha interesse suficiente no
processo de decisão ambiental, invoque a violação de um direito ou interesse
legítimo tutelado por lei. Muito embora a Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril
(regime transversal de responsabilidade por danos ambientais na União Europeia),
no seu parágrafo 2º, do nº 1 do art.º 12º, determine que é da competência de
cada Estado-Membro esclarecer o significado das locuções “interesse suficiente”
e “violação de um direito”, o diploma sobre a responsabilidade por danos
ambientais não especifica o significado destas expressões. Saliente-se, que
sendo o direito ao ambiente, no plano do direito subjectivo público, um direito
constitucionalmente protegido – artos. 52º nº1 e 3 e 66º nº1 da CRP,
é conferido a qualquer cidadão, como meio de intervir activamente na protecção
do ambiente, ou de defesa dos seus bens pessoais/patrimoniais, o direito de
requerer o pedido de intervenção, conferindo-lhe um poder legítimo de
participação procedimental e de acção popular (art.º 2º nº1 da Lei 83/95, de 31
de Agosto sobre titularidade dos direitos de participação procedimental e do
direito de acção popular).
Por último, mas não menos
importante, podemos referir que sempre que esteja em causa a ocorrência de um
dano ambiental, efectivamente consumado, o operador apresenta medidas de
reparação (sendo estas definidas no art.º 11º nº1 al. n) como “qualquer acção,
ou conjunto de acções, incluindo medidas de carácter provisório, com o
objectivo de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais e os
serviços danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos
ou serviços (…)”) , tendo em conta o descrito no anexo V do RJRCDA, que
estabelece um quadro comum no sentido de poderem ser escolhidas as medidas mais
adequadas que assegurem essa mesma reparação, (por danos causados à água, às
espécies e habitats naturais protegidos, e ao solo), cabendo à APA a sua
apreciação e decisão.
Bibliografia
CANOTILHO,
J. J. Gomes:
- “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação
Juspublicística”
GOMES,
Carla Amado:
- “A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico –
Reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29
de Julho” in “O que há de novo no Direito do Ambiente? – Actas das Jornadas de
Direito do Ambiente
OLIVEIRA,
Heloísa:
- “A restauração natural no novo Regime Jurídico de
Responsabilidade Civil por Danos Ambientais” in “Actas do Colóquio – A Responsabilidade
Civil por Dano Ambiental”
SENDIM,
José de Sousa Cunhal:
-“Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos – Da Reparação
do Dano através de Restauração Natural”
Visto.
ResponderEliminar