domingo, 11 de maio de 2014

“Aqui não há perguntas!” – Análise Dogmática de Confirmação de um Verdadeiro Direito à Informação Ambiental

“Aqui não há perguntas!” – Análise Dogmática de Confirmação de um Verdadeiro Direito à Informação Ambiental


  • Introdução

Neste nosso primeiro post no blog, surge-nos um tema já há muito conhecido do Direito Administrativo, mas não tanto do Direito do Ambiente – o direito de acesso à informação. De facto, no âmbito do Direito Administrativo, este direito foi alvo de atenção por parte do legislador ordinário, consagrando, em 1993, o seu regime jurídico pela mão da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), posteriormente alterada pela Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto. Um ano antes da revisão da LADA, ou seja, em 2006, surge no Ordenamento Jurídico Português, fruto da transposição da Directiva 2003/4/CE (precisamente sobre direito à informação ambiental), a Lei 19/2006, de 26 de Agosto, reportando-se a mesma ao acesso à informação ambiental (LAIA).


  • Consagração Constitucional de um Direito à Informação Ambiental

Sendo certo que o direito de acesso à informação vem genericamente previsto na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no seu art.º 268 nºs 1 e 2, o direito de acesso à informação em matéria ambiental não tem acolhimento constitucional expresso.
Quanto ao direito de acesso à informação em termos genéricos, este surge na Constituição numa dupla dimensão: por um lado subjectiva, na medida em que constitui pressuposto essencial que o cidadão seja conhecedor das informações que este ache pertinentes, bem como as suas fontes, para que o mesmo compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face da Administração Pública (latu sensu) – nº1; por outro lado objectiva, tendo em conta que só é possível a Administração pautar-se pela transparência caso haja uma possibilidade de controlo por parte do ente privado, somente conseguida caso este esteja/possa estar informado sobre os passos do iter procedimental – nº2.
Ainda em relação a esta vertente objectiva do direito de acesso à informação, cumpre-nos salientar que com a evolução do Estado de Direito, o poder público foi abrindo as portas aos privados para que existisse um verdadeiro direito de participação nas decisões administrativas. Nos primórdios da consagração de um verdadeiro direito à informação temos a Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, consagrando no seu art.º 5º um reconhecimento à sociedade em geral o direito a pedir contas às entidades públicas dos actos praticados no desempenho das suas funções. Desta forma, o acesso à informação foi como uma “lufada de ar fresco” no funcionamento da Administração, pautada por uma lógica de reserva da informação.
Como referimos, o direito à informação em termos genéricos tem consagração constitucional expressa, no art.º 268º nºs 1 e 2, coisa que não acontece quanto ao direito à informação ambiental. Contudo, não devemos recusar a sua efectiva protecção constitucional e, seguindo a tese do Professor Jorge Miranda, devemos procurar afirmá-la através do Princípio do Estado de Direito Democrático, estando implicitamente previsto nos artigos 9º al. e); 66º; 20º nº2; 37º; 48º e no próprio art.º 268º, no seu nº1 e 2, ficando então o Estado, a par de tantas outras tarefas fundamentais, incumbido da protecção fundamental do ambiente.


  • A participação do público como base de uma “eco-cidadania”

Sendo o ambiente um valor de interesse público e colectivo, a solidariedade deve ser tida em conta como um princípio orientador na adopção de condutas preventivas com finalidades de salvaguarda em relação a eventuais danos ambientais. Tendo em consideração que a protecção ambiental é efectivamente uma tarefa partilhada entre entidades públicas e privadas, ambas devem adoptar uma postura critica na defesa e preservação dos bens ambientais. Como refere a Professora Carla Amado Gomes, o “imperativo de protecção do ambiente investe cada individuo na dupla qualidade de credor e devedor: é um dever de cada pessoa, cujo cumprimento reverte, quer a favor de si própria, quer a favor dos restantes membros da comunidade, existentes e futuros. O interesse na preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida em comunidade (…), assente numa cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica – uma eco-cidadania”.
Scovazzi afirma que uma interacção entre os sujeitos privados e a administração nas decisões administrativas em matéria ambiental só é possível, se comportar como elementos substanciais essenciais:
  1.  Direito à informação – os entes privados têm de conhecer os dados da situação, bem como conhecer os motivos que levaram a uma determinada decisão;
  2.   Direito de audiência – os particulares têm de poder expressar as suas motivações;
  3.  Direito a ser tido em consideração – o órgão decisor deve ter em conta a vontade do privado na tomada da decisão.

Caso contrário, estaremos perante um poder público fechado à realidade e à prossecução efectiva dos interesses da sociedade, ficando apenas dependente da ideologia politico-ideológica que se faça sentir.
Por fim, cabe-nos ainda analisar as diferentes vestes que o direito à informação pode enformar quando analisadas do ponto de vista dos efeitos que se podem repercutir na sociedade em geral. Ora, o direito de informação ambiental pode ter diversas consequências, dependendo da perspectiva adoptada aquando da sua análise:
  • Vertente da participação politica – não estando vedada a informação da política levada a cabo pela administração em relação com os entes privados quanto aos bens de fruição colectiva, a sociedade em geral tem a possibilidade de “controlar” essa mesma actuação.
  • Vertente pedagógica – sendo a informação a pedra angular do conhecimento, os indivíduos podem regular as suas vidas tendo em vista (pelo menos, existe um despertar de consciências) a prossecução de finalidades pró-ambiente.
  • Vertente instrumental – a participação popular só pode ser alcançada com a envolvência da informação necessária para a prossecução do objectivo.


  • A Convenção de Aarhus e os instrumentos internacionais antecedentes na afirmação de um direito à informação ambiental

Foi com o romper da década de 90 do século XX que a Comunidade Europeia soltou as amarras e partiu à descoberta de um direito à informação ambiental. Foi através da directiva 90/313/CEE, de 7 de Junho e posteriormente com a directiva 85/337/CEE, de 27 de Junho que se deram os primeiros passos. Importante foi também a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos dos Homem, permitindo afirmar-se uma tutela mediata do ecossistema. A União Europeia dotou-se de meios para alcançar os objectivos visados, tendo em 1990 com o regulamento 1210/90, de 7 de Maio criado a Agência Europeia para o Ambiente, tendo como tarefas específicas a recolha e tratamento de informação, de forma a que fossem realizados estudos comparativos das diversas realidades dos países europeus com o objectivo de criação de medidas preventivas de aproximação dos diversos países.
Decisiva e verdadeiramente inovadora foi a assinatura (pela União Europeia e por trinta e cinco outros Estados) da Convenção de Aarhus, em 25 de Junho de 1998, fruto da Conferência de Sofia realizada em 1995. A Convenção de Aahrus tem como objectivo a harmonização de três direitos, a saber: o direito de acesso à informação ambiental – artigos 4º e 5º; o direito de participação em procedimentos tendentes à aprovação de actividades específicas e de planos, programas e políticas em matéria de ambiente – artigos 6º, 7º e 8º; o direito de acesso à justiça – art.º 9º.


  • A Lei sobre o Acesso à Informação Ambiental – L.A.I.A

No seguimento da assinatura da Convenção de Aahrus por Portugal (em 2003) e com o objectivo de transpor a directiva 2003/4/CE (que veio alterar a directiva 90/313/CE) para o ordenamento jurídico nacional, foi criada a L.A.I.A. – Lei 19/2006, de 12 de Junho. Sem querermos exaustivos quanto à análise do teor desta lei, iremos apenas assinalar o que de mais relevante veio esta lei trazer em matéria de direito à informação ambiental. De uma primeira leitura da L.A.I.A, salta-nos desde logo à vista o facto da própria legislação ter presente um grande sentido de preservação e conservação dos recursos naturais, na medida em que toda a divulgação da informação em matéria ambiental às diversas entidades enunciadas no seu art 4º ser feita através dos meios electrónicos. Também o art 5º da L.A.I.A expressa esta preocupação, quando nos fala da actualização da informação em matéria ambiental, consequência directa “da célere mutação do estado de preservação dos elementos naturais e da necessidade das entidades públicas e privadas para a necessidade da sua protecção”, como nos “informa” a Professora Carla Amado Gomes.
Quanto à relação que os particulares estabelecem com a administração e o procedimento que deve ser adoptado: antes de mais é premente sublinhar que a informação em matéria ambiental pode ser requerida por qualquer particular, ainda que não tenha um motivo que justifique o pedido (art.º 6º nº1). Deve precisar no requerimento efectuado o que pretende que lhe seja fornecido por parte da administração, isto é, que tipo de informação, sendo-lhe exigido que se pronuncie sobre qual o suporte que essa informação deve revestir (artigos 7º, 8 e 10º). Efectuado o pedido, a administração tem um prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a decisão, podendo a sua resposta ser:
1.      Positiva (art.º 9º nº1 al. a));
2.      Negativa (art.º 13º);
3.      Parcialmente positiva (art.º 12º);
4.      A sua decisão ser deferida para momento posterior.
 De modo a que a falta de pronúncia quanto ao pedido efectuado pelo particular não seja interpretada como uma não resposta por parte da administração em termos deliberados, devemos interpretar o art.º 9º nº1 al. b) como um prazo de dez dias (ao invés de um mês), ainda que a resposta dada seja a título suspensivo, ficando dependente de uma posterior, quando a informação já esteja disponibilizada para entrega ao particular. Sempre que a administração não dê provimento ao pedido efectuado pelo particular, isto é, sempre que haja um indeferimento do pedido de informação, este deve ser fundamentado, podendo sê-lo com base nos fundamentos constantes do art.º 11º nº6, só não podendo sê-lo quando o pedido de informação incida sobre emissões sobre o ambiente (11º nº8).
No caso de o particular considerar que o seu pedido de informação foi ignorado, indevidamente indeferido, total ou parcialmente, que obteve uma resposta inadequada ou que não foi dado cumprimento à presente lei, pode impugnar a legalidade da decisão. Como tal, a L.A.I.A, no seu art.º 14º nº 2 (a par dos mecanismos gerais de direito) fornece uma forma específica de impugnação dessa mesma decisão, a apresentação de uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), tendo esta por missão zelar pelo cumprimento das normas constantes da L.A.I.A.
Quanto às taxas a aplicar pela documentação fornecida no âmbito do pedido de informação em matéria ambiental, bem como as eventuais reduções, isenções ou dispensas de pagamento, temos o art.º 16º, estando no seu nº 1 aquelas informações a que estão vedadas a aplicação de qualquer taxa por parte da administração e, no seu nº2, aquelas sobre as quais podem assentar uma taxa.
Em jeitos de conclusão, resta-nos apenas acrescentar que a L.A.I.A deve ser conjugada com a L.A.D.A (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos – Lei 65/93, de 26 de Agosto), sendo-lhe esta de aplicação subsidiaria.



Bibliografia:
·         GOMES, Carla Amado:
o   “A caminho de uma ecocidadania: notas sobre o direito à informação ambiental - Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 136/05, de 15 de Março de 2005” – Anotações Jurisprudenciais Dispersas
o   “O Direito à Informação Ambiental: Breve notícia sobre a Lei 19/2006. De 12 de Junho” – Textos Dispersos de Direito do Ambiente Vol. II
·         SILVA, Vasco Pereira da:
o   “The Aahrus Convention: a ‘Bridge’ to a Better Environment”



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