I-Introdução
Estima-se
que a população humana tenha atingido os 7 mil milhões em 2012. Apenas este
dado não nos permite compreender as reais dimensões dos problemas que
enfrentamos. Vejamos que, em meados do séc. XVIII, antes da revolução
industrial, a população mundial era pouco mais de 770 milhões. Em trezentos
anos verificou-se um crescimento exponencial da população, resultado da
industrialização e do domínio da técnica. Apesar de todo este desenvolvimento,
a pobreza, a fome e a doença continuam a ser realidades tão presentes como
antes.[1]
Uma vez que a civilização se encontra ancorada ao ecossistema que
representa o planeta terra, com os seus recursos limitados, é cada vez maior a
preocupação dos estados em mitigar o impacto que a sociedade tem sobre o meio
ambiente. Preocupação ainda maior se considerarmos que na esmagadora maioria
das vezes, uma vez provocado o dano é impossível repará-lo. Vejamos que tal
acontece com a extinção de uma espécie animal, ou no caso do aquecimento
global, intensificado pela emissão de gases de estufa de origem humana, o
degelo irreversível dos polos[2].
Nos moldes atuais, a subsistência da humanidade depende de se atingir um
equilíbrio entre o desenvolvimento e o meio ambiente, condição sine quae non da
sua existência.
O Direito do Ambiente surge com estas preocupações e tem procurado
soluções que permitam aos Estados dar resposta a estes problemas. Um importante
princípio ambiental é precisamente o princípio da prevenção, aqui utilizado
numa aceção ampla.
No âmbito deste estudo iremos abordar o princípio da precaução e
equacionar a possibilidade da sua autonomização em face do princípio da
prevenção.
II – Princípio da Prevenção e Precaução -
Teses
Antes de analisarmos as duas
vertentes, somos obrigados a explicitar o estado da questão na doutrina.
Autores como o professor Vasco
Pereira da Silva tratam do princípio da prevenção em sentido amplo, de maneira
que, nele engloba o princípio da prevenção em sentido restrito e o princípio da
precaução.[3]
Na ótica de outros professores como Gomes Canotilho e Carla Amado Gomes, o
princípio da precaução goza de um conteúdo autónomo e é tratado lado a lado com
o princípio da prevenção.[4]
Trata-se de uma tendência
recente, que procede também do seu acolhimento no Direito Comunitário, no
artigo 191º2 do TFUE, onde se prevê que a política da união no domínio do
ambiente “basear-se-á nos princípios da
precaução e da acção preventiva”
III – Fontes
Dúvidas surgem, no entanto,
quanto à vinculatividade deste princípio, isto é, se ele poderá ser recebido no
nosso ordenamento pelo Direito Comunitário e, consequentemente, possa ser
invocado em juízo pelos particulares para requerer a anulação de um ato
administrativo.
Esta questão alarga demasiado o
escopo do presente estudo, pelo que nos limitaremos a referir a orientação do
Tribunal de Justiça, acompanhada pela professora Carla Amado Gomes, que rejeita
a vinculação direta dos Estado-Membros. Muito sucintamente, o artigo limita-se
a estabelecer objetivos de política comunitária em matéria ambiental, os quais
deverão resultar de posteriores escolhas políticas, daí que não decorra nenhuma
obrigação clara ou incondicional.[5]
No
ordenamento jurídico português o princípio da prevenção decorre do artigo 66º
nº2 da CRP, onde se estabelece que, para assegurar o direito ao ambiente,
incumbe ao Estado “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as
formas prejudiciais de erosão”.
Por outro lado, também a Lei de
Bases do Ambiente, lei 19/2014, elenca no seu artigo 3º nº 3 c) os princípios
da “prevenção e da precaução, que obrigam
à adoção de medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou minorar,
prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural
ou humana, tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de
riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podem estabelecer, em caso de
incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a
ausência de perigos ou riscos;”
Parece-nos
então que mesmo que o princípio da prevenção não decorra diretamente do Direito
Comunitário ou que a CRP não o autonomize, encontramos uma lei ordinária que
consagra expressamente o princípio da precaução.
Antes de tomarmos posição acerca
da questão de saber se é dogmaticamente sustentável autonomizar o princípio da
precaução, cumpre analisar o seu conteúdo.
IV – Princípio da Prevenção (Stricto Sensu)
Com
base neste princípio pretende-se evitar lesões ao meio ambiente. Não se trata
de reparar os danos efetuados, este princípio atua num momento anterior, pois
como refere o ditado popular “ mais vale prevenir do que remediar”[6].
No entanto, este princípio atua apenas quando existe uma certeza comprovada de
que determinada atuação provocará danos graves para o meio ambiente, não
bastando a mera suspeita.
Vejamos que muitas vezes é
impossível reparar o dano ambiental, como já referimos, por exemplo, o caso do
degelo irreversível dos polos devido ao aquecimento global. Ainda assim, mesmo
que seja possível, a proporção dos danos implica custos impossíveis de exigir
ao poluidor, como o desastre da BP no golfo do méxico em que foram lançados no
oceano mais de 7 milhões de litros de crude.[7]São
incalculáveis os danos para o ambiente e para a população, que continuarão a
produzir os seus efeitos em anos vindouros. O estádio atual da tecnologia não
permite ainda controlar satisfatoriamente danos desta magnitude.
Podemos assim compreender a
necessidade de agir preventivamente nesta matéria.
V – Princípio da Precaução
Como
referimos anteriormente, a doutrina tem começado a autonomizar do princípio da
prevenção outra dimensão, a precaução.
A ideia de precaução surge
quando existem dúvidas relativamente á perigosidade e à ocorrência potencial de
danos para o ambiente. Verifica-se uma antecipação da tutela do ambiente quando
existe “incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo
causal entre uma atividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação
do ambiente”.[8] Ou seja,
vamos impedir tal atuação até que a ciência consiga esclarecer se irão
realmente ocorrer danos, beneficiando o ambiente ao invés do poluidor.
Concordamos com Gomes Canotilho quando refere tratar-se de uma espécie de
princípio “in dúbio pro ambiente”.
O princípio da precaução tem
ainda como consequência a inversão do ónus da prova, isto é, caberá ao poluidor
comprovar que a atividade não trará danos graves e irreversíveis ao ambiente.
Em direito do ambiente é uma inversão da sua lógica, pois “na grande maioria
dos casos, é quem sofre a poluição ou quem, pura e altruisticamente, defende a
Natureza, se vê sobrecarregado com o ónus de provar a causalidade entre ação
poluente e o dano”. [9]Sabemos
também os custos enormes que tal acarreta.
VI – Posição Adotada
Como já tivemos oportunidade de
referir, quanto à autonomização do principío da precaução, encontra-se em
confronto a tese de Vasco pereira da Silva, que prefere enquadrá-lo no
princípio da prevenção, e de Carla Amado Gomes, que defende a existência de um
conteúdo material bastante para a sua autonomização.
Quanto a esta última tese, vimos
já que o artigo 191ºnº2 do TFUE não implica a receção automática deste
princípio no ordenamento jurídico português. Para Carla Amado Gomes também não
é possível identificar a nível constitucional um comando preciso, a não ser a
partir do princípio da proporcionalidade. Diz a autora que a CRP aponta como
objetivo do estado a preservação do equilíbrio ecológico por um lado, e, por
outro, o desenvolvimento económico. De um lado uma atividade que implica despesa,
mas que garante a riqueza ambiental, e de outro lado, atividade económicas geradoras
de receita. Se olharmos para o princípio do desenvolvimento sustentável, vemos
que na constituição obriga a uma ponderação destes interesses.
O problema não se coloca quando
existe certeza quanto à probabilidade do dano ambiental, ele surge quando, na
ausência de certeza comprovada, se sacrifiquem direitos constitucionais em nome
do ambiente. Vasco Pereira da Silva manifesta esta preocupação quando afirma
que “atribuir dimensão jurídica a tal princípio representaria uma carga
excessiva, inibidora de qualquer nova realidade, sem em que domínio for, uma
vez que o risco zero em matéria ambiental não existe”.[10]
Pensamos que, tendo em conta o princípio da proporcionalidade na CRP, tal
questão não se colocaria, por mais “eco-fundamentalismo” que possa existir na
sociedade, teria sempre de haver uma ponderação dos direitos fundamentais em
presença. Desta forma o princípio da precaução seria invocado, no caso
concreto, de forma a obrigar à ponderação do interesse na salvaguarda do
ambiente face à liberdade de iniciativa económica, analisado numa lógica de
proporcionalidade.
Parece que a nova Lei de Bases do Ambiente no
seu artigo 3º nº 3 c), vem dissipar as dúvidas da doutrina e autonomizar o
princípio da precaução. Dogmaticamente, podemos continuar a criticar o mérito
desta solução, mormente a dificuldade de ponderar interesses económicos no
curto prazo e interesses ambientais no longo prazo. Contudo é inegável que,
embora o princípio da precaução não seja expressamente elevado a princípio
constitucional, encontramos base legal para a sua autonomização.
Gonçalo Jorge Ferreira
Aluno nº19168
[1] Dados do United States Census
Bureau
[2]
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=737158&tm=7&layout=122&visual=61
[3] Vasco
Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”,
Almedina, 2002, p. 67
[4] Gomes
Canotilho, “Introdução ao Direito do Ambiente”, Universidade Aberta, 1998,
p.44ss; Carla Amado Gomes, “A prevenção à Prova no Direito do Ambiente”,
Coimbra Editora, 2000, p.22ss
[5] Carla
Amado Gomes, op. Citado, pp.39ss e Luís Carlos Lopes Batista, “Contributo para
a densificação do conteúdo jurídico do princípio da precaução no âmbito dos
organismos geneticamente modificados”, p20, disponível em http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/833-1361.pdf
[6] Gomes
Canotilho, op. Citado, p.44
[7] http://ocean.si.edu/gulf-oil-spill
[8] Gomes
Canotilho, op. Citado, p.48
[9] Carla
Amado Gomes, op. Citado, p. 36
[10] Vasco
Pereira da Silva, op. Citado, p.70
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