Devemos, então, começar por concretizar o conceito de ilicitude
pois não será indiferente – ao abordar a categoria de ilicitude – partir do desvalor
da acção ou partir do desvalor do resultado. Independentemente do conceito de
ilicitude que se adopte compreender-se-á que quando nos referimos a um acto
administrativo autorizativo, este tem sempre subjacente um efeito legalizador,
ao tornar licita um conduta que se apresentaria como ilícita.
Se pensarmos em várias combinações entre agentes emitentes e
receptores, determinados ou indeterminados verificamos que nem todas as
hipóteses se podem reconduzir aos mesmos esquemas de responsabilidade.
Vamos, então, tentar responder às seguintes questões: como é que
os esquemas de emitente/receptor podem funcionar segundo os princípios
materiais de responsabilidade? O encargo ambiental deve ser suportado pelo
prejudicado? E Como distinguir os danos ambientais dos danos ecológicos?
Numa primeira perspectiva não se observa uma ideia clara do que
são danos ecológicos, por outro lado o art.º 66 da Constituição da República
Portuguesa (CRP) não afasta a configuração de dano ecológico como um dano
sofrido pelo particular enquanto titular de um direito fundamental ao ambiente.
O dano ecológico tem esta bivalência, a de por um lado ser um dano produzido ao
bem público ambiente de que é titular a colectividade e a de por outro ser um
dano sofrido pelo particular enquanto direito fundamental ao ambiente e à
qualidade de vida. Numa leitura mais cuidada parece-nos que por danos
ambientais devemos entender aqueles em que se verifica uma lesão de bens jurídicos
determinados e constitutivos do bem ambiente (água, ar, luz, solo), e por danos
ecológicos devemos entender aqueles cuja lesão incide sobre o bem ambiente
unitariamente considerado.
Centrando-nos agora no chamado efeito conformador de relações jurídicas
privadas pelo acto administrativo de autorização, devemos compreender que não avista
uma resposta clara ao problema das relações entre emitente, receptor, órgão da
administração e terceiros afetados, neste sentido vamos então mergulhar um
pouco mais fundo para chegar ao conteúdo e sentido do efeito legalizador. Em
poucas palavras será uma autorização dada pela administração que implicaria a
exclusão dos pressupostos legitimadores de actuações coercivas contra o utente
do acto autorizativo, por outras palavras, será uma causa justificativa da
ilicitude no caso de lesão de bens jurídicos de terceiros.
Aprofundemos então a análise dos efeitos despoletados pelo acto
autorizativo, surgem nos então três problemas: i) o efeito do acto autorizativo
em relação a outras autoridades; ii) o efeito do acto autorizativo em relação
ao particular que dele beneficia; e iii) o acto autorizativo em relação a
terceiro lesado por uma actividade autorizada ao particular.
O problema do efeito conformador de relações jurídico-privadas
centra-se no facto de excluir à partida a possibilidade do destinatário do acto
preencher os pressupostos de normas gerais de polícia se, e na medida em que a
sua actividade se desenvolver no âmbito da autorização[1].
Iremos então observar onde se traçam os limites entre a ilicitude e o efeito
justificativo dos actos autorizativos. A doutrina clássica aponta que o caminho
para esta destrinça passará pela observação da ilicitude de determinada
actividade no contexto global da ordem jurídica.
Orientação diferente, adotam aqueles que seguem uma determinação
funcional da ilicitude através duma teoria de ilicitudes diferenciadas. De
acordo com Larenz a ilicitude seria um conceito funcionalmente
determinado segundo os específicos termos de direito, ora uma causa de
justificativa da ilicitude não teria efeitos irradiantes para toda a ordem
jurídica, valeria apenas para o ramo de direito a que directamente diria
respeito.
Mas na tentativa de resposta a um problema surge-nos outro
problema: o de saber como resolver o conflito de normas, em que uma norma fixa
a ilicitude e em que outra norma fixa uma causa justificativa. A situação
complica-se mais ainda quando verificamos que as normas em contradição põem em
confronto dois ramos de direito diferentes.
Solução possível, passará pela preferência da norma de
justificação jurídico-administrativa sempre que i) estabeleça claramente os
pressupostos conducentes à exclusão da norma de ilicitude; ii) resulte
inequivocamente da lei; iii) não ofenda princípios básicos de ordem jurídico-constitucional
e mais ainda; iv) haja expressa previsão legal do efeito justificativo e
previsão normativa do efeito preclusivo do acto autorizativo; por último terá
de passar o crivo da conformidade constitucional.Ou seja, respeitar: i) os
limites dos direitos fundamentais como direitos de defesa; ii) os limites
derivados da dimensão jurídico-objectiva dos direitos fundamentais; iii) o
princípio da proibição da retroactividade em excesso; e iv) o princípio da
reserva de lei.
A temática do ressarcimento dos danos tem, em questões
jus-ambientais, particularidades da maior importância. O facto de existir um
acto autorizativo não impede o direito de compensação dos lesados. Chegados
aqui e sabendo pois que há uma responsabilidade por acto lícito cumpre saber
quem pagará este ressarcimento dos danos; será o agente privado lesante, o
Estado autorizador, ou os dois?
O Professor “debruça-se” sobre a questão da natureza jurídica
destas pretensões indemnizatórias defendendo que existe um sacrifício
justificativo de uma pretensão jurídico-pública apenas quando a actividade se
presta a satisfazer finalidades públicas como é exemplo a construção de uma
auto-estrada. Nos restantes casos, estamos perante um sacrifício legitimador de
uma pretensão jurídica-privada, isto é, responsabilidade por actos lícitos a
cargo de entidades privadas. Para o Professor, esta é a solução que resulta da
lei com base nos artigos 1347º do CC e dos artigos 40º/4 e 5 e 41º da Lei de
Bases do Ambiente (versão antiga).
Entendemos, contudo, que a eventual
responsabilidade proveniente de danos causados ao abrigo de um acto
autorizativo deverá ser, em última análise, do Estado. Se não vejamos: a
Constituição incumbe, claramente, a tarefa de prevenção e controlo dos níveis
de qualidade do ambiente ao Estado (artigo 66/2); o Decreto-Lei 109/91
referente ao procedimento de licenciamento detém um complexo de exigências que
alimentam a existência da necessidade de precaução e um controlo e fiscalização
ao longo da vigência dessa autorização concedida pela Administração; a
possibilidade de emanação de actos autorizativos está dependente de reserva de
lei como está constitucionalmente previsto no artigo 18º/2; qualquer particular
devidamente interessado e com relação directa com a futura instalação, terá o
direito de intervenção no procedimento administrativo como vem previsto no
artigo 52º do CPA; se essa via não for suficiente terá a possibilidade não só
de recurso hierárquico como ainda de recurso contencioso; a segurança jurídica
e a confiança nos actos emanados pela Administração exigem que o particular
beneficiário esteja protegido de quaisquer pretensões alheias; não faz sentido
que um particular beneficiário cumpridor do conteúdo regulador do acto de
autorização não possa opor esse mesmo acto a possíveis danos provenientes que
foram, sem dúvida, calculados pela Administração aquando do momento de decisão
para o conceder. Assim sendo, todos os riscos subjacentes que possam surgir por
via de um acto autorizativo deverão ser calculados pelo Estado e em caso de
efectivação dos mesmos, deverão ser imputados a esse mesmo Estado que concedeu
o tal acto de autorização. Somente os danos fora do risco normal previsto ou
calculado no acto poderão ser imputados ao próprio particular causador do dano.
Quanto á questão de saber quem deve ser ressarcido, a doutrina
clássica consideraria como beneficiários deste ressarcimento apenas aqueles que
apresentassem título de propriedade, mas esta concepção encontra-se hoje em dia
ultrapassada a favor de um conceito mais amplo de vizinho ambiental. Deve ser
ressarcido, aquele cujo bem jurídico foi afectado, não tanto segundo critérios
proprietaristas de vizinhança mas tendo em conta bens como a vida, saúde, corpo,
bem-estar, etc.
CANOTILHO, José Gomes. Boletim da
Faculdade de Direito de Coimbra. Vol.LXIX, 1993.
PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde Cor
de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina
António Souto Moura, 20668
[1] No entanto questiona-se
se este acto autorizativo terá força para justificar a produção de efeitos
lesivos na esfera de terceiros, ou, pelo contrário, se será razoável admitir
que o acto dum particular coberto por uma autorização administrativa poderá
preencher o tipo dum ilícito civil ficando como tal sujeito às reacções
jurídicas típicas desta ordem?
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