sábado, 3 de maio de 2014

Direito do/ao Ambiente: Direito Fundamental? Direito Subjectivo?

1.      Introdução

Este post tem como objectivo realçar certas linhas referentes à qualificação do Direito do Ambiente como Direito Fundamental à luz da Constituição da República Portuguesa de 1976.
A primeira questão que surge é: qual a razão para este tema ser considerado de particular importância? A resposta prende-se ao facto de a inserção do Direito do Ambiente como Direito Fundamental permitir uma maior amplitude e eficácia na sua protecção. Posto isto, a preservação do meio ambiente permite garantir e conservar a evolução da humanidade.
De acordo com o artigo 66º/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
Este preceito constitucional apresenta o meio ambiente como sendo um bem jurídico merecedor de um grande destaque, dado que pertence a todos e a ninguém em particular.
Embora se tenha vindo a assistir, nos últimos anos, a uma proliferação da constitucionalização da questão ambiental, tal não significa que esta tenha o mesmo peso que outros direitos fundamentais já conseguiram alcançar, havendo mesmo poucos Estados que possam afirmar a sua qualidade de Estados Ambientais.

2.      Evolução Histórica

O Direito do Ambiente e, consecutivamente, o seu reconhecimento como Direito Fundamental, surgiu na Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, realizada pela ONU em 1972 em Estocolmo, a qual deu origem ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
O Direito do Ambiente é um Direito Fundamental recente, tendo a nossa CRP um papel pioneiro na sua consagração constitucional, ligando-o a um certo número de incumbências do Estado e da sociedade.
Esta decisão inovadora foi definitivamente acertada, dado que o Direito do Ambiente vem ganhando uma base constitucional onde assenta os seus alicerces, o ordenamento jurídico ambiental ganha um rumo orientador ao seu desenvolvimento e os cidadãos acabam também por ganhar um critério específico de aferição da constitucionalidade material dos diplomas legais que pode ser usado em sede de fiscalização da constitucionalidade.
Porém, o ordenamento jurídico foi mais além, ao aprovar em 1987 a Lei de Bases do Ambiente, alterada, muito recentemente, pela Lei nº 19/2014, de 14 de Abril.
Relativamente à Comunidade Europeia, esta questão surgiu bastante cedo, sendo essencial mencionar a decisão do Tribunal de Justiça no processo de reenvio prejudicial nº 240/83, onde declarou expressamente que a protecção do ambiente contra perigo de poluição era um dos objectivos essenciais da Comunidade.
Ainda em relação à Comunidade Europeia, é de extrema importância referir que o Acto Único Europeu, em 1986, atribuiu, pela primeira vez, competências ambientais à Comunidade Europeia; o Tratado de Maastricht, em 1992, criou uma nova organização internacional regional na Europa, surgindo como nova missão o desenvolvimento sustentável que respeite o ambiente e que consagre como objectivo a promoção de um progresso económico e social, equilibrado e sustentável; e o Tratado de Lisboa anunciou o desenvolvimento sustentável e o nível de protecção do ambiente como pontos fundamentais.
Ou seja: tanto a nossa CRP, como toda a “legislação” europeia têm realçado, com o passar do tempo, que a protecção do ambiente depende tanto de solidariedade passiva como activa, partilhando deste modo benefícios, compromissos e responsabilidades.

3.      Direito do/ao Ambiente: Direito Fundamental?

No artigo 9º da CRP encontramos uma efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais. Já o artigo 66º/1 estabelece o direito a um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender. Relativamente a este último preceito, o Professor Vasco Pereira da Silva, de um ponto de vista subjectivo, estabelece o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida. Mais: o Professor entende estar, neste artigo, consignada uma extensão ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Agora surge a questão: será o Direito do Ambiente um verdadeiro Direito Fundamental?
O Professor Vasco Pereira da Silva, tendo como ponto de partida o princípio da dignidade da pessoa humana, distingue três gerações de direitos fundamentais:

·         A que nasceu com o constitucionalismo liberal e que compreende que os direitos fundamentais são liberdade do povo perante o Estado contra as arbitrariedades que este inflija, possuindo um conteúdo meramente negativo, correspondendo a um dever de abstenção das entidades públicas.
·         A que se deu com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, em que a administração do Estado passou a colocar à disposição da comunidade direitos de intervenção estadual de maneira a proteger e tutelar os seus interesses.
·         A actual, que surgiu com o Estado Pós – Social e que trouxe consigo a abertura dos direitos fundamentais às novas realidades sociais nas quais o ambiente se encontra incluído e uma garantia do particular contra as agressões do Estado, surgindo aqui a dimensão negativa dos direitos fundamentais, opondo-se a esta a positiva, que consiste na colaboração da entidades públicas para a sua efectiva defesa e concretização.

Após esta exposição, concluímos então que o Direito do Ambiente não pode ser visto como uma tarefa estadual disfarçada. Deste modo, é reconhecido ao particular o direito de intervir em qualquer acção onde tenha um interesse legalmente protegido do qual resulte uma alteração à sua situação jurídica.
No meu ponto de vista, de acordo com as três gerações expostas dos direitos fundamentais, o Direito do Ambiente é um direito fundamental do particular contra agressões estaduais (vertente negativa), dado que as acções que o particular tem direito para ver os seus interesses protegidos e concretizados nunca poderão colocar a ideia de que o direito do ambiente é uma tarefa estadual disfarçada.
No Direito interno, o Direito do Ambiente não pode ser visto apenas como uma tarefa estadual, de acordo com o artigo 9º da CRP, sendo sim reconhecido como verdadeiro direito fundamental pelo artigo 66º. Desta forma, poderei concluir que as normas que regulam o direito do ambiente destinam-se também à protecção dos interesses dos particulares, que são titulares de direitos subjectivos públicos.

4.      Direito do/ao Ambiente: Direito Subjectivo?

Esta questão foi introduzida pelo Professor Jorge Miranda, afirmando este que o Direito ao Ambiente é um direito complexo, que fica sujeito “ora ao regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17º da CRP)”, por ser um direito de natureza análoga, “ora ao regime dos direitos económicos, sociais e culturais”. Para o Professor, ficará sujeito ao primeiro regime quando se mostre ser um direito de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes públicos ou sociais que as condicionam ou envolvam. Por sua vez, ficará sujeito ao segundo regime, uma vez que é um “direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja criado um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66º/1 da CRP)”.
O Professor Vasco Pereira da Silva segue a mesma linha de pensamento, embora com algumas diferenças. O Professor defende que o Direito do Ambiente apresenta duas vertentes:

·         Positiva: devendo aplicar-se o regime jurídico dos direitos económicos, sociais e culturais;
·         Negativa: dendo aplicar-se o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias.

Para o Professor Vasco Pereira da Silva, no Direito ao Ambiente existem tanto direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio ambiente, como a tutela objectiva de bens ambientais.
Para o Professor Jorge Miranda, os Direitos Económicos, Sociais e Culturais não constituem verdadeiros direitos subjectivos, uma vez que necessitam de concretização pelo poder legislativo, político ou administrativo do Estado.
Porém, a verdadeira questão que divide a doutrina é: Será que existe, em absoluto, o direito subjectivo ao ambiente?
O ponto fulcral desta questão situa-se na questão da titularidade do bem jurídico ambiente.
Para a Professora Carla Amado Gomes, que se opõe à qualificação jurídica do ambiente como direito subjectivo, é decisivo o facto de o ambiente não ser susceptível de apropriação individual, por ser um bem comunitário. Deste modo, acaba por constituir sim um interesse difuso.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, que defende que o direito do ambiente é um direito subjectivo, o interesse é apenas difuso se visar apenas o interesse público.
Para o Professor Cunhal Sendim, o direito do ambiente deverá ser um direito de personalidade em sentido amplo, dado que o bem tutelado não se cinge ao indivíduo, mas sim a toda uma colectividade.
Para o Professor Gomes Ganotilho, o Direito do Ambiente é um direito fundamental e um direito subjectivo do tipo dos direitos económicos, sociais e culturais, não sendo um verdadeiro direito subjectivo de defesa, uma vez que não garante ao cidadão o direito de se defender contra actividades ambientalmente lesivas pelo Estado. O Professor entende que o direito ao ambiente não pode ser considerado como um direito subjectivo prestacional, dado que não confere um direito originário a prestações por parte do poder público ou particular.
Para o Professor Figueiredo Dias, os particulares têm o direito sujectivo de participar em acções judiciais e o direito à acção popular.
Por último, para o Professor Jorge Miranda, é muito importante que exista a faceta colectiva dos bens ambientais, aproximando-se, deste modo, o direito do ambiente à figura do interesse difuso e não à ideia de direito subjectivo.

5.      Conclusão

As várias dimensões do direito do ambiente permitem falar de um Estado de Direito Ambiental e Ecológico. A juricidade ambiental deve adequar-se às exigências de um Estado Constitucional Ecológico e de uma democracia sustentada que pense nas gerações vindouras.
A caracterização do direito ao ambiente como direito fundamental, segundo o Professor Gomes Canotilho, implica a sua autonomia, dado que o Direito do Ambiente deve ser tutelado “directa e imediatamente e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele relacionados”.

O direito do ambiente constitui um direito subjectivo complexo que consiste no direito de defesa contra agressões ilegais dos poderes públicos na esfera individual do cidadão protegida pela CRP, permitindo a sua invocação contra o Estado e a existência de relações público-jurídicas de ambiente.


Patrícia Tavares, nº19802

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