1.
Introdução
Este post tem como objectivo realçar certas linhas referentes à
qualificação do Direito do Ambiente como Direito Fundamental à luz da
Constituição da República Portuguesa de 1976.
A primeira questão que surge é:
qual a razão para este tema ser considerado de particular importância? A
resposta prende-se ao facto de a inserção do Direito do Ambiente como Direito
Fundamental permitir uma maior amplitude e eficácia na sua protecção. Posto
isto, a preservação do meio ambiente permite garantir e conservar a evolução da
humanidade.
De acordo com o artigo 66º/1 da
Constituição da República Portuguesa (CRP), todos
têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e
o dever de o defender.
Este preceito constitucional
apresenta o meio ambiente como sendo um bem jurídico merecedor de um grande
destaque, dado que pertence a todos e a ninguém em particular.
Embora se tenha vindo a
assistir, nos últimos anos, a uma proliferação da constitucionalização da
questão ambiental, tal não significa que esta tenha o mesmo peso que outros
direitos fundamentais já conseguiram alcançar, havendo mesmo poucos Estados que
possam afirmar a sua qualidade de Estados Ambientais.
2.
Evolução Histórica
O Direito do Ambiente e,
consecutivamente, o seu reconhecimento como Direito Fundamental, surgiu na
Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente humano, realizada pela ONU
em 1972 em Estocolmo, a qual deu origem ao Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente.
O Direito do Ambiente é um
Direito Fundamental recente, tendo a nossa CRP um papel pioneiro na sua
consagração constitucional, ligando-o a um certo número de incumbências do
Estado e da sociedade.
Esta decisão inovadora foi definitivamente
acertada, dado que o Direito do Ambiente vem ganhando uma base constitucional
onde assenta os seus alicerces, o ordenamento jurídico ambiental ganha um rumo
orientador ao seu desenvolvimento e os cidadãos acabam também por ganhar um
critério específico de aferição da constitucionalidade material dos diplomas
legais que pode ser usado em sede de fiscalização da constitucionalidade.
Porém, o ordenamento jurídico
foi mais além, ao aprovar em 1987 a Lei de Bases do Ambiente, alterada, muito
recentemente, pela Lei nº 19/2014, de 14 de Abril.
Relativamente à Comunidade
Europeia, esta questão surgiu bastante cedo, sendo essencial mencionar a
decisão do Tribunal de Justiça no processo de reenvio prejudicial nº 240/83,
onde declarou expressamente que a protecção do ambiente contra perigo de
poluição era um dos objectivos essenciais da Comunidade.
Ainda em relação à Comunidade
Europeia, é de extrema importância referir que o Acto Único Europeu, em 1986,
atribuiu, pela primeira vez, competências ambientais à Comunidade Europeia; o
Tratado de Maastricht, em 1992, criou uma nova organização internacional
regional na Europa, surgindo como nova missão o desenvolvimento sustentável que
respeite o ambiente e que consagre como objectivo a promoção de um progresso económico
e social, equilibrado e sustentável; e o Tratado de Lisboa anunciou o
desenvolvimento sustentável e o nível de protecção do ambiente como pontos
fundamentais.
Ou seja: tanto a nossa CRP, como
toda a “legislação” europeia têm realçado, com o passar do tempo, que a
protecção do ambiente depende tanto de solidariedade passiva como activa,
partilhando deste modo benefícios, compromissos e responsabilidades.
3.
Direito do/ao Ambiente: Direito Fundamental?
No artigo 9º da CRP encontramos
uma efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais. Já o
artigo 66º/1 estabelece o direito a um ambiente de vida humano, sadio,
ecologicamente equilibrado, bem como o dever de o defender. Relativamente a
este último preceito, o Professor Vasco Pereira da Silva, de um ponto de vista
subjectivo, estabelece o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida.
Mais: o Professor entende estar, neste artigo, consignada uma extensão ao
princípio da dignidade da pessoa humana.
Agora surge a questão: será o
Direito do Ambiente um verdadeiro Direito Fundamental?
O Professor Vasco Pereira da
Silva, tendo como ponto de partida o princípio da dignidade da pessoa humana,
distingue três gerações de direitos fundamentais:
·
A que nasceu com o constitucionalismo liberal e
que compreende que os direitos fundamentais são liberdade do povo perante o
Estado contra as arbitrariedades que este inflija, possuindo um conteúdo
meramente negativo, correspondendo a um dever de abstenção das entidades
públicas.
·
A que se deu com a passagem do Estado Liberal
para o Estado Social, em que a administração do Estado passou a colocar à
disposição da comunidade direitos de intervenção estadual de maneira a proteger
e tutelar os seus interesses.
·
A actual, que surgiu com o Estado Pós – Social e
que trouxe consigo a abertura dos direitos fundamentais às novas realidades
sociais nas quais o ambiente se encontra incluído e uma garantia do particular
contra as agressões do Estado, surgindo aqui a dimensão negativa dos direitos
fundamentais, opondo-se a esta a positiva, que consiste na colaboração da
entidades públicas para a sua efectiva defesa e concretização.
Após esta exposição, concluímos
então que o Direito do Ambiente não pode ser visto como uma tarefa estadual
disfarçada. Deste modo, é reconhecido ao particular o direito de intervir em
qualquer acção onde tenha um interesse legalmente protegido do qual resulte uma
alteração à sua situação jurídica.
No meu ponto de vista, de acordo
com as três gerações expostas dos direitos fundamentais, o Direito do Ambiente
é um direito fundamental do particular contra agressões estaduais (vertente
negativa), dado que as acções que o particular tem direito para ver os seus
interesses protegidos e concretizados nunca poderão colocar a ideia de que o
direito do ambiente é uma tarefa estadual disfarçada.
No Direito interno, o Direito do
Ambiente não pode ser visto apenas como uma tarefa estadual, de acordo com o
artigo 9º da CRP, sendo sim reconhecido como verdadeiro direito fundamental
pelo artigo 66º. Desta forma, poderei concluir que as normas que regulam o
direito do ambiente destinam-se também à protecção dos interesses dos
particulares, que são titulares de direitos subjectivos públicos.
4.
Direito do/ao Ambiente: Direito Subjectivo?
Esta questão foi introduzida
pelo Professor Jorge Miranda, afirmando este que o Direito ao Ambiente é um
direito complexo, que fica sujeito “ora ao regime dos direitos, liberdades e
garantias (artigo 17º da CRP)”, por ser um direito de natureza análoga, “ora ao
regime dos direitos económicos, sociais e culturais”. Para o Professor, ficará
sujeito ao primeiro regime quando se mostre ser um direito de autonomia ou de
defesa das pessoas perante os poderes públicos ou sociais que as condicionam ou
envolvam. Por sua vez, ficará sujeito ao segundo regime, uma vez que é um
“direito a prestações positivas do Estado e da sociedade, um direito a que seja
criado um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo
66º/1 da CRP)”.
O Professor Vasco Pereira da
Silva segue a mesma linha de pensamento, embora com algumas diferenças. O
Professor defende que o Direito do Ambiente apresenta duas vertentes:
·
Positiva:
devendo aplicar-se o regime jurídico dos direitos económicos, sociais e
culturais;
·
Negativa:
dendo aplicar-se o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias.
Para o Professor Vasco Pereira
da Silva, no Direito ao Ambiente existem tanto direitos subjectivos das pessoas
relativamente ao meio ambiente, como a tutela objectiva de bens ambientais.
Para o Professor Jorge Miranda,
os Direitos Económicos, Sociais e Culturais não constituem verdadeiros direitos
subjectivos, uma vez que necessitam de concretização pelo poder legislativo,
político ou administrativo do Estado.
Porém, a verdadeira questão que
divide a doutrina é: Será que existe, em absoluto, o direito subjectivo ao
ambiente?
O ponto fulcral desta questão
situa-se na questão da titularidade do bem jurídico ambiente.
Para a Professora Carla Amado
Gomes, que se opõe à qualificação jurídica do ambiente como direito subjectivo,
é decisivo o facto de o ambiente não ser susceptível de apropriação individual,
por ser um bem comunitário. Deste modo, acaba por constituir sim um interesse
difuso.
Para o Professor Vasco Pereira
da Silva, que defende que o direito do ambiente é um direito subjectivo, o
interesse é apenas difuso se visar apenas o interesse público.
Para o Professor Cunhal Sendim,
o direito do ambiente deverá ser um direito de personalidade em sentido amplo,
dado que o bem tutelado não se cinge ao indivíduo, mas sim a toda uma
colectividade.
Para o Professor Gomes
Ganotilho, o Direito do Ambiente é um direito fundamental e um direito
subjectivo do tipo dos direitos económicos, sociais e culturais, não sendo um
verdadeiro direito subjectivo de defesa, uma vez que não garante ao cidadão o
direito de se defender contra actividades ambientalmente lesivas pelo Estado. O
Professor entende que o direito ao ambiente não pode ser considerado como um
direito subjectivo prestacional, dado que não confere um direito originário a
prestações por parte do poder público ou particular.
Para o Professor Figueiredo
Dias, os particulares têm o direito sujectivo de participar em acções judiciais
e o direito à acção popular.
Por último, para o Professor
Jorge Miranda, é muito importante que exista a faceta colectiva dos bens
ambientais, aproximando-se, deste modo, o direito do ambiente à figura do
interesse difuso e não à ideia de direito subjectivo.
5.
Conclusão
As várias dimensões do direito
do ambiente permitem falar de um Estado de Direito Ambiental e Ecológico. A
juricidade ambiental deve adequar-se às exigências de um Estado Constitucional
Ecológico e de uma democracia sustentada que pense nas gerações vindouras.
A caracterização do direito ao
ambiente como direito fundamental, segundo o Professor Gomes Canotilho, implica
a sua autonomia, dado que o Direito do Ambiente deve ser tutelado “directa e
imediatamente e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele
relacionados”.
O direito do ambiente constitui
um direito subjectivo complexo que consiste no direito de defesa contra
agressões ilegais dos poderes públicos na esfera individual do cidadão
protegida pela CRP, permitindo a sua invocação contra o Estado e a existência
de relações público-jurídicas de ambiente.
Patrícia Tavares, nº19802
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