O facto de a Administração dos nossos
dias, marcadamente burocrática, pesada e pouco ágil, não lograr atender, cabal
e atempadamente, aos desafios de uma Ciência cada vez mais criativa, dinâmica e
veloz, levou à necessidade de encontrar outros mecanismos, diferentes dos standards[1],
que nunca se deixem ultrapassar pela Técnica[2].
Entre esses mecanismos, destaca-se a cláusula melhores técnicas disponíveis, doravante designada por MTDs. Ao
abrigo do artigo 31º, nº 1, do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto -
diploma que institui o Regime das Emissões Industriais (REI) - as MTDs “correspondem à fase de desenvolvimento mais
avançada e eficaz das actividades e dos respectivos modos de exploração, que
demonstre a aptidão prática de técnicas específicas para constituírem a base
dos valores-limite de emissão e de outras condições de licenciamento, com vista
a evitar e, quando tal não seja possível, a reduzir as emissões e o impacte no
ambiente no seu todo”. Nas palavras do Professor COLAÇO ANTUNES, estas servem para superar o risco de deformar
excessivamente as categorias técnicas e a sua mumificação, impedindo os
processos decisionais de utilizar as mais recentes e sofisticadas aquisições
técnico-científicas[3].
Também conhecidas como cláusulas de progresso científico, as
MTDs constituem um instituto de raízes anglo-saxónicas, que surgiu,
precisamente no domínio do Ambiente, para fazer face à necessidade premente de
adaptação tecnológica dos focos poluentes. O critério da adopção dos best practicable means (BPM) encontra-se
vigente no ordenamento britânico desde o Clean Air Act de 1956, apesar de já aí
ser conhecido, de forma não codificada, desde o século passado. Nos Estados
Unidos da América, o Clean Air Act emprega duas expressões diferentes: best available control technologie (BACT)
– tecnologia que proporciona a mais elevada redução de poluição, prescindindo
de considerações de optimização económica – e best practicable control technologie (BPCT) – tecnologia que
consegue a maior redução das emissões poluentes, tendo em conta o perfil
técnico e económico. Na Alemanha, tais fórmulas aparecem, de forma inovadora,
no Código Geral Prussiano, de 1794, o qual contempla as regras e técnicas de
construção comummente admitidas. Actualmente, as MTDs vigoram em numerosos
países europeus graças à transposição do Direito da União Europeia[4].
No ordenamento jurídico português, a
primeira tentativa de implementação de mecanismos idóneos a lidar com o
fenómeno do risco ambiental transparece na Lei de Bases do Ambiente, traduzida
em padrões de referência e valores-limite, aos quais aludia a
alínea f), do nº 1, do artigo 27º, preceito que deveria ser complementado
através da emissão de legislação e regulamentação ulterior (artigo 51º). A
exigência de adaptação às MTDs propriamente dita só é introduzida em 2000, pelo
Decreto-Lei nº 194/2000, de 21 de Agosto. Até aí, o propósito de adaptação ao
progresso técnico em nome da segurança e da saúde não era, porém, estranho à
prática administrativa: logo no início do século XX, o Supremo Tribunal
Administrativo manifestou, em três casos, esta preocupação, veiculada por
pareceres de delegados de saúde pública em procedimentos autorizativos de
instalações insalubres e perigosas. Tal demonstra que a falta de previsão legal
da necessidade de actualização das condições de funcionamento, com vista ao
progresso técnico e à protecção de interesses públicos como a segurança e a
saúde, não impedia que, a título de cláusulas modais e de forma casuística, tal
desígnio fosse salvaguardado[5].
As MTDs exprimem o compromisso entre o imperativo
de antecipação de riscos e a necessidade de manter um determinado nível de
crescimento económico, maxime, no que
tange ao desenvolvimento industrial. Através delas, é exigida ao operador a
utilização na sua instalação das inovações técnicas mais recentes e avançadas
no sentido da eliminação ou atenuação da poluição, mas não ao ponto de se
imporem bitolas de prevenção tão elevadas e onerosas que o asfixiem[6].
Nem poderia ser de maneira distinta: as imposições técnicas são fruto de um
trabalho de investigação científica constante no campo da minimização dos
riscos inerentes aos vários sectores de actividades perigosas. Neste sentido,
quem se propõe exercê-las, delas extraindo benefícios financeiros, deve
suportar os deveres de prevenção do risco, servindo-se das melhores técnicas
para o sector existentes no mercado, não sendo toleráveis, à partida, desvios fundados
na incapacidade económica[7].
Concretiza-se, assim, um princípio de proibição sob reserva de permissão: ao particular
é vedada a possibilidade de emitir poluição proveniente da exploração de determinadas
actividades industriais para o ar, água e solo, sem se munir previamente de um
acto administrativo conformador dos limites desse desgaste, que é a licença ambiental[8].
Elemento indispensável das políticas públicas de prevenção e combate integrado à
poluição, a licença ambiental, ao determinar o estabelecimento de medidas
destinadas a evitar ou, pelo menos, minorar as emissões de poluentes, representa
a coroação de diversos impulsos constitucionais e comunitários, com várias décadas
de evolução[9].
Uma vez que esta cláusula se afigura como
uma cláusula geral ou um conceito aberto que remete permanentemente para o
estado actual da Técnica, quando o legislador dela se socorre, consegue que a
lei nunca se desactualize, situando-se sempre na vanguarda do desenvolvimento
tecnológico. A norma permanece sempre a mesma, mas o parâmetro científico para
que ela remete vai-se actualizando automática e instantaneamente[10].
Com efeito, a remissão legal para as MTDs contém uma abertura para o exercício
administrativo da margem de livre apreciação, mormente através de juízos de
prognose: é à Administração que caberá, caso a caso e em cada momento,
concretizar quais as melhores técnicas a seguir pelas instalações poluentes. No
entender do Doutor TIAGO ANTUNES, a
abertura do preceito situa-se nos adjectivos[11]:
1. Melhor – Eleger uma dada tecnologia como a melhor que as demais envolve,
necessariamente, um juízo comparativo de todas as técnicas disponíveis, que
dependerá dos factores ponderados e do grau de importância ou proporção
estabelecida entre os vários factores. Ora, a definição de tais factores é
realizada livremente pela Administração. Acresce que a escolha da melhor técnica acarreta uma projecção
para o futuro.
2. Disponíveis – Visto que, nesta fase, ainda não se
conhecem todos os efeitos que podem advir da utilização de uma certa técnica, e
os apetrechos técnicos, quando recentes, são deveras dispendiosos, a
Administração deve ponderar bem quais as tecnologias que considera disponíveis
e quais as que considera ainda indisponíveis. A Administração não está
vinculada quanto ao preenchimento do conceito de tecnologia disponível, porquanto que, dadas as consequências –
financeiras, científicas, ambientais - que decorrem da aplicação deste
conceito, o seu preenchimento deve ser feito em concreto, atendendo às
especificidades de cada caso.
3. Exigíveis – A lei e a doutrina reportam-se apenas
às melhores técnicas disponíveis, mas
o Doutor TIAGO ANTUNES propugna o
entendimento de que se deve adoptar a designação completa de melhores técnicas disponíveis e exigíveis,
pois a alínea c), do nº 1, do artigo 31º do Decreto-Lei nº 127/2013 apela aos “custos e benefícios, quer sejam ou não
utilizadas ou produzidas a nível nacional, desde que acessíveis ao operador em
condições razoáveis”. Por conseguinte, não basta considerar que uma dada
tecnologia é a mais eficaz em termos de protecção ambiental, sendo antes
preciso ainda que essa tecnologia não implique encargos excessivos aos
particulares em relação aos benefícios ambientais que trará. Não é plausível
prosseguir o bem-estar ecológico a qualquer custo: a determinação das MTDs não
é independente de considerações económicas (cfr. o artigo 31º, nº 2, do
Decreto-Lei nº 127/2013). Este adjectivo é ainda relevante a outro título: o da
aplicabilidade das novas tecnologias às actividades já instaladas, cujos custos
e dificuldades de adaptação são muito mais elevados do que para as actividades
que se vise instalar.
Saber se uma determinada empresa utiliza ou não
as MTDs é uma questão que envolve escolhas da responsabilidade da
Administração, nos três momentos do fluir contínuo que, na óptica do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, caracterizam a
aplicação/criação do Direito no caso concreto. Num primeiro momento, existe um
problema de interpretação de um conceito indeterminado, que atribui à
Administração uma margem de apreciação
na determinação das MTDs, a qual assenta essencialmente em considerações de
índole técnica, mas que não pode negligenciar critérios de eficiência económica
e de razoabilidade. Numa segunda fase, a Administração efectua um juízo quanto
a saber se aquela concreta instalação se propõe ou se encontra a laborar de
acordo com a exigência das MTDs, o que acaba também por conceder à
Administração uma margem de apreciação,
na medida em que a sua decisão implica tanto a apreciação de situações
existentes como a antecipação de previsíveis consequências futuras. Por fim,
incumbe à Administração uma margem de
decisão na escolha da solução mais adequada para o caso concreto, seja ela atinente
à concessão ou à renovação da licença ambiental e aos respectivos termos –
condições e deveres dos requerentes, limites de emissão -, ou relativa à
graduação da sanção aplicável em caso de incumprimento dos deveres da relação
jurídica em apreço[12].
Note-se que em todos estes momentos da actuação
administrativa nos defrontamos com escolhas da Administração, que pressupõem
juízos técnicos e regras de bom-senso, que, sendo discricionárias, não são
livres, antes correspondem à realização do Direito no caso concreto. Daí que,
e, sem prejuízo da margem ineliminável da responsabilidade da Administração, as
decisões administrativas se encontrem subordinadas a fiscalização judicial, que
incide sobre todos os respectivos aspectos vinculados – pelo menos, sempre os
da competência, do fim e dos princípios gerais fundamentais, entre os quais os
princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e
da boa fé (artigo 266º da Constituição da República Portuguesa)[13].
Discorrendo sobre esta temática, o Doutor TIAGO ANTUNES sustenta que o juízo de
exigibilidade patente no conceito de MTDs é claramente um juízo discricionário,
por três motivos principais. Em primeiro lugar, porque carece de uma avaliação
administrativa das vantagens e desvantagens de cada inovação tecnológica. Em
segundo lugar, já que se reconduz a ponderações económicas, sendo a Economia um
dos exemplos paradigmáticos de uma ciência não exacta. Em terceiro lugar, pois
o adjectivo exigíveis implica,
indubitavelmente – se dúvidas ainda houvesse no tocante aos outros adjectivos
-, uma ponderação administrativa dos diversos interesses, públicos e privados,
conflituantes[14].
Por seu turno, a Professora CARLA AMADO GOMES defende que, quando a
lei submete a actuação administrativa a parâmetros técnicos, a Administração
não goza de qualquer margem de livre
decisão, não formula qualquer juízo valorativo, reflexo de um balanceamento
de sustentação da decisão constituída por juízos de conteúdo científico. É
verdade que a remissão para normas técnicas pode ser acompanhada da concessão
de margem de livre decisão ao órgão
decisor. No que concerne à cláusula MTDs, pode, inclusive, sustentar-se, à luz
de uma interpretação teleológica, que, no sentido em que ela simboliza o
reconhecimento da necessidade de prevenção nos limites do conhecimento humano,
há uma assunção implícita de um quantum
de margem de livre decisão na
valoração da incerteza que subjaz à decisão e que não é, em regra, totalmente
eliminada pela avaliação técnica dos pressupostos de facto e pela determinação
pelas medidas de minimização do risco aplicáveis. Contudo, em abstracto, é
possível destrinçar os momentos de escolha dos momentos de vinculação, os
juízos de existência dos juízos valorativos, no quadro do ir e vir descritivo/valorativo empreendido pela Administração. No
domínio das decisões sobre o risco, o momento da ponderação da incerteza só
surge após estar delineado, de modo cientificamente inteligível, o quadro
fáctico resultante da avaliação técnica. Só com base em dados objectivos é que
a Administração pode iniciar a ponderação concreta dos interesses em jogo
através de juízos de prognose. A Professora conclui que a utilização de
conceitos indeterminados no âmbito da remissão para normas técnicas não acarreta,
por si só, discricionariedade, pelo menos enquanto o preenchimento de tais
conceitos se fizer por força de raciocínios lógico-discursivos, com apoio em
dados objectivos. A discricionariedade só nasce através de conceitos verdadeiramente indeterminados, aqueles que requerem do
órgão que aplica a norma um juízo de valoração, avaliação ou prognose sobre
incertezas de cariz causal-teorético[15].
Por fim, cumpre referir que na determinação das
MTDs ganham relevo as directivas de
auto-vinculação. Por via destas, emanadas de órgãos consultivos, em
estreito intercâmbio informacional com instâncias europeias, especialmente aptos
à análise e selecção das melhores técnicas presentes no mercado, os órgãos
decisores vão poder valer-se de orientações padronizadas, sector a sector, que
lhes permitirão conformar os deveres de prevenção dos operadores da forma mais
tecnicamente avançada possível e mais economicamente viável a um operador
médio. Não obstante a redução da margem de livre apreciação que esta cláusula
fomenta, é de louvar a igualdade que ela garante entre os operadores de um
mesmo sector[16].
É bastante controvertida a questão de
saber se tais directivas podem revestir eficácia externa, em virtude da
proibição emergente do artigo 112º, nº 5, da Constituição da República
Portuguesa. O artigo 8º, nº 4, do Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de Agosto,
veio introduzir uma norma que deixa algumas inquietações sobre a sua
conformidade constitucional. Isto porque se trata de uma disposição que admite
a publicação – e disponibilização no balcão único -, através de despacho dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas técnicas em causa e pela pasta do
Ambiente, de normas indicativas de (melhores) técnicas (disponíveis)
padronizadas, por sector ou operação, aprovadas pela Agência Portuguesa do
Ambiente (APA, I.P.). Segundo o Professor JORGE
MIRANDA, o artigo 112º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa não obvia
a que a lei remeta para diploma regulamentar a integração ou interpretação dos
seus preceitos. Do que não se tratará é de interpretação autêntica, podendo tal
integração ser questionada jurisdicionalmente. Tendo em conta a complexidade
técnica das questões, é pouco provável que os tribunais aceitem a sua revisão,
embora reste sempre a via do erro manifesto ou da alteração de circunstâncias. E
isto sendo certo que a Administração ambiental se pode afastar destas
directivas, quando as circunstâncias reclamem uma protecção superior, designadamente
em razão de factores geográficos e meteorológicos. Naturalmente que tal
derrogação deverá apoiar-se numa fundamentação especialmente desenvolvida, sob
pena de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade ou
proporcionalidade (cfr. o artigo 124º, nº 1, alínea d), do Código do
Procedimento Administrativo)[17].
Em jeito de conclusão, a despeito de a gestão do risco não se
esgotar na fórmula das MTDs - devendo a Administração poder contar com outros
instrumentos que lhe permitam introduzir a dose de prognose necessária à
adaptação do acto autorizativo a novas circunstâncias, físicas, técnicas e
jurídicas -, esta cláusula é fulcral para o procedimento de licenciamento
ambiental, assumindo-se, por um lado, como uma garantia de segurança e
igualdade para os operadores, e, por outro, como um dado inarredável para a
conformação da relação autorizativa de controlo integrado da poluição[18].
Bibliografia
·
ANTUNES,
Tiago, “O ambiente entre o Direito e a
Técnica”, Lisboa, 2003
·
GOMES,
Carla Amado, “Introdução ao Direito do
Ambiente”, 2º Edição, AAFDL, Lisboa, 2014
·
GOMES,
Carla Amado, e ANTUNES, Tiago, “O que há de novo no Direito do Ambiente?: Actas
das jornadas de Direito do Ambiente”, AAFDL, Lisboa, 2009
·
GOMES,
Carla Amado, “Risco e modificação do acto autorizativo
concretizador de deveres de protecção do ambiente”, Coimbra Editora, 2007
·
GOMES,
Carla Amado, “Textos dispersos de direito
do ambiente e matérias relacionadas”, vol II, AAFDL, Lisboa, 2008
·
SILVA,
Vasco Pereira da, “Verde Cor de Direito,
Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2005
Por: Sofia Isabel Pires Chaves
Discente nº 21006
[1] Os standards ambientais ou limites de aceitabilidade são definidos
por Paolo dell’Anno como parâmetros numéricos, formulados em termos objectivos,
que estabelecem um equilíbrio ou compromisso entre a actividade industrial e a
protecção da Natureza, consagrando limites máximos de tolerabilidade da
poluição. A este respeito, vide ANTUNES, Tiago, “O ambiente entre o Direito e a Técnica”, Lisboa, 2003, págs. 41 e
ss.
[5] GOMES, Carla Amado, “Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de
protecção do ambiente”,
Coimbra Editora, 2007, págs. 453 e 454
[6] GOMES, Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, 2º
Edição, AAFDL, Lisboa, 2014, pág. 119
[7] GOMES, Carla Amado, “Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de
protecção do ambiente”,
Coimbra Editora, 2007,, pág. 456
[8] GOMES, Carla Amado, “Textos dispersos de direito do ambiente e matérias relacionadas”, vol II, AAFDL, Lisboa,
2008, pág. 303
[9] GOMES, Carla Amado, e
ANTUNES, Tiago, “O que há de novo no Direito
do Ambiente?: Actas das jornadas de Direito do Ambiente”, AAFDL, Lisboa, 2009, pág.
195
[12] SILVA, Vasco Pereira
da, “Verde Cor de Direito, Lições de
Direito do Ambiente”, Almedina, 2005, págs. 201 e 202
[15] GOMES, Carla Amado, “Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de
protecção do ambiente”,
Coimbra Editora, 2007, págs. 462 a 464
[16] GOMES, Carla Amado, “Introdução ao Direito do Ambiente”, 2º
Edição, AAFDL, Lisboa, 2014, pág. 120
Visto.
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