Crimes Ambientais
Introdução
Apesar da sua função principalmente preventiva, o Direito
do Ambiente sempre enfrentou e terá de lidar com infracções, que tornam
necessária a existência de um sistema sancionatório, seja contraordenacional,
seja penal.
Mas este tema nem sempre foi livre de discussão,
colocando-se a questão da admissibilidade do Direito Penal sobre agressões
ambientais e da sua eficácia, nomeadamente, quando comparado com o direito
sancionatório administrativo.
Ora, como refere V. Pereira da Silva, a proteção
ambiental, assume a dimensão de um bem jurídico fundamental, de um autêntico
Direito Fundamental, constitucionalmente consagrado, o que justifica, à luz do
princípio da necessidade da pena, a criação do tipos criminais ambientais.
Concordo com a posição deste professor, jem paralelo com
a professora Fernanda Palma, de acordo com a qual o Direito Penal Ambiental
deve existir, se bem que em termos subsidiários e com limites rigorosos, tendo
em conta a gravidade das consequências a que conduz.
A tutela contraordenacional, deve ser o modo normal de
reação contra as infracções ambientais, pelo seu fim primário de reparação de
danos e desmotivação do infractor.
Tendo isto em conta, proceder-se-á à exposição dos tipos criminais
ambientais, previstos no nosso ordenamento.
Os Crimes Ambientais Em Concreto
Os crimes ambientais puros, assim denominados por exemplo
por J. Souto Moura, são os previstos nos artigos 278.º, 279.º, 279.º-A e 280.º
do Código Penal.
Quanto à sua natureza, são crimes públicos, pelo que o
respetivo procedimento penal não se encontra na disponibilidade das partes,
tendo o Ministério Público legitimidade para promover o mesmo,
independentemente de queixa ou acusação particular, na sequência de uma denúncia,
sendo o bem jurídico-penal tutelado a qualidade do ambiente.
Aquando da feitura do Código Penal português de 1982,
apenas se previa uma forma de criminalização da poluição. Dispunha o então
artigo 269.º, com a epígrafe “contaminação e envenenamento de água” que quem corrompesse, contaminasse ou poluísse, por meio de veneno
ou outras substâncias prejudiciais à saúde, água que pudesse ser utilizada para
consumo humano, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da
integridade física de outrem, seria punido com prisão de 2 a 8 anos e multa de
100 a 150 dias.
Em 1995, quando o
anterior Código foi revisto, o crime de poluição passou a estar previsto com a
epígrafe atual de “poluição”, e com um âmbito bastante mais amplo que o
anterior, incluindo não só a poluição da água como também a do solo, do ar,ou
ainda a poluição sonora.
Em 1995 foram introduzidos também no nosso Código Penal os crimes de danos contra a natureza e de poluição com perigo comum.
Em 1995 foram introduzidos também no nosso Código Penal os crimes de danos contra a natureza e de poluição com perigo comum.
Recentemente, em 2011, foi aditado ao Código o crime de
atividades perigosas para o ambiente.
Artigo 278.º - Danos
Contra a Natureza[1]
De acordo com o professor P. Pinto de Albuquerque, o bem
jurídico que se visa proteger neste tipo legal de crime é a preservação da
natureza, nas suas vertentes biofísicas (habitat
natural, recursos do subsolo) e estritamente biológicas (fauna e flora).
Tratando-se de um “crime de perigo comum” está em causa uma conduta humana
eticamente reprovável. P. Pinto de Albuquerque entre outros, defende que o crime
de dano contra a natureza em sentido estrito tem uma dupla natureza: é crime de
dano tendo em conta efectiva lesão do bem
jurídico protegido, e é um crime de resultado combinado com um delito de
desobediência, quanto à forma como se realiza o ataque ao objeto da ação.
O art. 278.º prevê uma conduta típica associada a um
resultado também típico: eliminação de exemplares de fauna ou flora; destruição
de habitat natural; afetação de recursos do subsolo de forma grave.
A formulação “quem, não observando disposições legais,
regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em
conformidade com aquelas disposições”, aditada ao Código na alteração
legislativa de 2007, trouxe maior complexidade ao crime de danos contra a
natureza, que passa assim a conter uma componente decisiva de desobediência. As
expressões “número significativo” nas alíneas a) e b) do nº 1 e “afetação
grave”, na alínea c) do mesmo, não são definidas pelo legislador, ficando
portanto ao critério do intérprete, sendo este recurso a conceitos
indeterminados sujeito a critica, se se entender que o legislador poderia ter
densificado tal significado, como fez no art. 279.º, nº 6.
A atual formulação do nº 2 do artigo é de aplaudir, uma
vez que a ausência da exigência do observação de disposições legais,
regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente, em
conformidade com aquelas disposições, poderia levar a pensar que qualquer
espécie protegida, partes dela, ou produtos dela, nunca poderia ser
comercializada, de tal modo que a aquisição de certos animais para jardins
zoológicos ou circos, por exemplo, seria sempre proibida.
Esta recente
revisão do CP previu também, quanto crime de danos contra a natureza, que este
passasse a aplicar-se a quem simplesmente possuísse ou detivesse exemplar de
espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, passando estas situações a
ser puníveis, independentemente da comercialização dessas espécies.
Artigo 279.º - Poluição [2]
Augusto Silva Dias e Anabela Rodrigues, consideram este crime
de desobediência qualificada, por exigir um desrespeito da norma administrativa
ambiental, conjuntamente com um dano significativo ao meio ambiente,
classificação criticada por Leones Dantas e J. Souto Moura, que, defendendo que
só se o conceito de poluição inadmissível omitisse qualquer referência à
natureza, qualidade ou quantidade dos valores da emissão poluentes, é que se
poderia falar de crime de desobediência. Classificam-no então como crime de
dano, uma vez que as norma do CP não se contenta com o mero incumprimento das
diretivas violadas e com o perigo abstrato para os bens jurídicos ambientais,
antes exigindo um dano efetivo derivado desse incumprimento. Já P. Sousa Mendes
configura o crime de poluição como um crime de perigo abstrato potencial.
Toda e qualquer atividade humana é suscetível de poluir. Daí
que, como manifestação o princípio da necessidade de tutela penal, só a
poluição de que resultem “danos substanciais” (em versões anteriores previam-se
outras formulações como “em medida inadmissível” ou “de forma grave”) só então é
que se mostrará violado o bem jurídico “qualidade do ambiente”. Protegem-se
apenas as violações que ponham em causa os níveis de tolerabilidade suportáveis
pela sociedade, ultrapassando-se os limites do risco permitido, prejudicando a
qualidade de vida desejável, decorrente de um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado.
Neste crime, a conduta do agente do crime caracteriza-se
pelo próprio resultado, uma vez que o comportamento proibido é poluir, “causando
danos substanciais”, e portanto a descrição da acção socorre-se já do efeito
dessa acção.
Poluição será o fenómeno de alteração dos elementos
naturais do meio ambiente, de forma tal que a sua composição ou o seu estado se
alterem, temporária ou permanentemente, prejudicando a sua devida utilização e
fruição pelo ser humano, em termos comparativos com seu estado natural antes da
atividade humana poluidora.
Este artigo foi alterado em 2011, numa tentativa de tornar a sua previsão mais
abrangente e eficaz. Esta alteração correspondeu à transposição da Diretiva nº
2009/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009,
destacando-se a introdução do conceito de “danos substanciais” em substituição
da conduta de poluir de forma grave, e acrescentando o critério do “modo significativo” ou “modo duradouro”
da poluição (conceitos introduzidos no nº6), acrescentando ao relevo do
horizonte temporal de persistência do dano a importância do seu impacto
ambiental e a previsão da punibilidade não só de quem provoque a poluição
propriamente dita como de quem cause danos substanciais às qualidades de vários
componentes ambientais (como a qualidade do ar, da água e do solo) à fauna ou à
flora.
Artigo 279.º A - Atividades
perigosas para o ambiente
A tipificação deste crime em 2011, na 28.ª alteração ao
CP, correspondeu à transposição de duas diretivas comunitárias, - a Diretiva n.º 2008/99/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, e a Diretiva n.º 2009/123/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro - com o objetivo de
assegurar que, em todos os Estados-Membros da União Europeia, exista uma
proteção penal contra comportamentos que prejudiquem ou ponham em perigo o
ambiente e contra a poluição marítima causada por navios.
Artigo 280º - Poluição com perigo comum[3]
Trata-se de um
crime de perigo concreto, originado na poluição, tida como mero instrumento de
criação do perigo. Não se tratará, tanto assim, de um crime ecológico puro uma
vez que os bens jurídicos protegidos são a vida, a saúde e o património e não
diretamente a qualidade ambiental. Como refere J. J. Gomes Canotilho a partir
desta norma o ambiente é apenas tutelado de forma mediata.
Bibliografia
DIAS, Jorge de Figueiredo, Sobre o
papel do direito penal na proteção do ambiente.
GOMES, Carla Amado, Introdução ao
Direito do Ambiente.
MENDES, Paulo Sousa, Vale a pena o
Direito Penal do Ambiente?.
OLIVEIRA, Heloísa, Eficácia e
Adequação na Tutela Sancionatória dos Bens Ambientais.
PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal
do Ambiente – Uma Primeira Abordagem.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de
Direito Lições de Direito do Ambiente
MOURA, José Souto, Crimes Ambientais.
António Souto Moura, 20668
[1] «1 - Quem, não observando disposições legais,
regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em
conformidade com aquelas disposições: a) Eliminar, destruir ou capturar
exemplares de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou eliminar
exemplares de fauna ou flora em número significativo; b) Destruir ou deteriorar
significativamente habitat natural protegido ou habitat natural causando a
estes perdas em espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou em número
significativo; ou c) Afectar gravemente recursos do subsolo; é punido com pena
de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem, não observando disposições legais,
regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em
conformidade com aquelas disposições, comercializar ou detiver para
comercialização exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens,
vivo ou morto, bem como qualquer parte ou produto obtido a partir daquele, é punido
com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
3 - Quem, não observando
disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade
competente em conformidade com aquelas disposições, possuir ou detiver exemplar
de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, é punido
com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
4 - A conduta referida no
número anterior não é punível quando: a) A quantidade de exemplares detidos não
for significativa; e b) O impacto sobre a conservação das espécies em causa não
for significativo. 5 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por
negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de
multa.»
[2] «1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações
impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições,
provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma
degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos
substanciais, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até
600 dias.
2 - Quem, não
observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela
autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, causar danos
substanciais à qualidade do ar, da água, do solo, ou à fauna ou à flora, ao
proceder:
a) À descarga, à
emissão ou à introdução de matérias ionizantes na atmosfera, no solo ou na
água;
b) Às operações de
recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação
de resíduos, incluindo o tratamento posterior dos locais de eliminação, bem
como as actividades exercidas por negociantes e intermediários;
c) À exploração de
instalação onde se exerça actividade perigosa ou onde sejam armazenadas ou
utilizadas substâncias perigosas; ou
d) À produção, ao
tratamento, à manipulação, à utilização, à detenção, ao armazenamento, ao
transporte, à importação, à exportação ou à eliminação de materiais nucleares
ou de outras substâncias radioactivas perigosas, é punido com pena de prisão
até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
3 - Quando as condutas descritas nos números anteriores
forem susceptíveis de causar danos substanciais à qualidade do ar, da água ou
do solo ou à fauna ou à flora, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos
ou com pena de multa até 360 dias.
4 - Se as condutas
referidas nos nºs 1 e 2 forem praticadas por negligência, o agente é punido com
pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
5 - Se as condutas
referidas no n.º 3 forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena
de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
6 - Para os efeitos dos nºs 1, 2 e 3, são danos
substanciais aqueles que: a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a
integridade física, bem como o bem-estar das pessoas na fruição da natureza; b)
Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente
ambiental; c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo
ou saúde das pessoas; d) Causem um impacto significativo sobre a conservação
das espécies ou dos seus habitats; ou e) Prejudiquem, de modo significativo, a
qualidade ou o estado de um componente ambiental.»
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