quarta-feira, 7 de maio de 2014

Dos Crimes Ambientais

Crimes Ambientais

Introdução

Apesar da sua função principalmente preventiva, o Direito do Ambiente sempre enfrentou e terá de lidar com infracções, que tornam necessária a existência de um sistema sancionatório, seja contraordenacional, seja penal.
Mas este tema nem sempre foi livre de discussão, colocando-se a questão da admissibilidade do Direito Penal sobre agressões ambientais e da sua eficácia, nomeadamente, quando comparado com o direito sancionatório administrativo.
Ora, como refere V. Pereira da Silva, a proteção ambiental, assume a dimensão de um bem jurídico fundamental, de um autêntico Direito Fundamental, constitucionalmente consagrado, o que justifica, à luz do princípio da necessidade da pena, a criação do tipos criminais ambientais.
Concordo com a posição deste professor, jem paralelo com a professora Fernanda Palma, de acordo com a qual o Direito Penal Ambiental deve existir, se bem que em termos subsidiários e com limites rigorosos, tendo em conta a gravidade das consequências a que conduz.
A tutela contraordenacional, deve ser o modo normal de reação contra as infracções ambientais, pelo seu fim primário de reparação de danos e desmotivação do infractor.

Tendo isto em conta, proceder-se-á à exposição dos tipos criminais ambientais, previstos no nosso ordenamento.



Os Crimes Ambientais Em Concreto

Os crimes ambientais puros, assim denominados por exemplo por J. Souto Moura, são os previstos nos artigos 278.º, 279.º, 279.º-A e 280.º do Código Penal.
Quanto à sua natureza, são crimes públicos, pelo que o respetivo procedimento penal não se encontra na disponibilidade das partes, tendo o Ministério Público legitimidade para promover o mesmo, independentemente de queixa ou acusação particular, na sequência de uma denúncia, sendo o bem jurídico-penal tutelado a qualidade do ambiente.
Aquando da feitura do Código Penal português de 1982, apenas se previa uma forma de criminalização da poluição. Dispunha o então artigo 269.º, com a epígrafe “contaminação e envenenamento de água” que quem corrompesse, contaminasse ou poluísse, por meio de veneno ou outras substâncias prejudiciais à saúde, água que pudesse ser utilizada para consumo humano, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física de outrem, seria punido com prisão de 2 a 8 anos e multa de 100 a 150 dias.
Em 1995, quando o anterior Código foi revisto, o crime de poluição passou a estar previsto com a epígrafe atual de “poluição”, e com um âmbito bastante mais amplo que o anterior, incluindo não só a poluição da água como também a do solo, do ar,ou ainda a poluição sonora.
Em 1995 foram introduzidos também no nosso Código Penal os crimes de danos contra a natureza e de poluição com perigo comum.
Recentemente, em 2011, foi aditado ao Código o crime de atividades perigosas para o ambiente.


Artigo 278.º - Danos Contra a Natureza[1]

De acordo com o professor P. Pinto de Albuquerque, o bem jurídico que se visa proteger neste tipo legal de crime é a preservação da natureza, nas suas vertentes biofísicas (habitat natural, recursos do subsolo) e estritamente biológicas (fauna e flora). Tratando-se de um “crime de perigo comum” está em causa uma conduta humana eticamente reprovável. P. Pinto de Albuquerque entre outros, defende que o crime de dano contra a natureza em sentido estrito tem uma dupla natureza: é crime de dano tendo em conta  efectiva lesão do bem jurídico protegido, e é um crime de resultado combinado com um delito de desobediência, quanto à forma como se realiza o ataque ao objeto da ação.
O art. 278.º prevê uma conduta típica associada a um resultado também típico: eliminação de exemplares de fauna ou flora; destruição de habitat natural; afetação de recursos do subsolo de forma grave.
A formulação “quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições”, aditada ao Código na alteração legislativa de 2007, trouxe maior complexidade ao crime de danos contra a natureza, que passa assim a conter uma componente decisiva de desobediência. As expressões “número significativo” nas alíneas a) e b) do nº 1 e “afetação grave”, na alínea c) do mesmo, não são definidas pelo legislador, ficando portanto ao critério do intérprete, sendo este recurso a conceitos indeterminados sujeito a critica, se se entender que o legislador poderia ter densificado tal significado, como fez no art. 279.º, nº 6.
A atual formulação do nº 2 do artigo é de aplaudir, uma vez que a ausência da exigência do observação de disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente, em conformidade com aquelas disposições, poderia levar a pensar que qualquer espécie protegida, partes dela, ou produtos dela, nunca poderia ser comercializada, de tal modo que a aquisição de certos animais para jardins zoológicos ou circos, por exemplo, seria sempre proibida.
 Esta recente revisão do CP previu também, quanto crime de danos contra a natureza, que este passasse a aplicar-se a quem simplesmente possuísse ou detivesse exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, passando estas situações a ser puníveis, independentemente da comercialização dessas espécies.




Artigo 279.º - Poluição [2]

Augusto Silva Dias e Anabela Rodrigues, consideram este crime de desobediência qualificada, por exigir um desrespeito da norma administrativa ambiental, conjuntamente com um dano significativo ao meio ambiente, classificação criticada por Leones Dantas e J. Souto Moura, que, defendendo que só se o conceito de poluição inadmissível omitisse qualquer referência à natureza, qualidade ou quantidade dos valores da emissão poluentes, é que se poderia falar de crime de desobediência. Classificam-no então como crime de dano, uma vez que as norma do CP não se contenta com o mero incumprimento das diretivas violadas e com o perigo abstrato para os bens jurídicos ambientais, antes exigindo um dano efetivo derivado desse incumprimento. Já P. Sousa Mendes configura o crime de poluição como um crime de perigo abstrato potencial.
Toda e qualquer atividade humana é suscetível de poluir. Daí que, como manifestação o princípio da necessidade de tutela penal, só a poluição de que resultem “danos substanciais” (em versões anteriores previam-se outras formulações como “em medida inadmissível” ou “de forma grave”) só então é que se mostrará violado o bem jurídico “qualidade do ambiente”. Protegem-se apenas as violações que ponham em causa os níveis de tolerabilidade suportáveis pela sociedade, ultrapassando-se os limites do risco permitido, prejudicando a qualidade de vida desejável, decorrente de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
Neste crime, a conduta do agente do crime caracteriza-se pelo próprio resultado, uma vez que o comportamento proibido é poluir, “causando danos substanciais”, e portanto a descrição da acção socorre-se já do efeito dessa acção.
Poluição será o fenómeno de alteração dos elementos naturais do meio ambiente, de forma tal que a sua composição ou o seu estado se alterem, temporária ou permanentemente, prejudicando a sua devida utilização e fruição pelo ser humano, em termos comparativos com seu estado natural antes da atividade humana poluidora.
Este artigo foi alterado em 2011, numa tentativa de tornar a sua previsão mais abrangente e eficaz. Esta alteração correspondeu à transposição da Diretiva nº 2009/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009, destacando-se a introdução do conceito de “danos substanciais” em substituição da conduta de poluir de forma grave, e acrescentando o critério  do “modo significativo” ou “modo duradouro” da poluição (conceitos introduzidos no nº6), acrescentando ao relevo do horizonte temporal de persistência do dano a importância do seu impacto ambiental e a previsão da punibilidade não só de quem provoque a poluição propriamente dita como de quem cause danos substanciais às qualidades de vários componentes ambientais (como a qualidade do ar, da água e do solo) à fauna ou à flora.



 Artigo 279.º A - Atividades perigosas para o ambiente

A tipificação deste crime em 2011, na 28.ª alteração ao CP, correspondeu à transposição de duas diretivas comunitárias, - a Diretiva n.º 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, e a Diretiva n.º 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro - com o objetivo de assegurar que, em todos os Estados-Membros da União Europeia, exista uma proteção penal contra comportamentos que prejudiquem ou ponham em perigo o ambiente e contra a poluição marítima causada por navios.






Artigo 280º - Poluição com perigo comum[3]

Trata-se de um crime de perigo concreto, originado na poluição, tida como mero instrumento de criação do perigo. Não se tratará, tanto assim, de um crime ecológico puro uma vez que os bens jurídicos protegidos são a vida, a saúde e o património e não diretamente a qualidade ambiental. Como refere J. J. Gomes Canotilho a partir desta norma o ambiente é apenas tutelado de forma mediata.



Bibliografia



DIAS, Jorge de Figueiredo, Sobre o papel do direito penal na proteção do ambiente.

GOMES, Carla Amado, Introdução ao Direito do Ambiente.

MENDES, Paulo Sousa, Vale a pena o Direito Penal do Ambiente?.

OLIVEIRA, Heloísa, Eficácia e Adequação na Tutela Sancionatória dos Bens Ambientais.

PALMA, Maria Fernanda, Direito Penal do Ambiente – Uma Primeira Abordagem.

SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito Lições de Direito do Ambiente

MOURA, José Souto, Crimes Ambientais.


António Souto Moura, 20668 



[1] «1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições: a) Eliminar, destruir ou capturar exemplares de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo; b) Destruir ou deteriorar significativamente habitat natural protegido ou habitat natural causando a estes perdas em espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou em número significativo; ou c) Afectar gravemente recursos do subsolo; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
 2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, comercializar ou detiver para comercialização exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, bem como qualquer parte ou produto obtido a partir daquele, é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
3 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, possuir ou detiver exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
4 - A conduta referida no número anterior não é punível quando: a) A quantidade de exemplares detidos não for significativa; e b) O impacto sobre a conservação das espécies em causa não for significativo. 5 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.»
[2] «1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos substanciais, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
 2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, causar danos substanciais à qualidade do ar, da água, do solo, ou à fauna ou à flora, ao proceder:
 a) À descarga, à emissão ou à introdução de matérias ionizantes na atmosfera, no solo ou na água;
 b) Às operações de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos, incluindo o tratamento posterior dos locais de eliminação, bem como as actividades exercidas por negociantes e intermediários;
 c) À exploração de instalação onde se exerça actividade perigosa ou onde sejam armazenadas ou utilizadas substâncias perigosas; ou
 d) À produção, ao tratamento, à manipulação, à utilização, à detenção, ao armazenamento, ao transporte, à importação, à exportação ou à eliminação de materiais nucleares ou de outras substâncias radioactivas perigosas, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.
3 - Quando as condutas descritas nos números anteriores forem susceptíveis de causar danos substanciais à qualidade do ar, da água ou do solo ou à fauna ou à flora, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 360 dias.
 4 - Se as condutas referidas nos nºs 1 e 2 forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
 5 - Se as condutas referidas no n.º 3 forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
6 - Para os efeitos dos nºs 1, 2 e 3, são danos substanciais aqueles que: a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a integridade física, bem como o bem-estar das pessoas na fruição da natureza; b) Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente ambiental; c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas; d) Causem um impacto significativo sobre a conservação das espécies ou dos seus habitats; ou e) Prejudiquem, de modo significativo, a qualidade ou o estado de um componente ambiental.»
 [3] «Quem, mediante conduta descrita nos nºs 1 e 2 do artigo 279.º, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, para bens patrimoniais alheios de valor elevado ou para monumentos culturais ou históricos, é punido com pena de prisão: a) De um a oito anos, se a conduta e a criação do perigo forem dolosas; b) Até cinco anos, se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência.»

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