Escolhido por
Carla Amado Gomes como um dos pilares do Direito Ambiental, o princípio da
prevenção, que resulta do art.º 66/2 a) CRP e do art.º 3/c) da nova Lei de
Bases do Ambiente (nLBA), surge como essencial para traçar uma orientação para
alcançar a proteção do ambiente da forma mais eficaz. Através de uma protecção
preventiva do ambiente, ao invés de optar-se pela reparação dos danos já
sofridos, leva a que se evite repercussões significativas e irreversíveis no
meio ambiente.
Como consta do art.º3/c) da nLBA, a actuação pública
está subordinada à adopção de «medidas
antecipatórias com o objectivo de obviar ou minorar, prioritariamente na fonte,
os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em face
de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da
mesma maneira como podem estabelecer, em caso de incerteza cientifica, que o
ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos».
Deste preceito retira-se que o
legislador teve em atenção, não só tentar evitar efeitos lesivos para o
ambiente, mas também que, caso ocorram esses danos, haja uma minimização dos
mesmos.
Numa sociedade
representada pela incerteza, urge tomar medidas que previnam riscos potenciais,
sendo insuficiente que se tomem medidas posteriormente à afectação de bens
jurídicos.
O princípio da
prevenção surge em harmonia com o princípio do desenvolvimento sustentável, bem
como em harmonia com o princípio da responsabilidade intra e intergeracional
obrigando que as gerações futuras sejam tidas em consideração aquando da
utilização e aproveitamento dos recursos naturais para a satisfação das
necessidades do presente. O aproveitamento desses recursos de forma racional
permite que se previna a degradação do meio ambiente de forma irremediável.
A prevenção
vem associada ao risco da ocorrência de um evento incerto cujas consequências
possam resultar num efeito lesivo para o ambiente. A acção do homem pode causar
prejuízos irreparáveis para a natureza, como é o caso da extinção das espécies
e habitats naturais, aumento do nível do mar, o efeito estufa, o aquecimento global, e a escassez de recursos
naturais não renováveis.
Quando a prevenção
falha, surge a responsabilidade por dano ambiental. Esta emerge como «o eco da prevenção», nas palavras de
Carla Amado Gomes, com um «intuito
dissuasor e pedagógico»[1]. A responsabilização, que vem prevista no art.
52º/3 alínea a) da Constituição e no
art.º 3 alínea f) da nLBA, surge em
conformidade com o princípio da recuperação (art.º3 alínea g) nLBA) obrigando o causador do dano a suportar as consequências
dos seus actos lesivos para o ambiente.
O regime da
responsabilidade por dano ambiental vem hoje disciplinado no Decreto-Lei n.º
147/2008, transpondo para a ordem jurídica portuguesa o regime de
responsabilidade por danos ambientais na União Europeia, presente na Directiva
n.º2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004.
Antes da nova
lei de responsabilidade civil ambiental, o tema era, nas palavras de Vasco
Pereira da Silva, «marcado por uma ideia
de fragmentação», uma vez que havia «um
tratamento diferenciado da responsabilidade civil da Administração e dos
particulares no domínio do ambiente, para além (daquela) não ser uniforme»,
havendo para mais dúvidas «insolúveis»
acerca da determinação do tribunal competente, se o tribunal de jurisdição
comum, se o tribunal de jurisdição administrativa[2].
Cumpre
verificar o âmbito de aplicação deste Regime Jurídico da Responsabilidade Civil
por Danos Ambientais (RJRCDA), sendo para tal necessário definir que tipos de
danos estão em causa para se considerar aplicável ao caso. Para tal, o
Decreto-Lei nº 147/2008, no seu art. 11º, define como danos ambientais: «i) danos causados às espécies e habitats
naturais protegidos; ii) danos causados à água; iii) danos causados ao solo».
De forma a
identificar um dano protegido pelo RJRCDA, é necessário fazer a distinção entre
dano ambiental e dano ecológico. O primeiro surge como um dano à pessoa e bens,
por via do ambiente, numa visão antropocêntrica. O dano ecológico resulta, pelo
contrário, numa lesão do recurso ambiental.
Definindo dano
ecológico como «a lesão causada a um
recurso natural, susceptível de causar uma afectação significativa do
equilíbrio do bem jurídico ambiente (função do recurso natural), isto é, do
património natural, enquanto conjunto dos recursos bióticos e abióticos, e a
sua interação» por Heloísa Oliveira[3],
esta concepção nem sempre foi caracterizada nestes termos.
Inicialmente,
a classificação de dano ecológico era apenas reportada aos prejuízos
resultantes das lesões do ambiente. Posteriormente, passa a ser vista como um
prejuízo ambiental não só os danos causados pelo meio ambiente ao património
das pessoas, mas também os danos a alguns bens ambientais. É a partir de 1970
que começa a haver uma autonomização dos prejuízos causados ao próprio meio
ambiente, dos prejuízos causados aos homens e às coisas através do ambiente.
Dai deriva a distinção de dano ambiental e dano ecológico puro[4].
O Autor José
de Sousa Sendim apontou a evolução para uma visão ecocêntrica «em que se admite a protecção da natureza
pelos valores que representa em si mesmas, independentemente da utilidade
directa que tenha para a humanidade», em detrimento da outrora prevalecente
concepção antropocêntrica, «segundo o
qual o Homem é o centro de tudo e em que tudo se justifica por recurso aos seus
interesses»[5].
Quando haja
lugar a responsabilidade por dano ecológico, o operador responsável por esses
danos é encarregado de adoptar medidas de prevenção e reparação dos danos ou
ameaças causadas ao ambiente (art.º 12 n.º1 e 13 n.º1 RJRCDA). Desde logo se
retira que, apesar de estarmos perante um diploma relativo à responsabilização
por danos ecológicos, ainda assim há uma preferência por medidas de prevenção
necessárias e adequadas a evitar ou reduzir lesões ao ambiente. É o que podemos
retirar do art. 14º do RJRCDA, cuja epigrafe é exactamente “Medidas de
prevenção” e que ordena ao operador adoptar as medidas de prevenção necessárias
e adequadas quando se verificar uma ameaça iminente ou, caso ocorra um dano, se
tomem medidas que evitem a ocorrência de novos danos. O operador tem ainda a
obrigação de informar acerca da existência de ameaças iminentes à autoridade
competente, de adoptar as medidas necessárias e adequadas de acordo com
instruções desta, tal como previsto no art.º 14 n.ºs 3, 4 e 5.
Pelo contrário,
as medidas de reparação reportam-se ao momento em que já houve uma efectiva
lesão do bem jurídico ambiente. A Dr.ª Heloísa distingue a reparação in natura
da indemnização em dinheiro[6].
A primeira prende-se com a reconstituição da situação actual hipotética que
existiria se não tivesse ocorrido o dano, e não da situação anterior ao momento
da prática do facto. A segunda medida surge como subsidiaria da primeira.
Este regime
jurídico levanta dúvidas, na medida em que refere dois tipos de
responsabilidade: a responsabilidade civil, no capitulo II; e a
responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos ambientais.
Para Vasco
Pereira da Silva, estamos perante um regime uniforme que engloba tanto as
categorias clássicas da responsabilidade por factos ilícitos (responsabilidade
subjectiva), como pelo risco e pelo prejuízo ou acto licito (responsabilidade
objectiva), louvando “os ventos” que trouxeram esta inovação ao ordenamento
jurídico portugues[7], uma vez
que anteriormente não existia um regime único para a responsabilidade, uma vez
que se encontrava disperso em vários diplomas.
Pelo
contrário, para Tiago Antunes, estamos perante um diploma dúplice[8],
na medida que não tem apenas uma responsabilidade ambiental, mas sim duas. O
autor entende que a directiva fala de uma responsabilidade por danos ao
ambiente, não sendo uma responsabilidade civilista. No fundo, tem um regime de
prevenção e reparação. Neste regime não prevalece uma ideia de ressarcimento
dos danos, mas sim uma lógica de reparação do meio ambiente.
Tiago Antunes
entende que esta natureza dúplice foi criada para não criar desconformidades
entre o regime transposto para o ordenamento jurídico e o regime no espaço
jurídico comunitário. Segundo o autor, o legislador optou por não misturar
estes dois mecanismos autónomos, preferindo consagrar dois mecanismos
diferentes.
Para o autor,
o Capítulo III do Decreto-Lei nº 147/2008, que transpõe a Directiva n.º 2004/35/CE do
Parlamento Europeu, refere-se aos danos
ecológicos puros (art. 11.º/1 e)),
que define os danos ambientais como os «i)
danos causados às espécies e habitats
naturais protegidos»; «ii)danos causados à agua»; e «iii)danos causados ao solo», desde que significativos, embora
neste último caso haja uma cedência ao antropocentrismo, uma vez que só se
considera como dano ecológico se criar «um
risco significativo para a saúde humana». O anexo I vem densificar este
conceito de “significativo”, não fazendo o mesmo, porém, com os outros
conceitos de dano.
Tiago Antunes
chama a atenção para o facto de não ser tutelado o dano ao ar, que está omisso
neste regime e na Directiva, que só o considera no caso de incidir sobre os
outros danos protegidos, ausência esta que não se justifica, uma vez que «poderá configurar-se como uma violação da
LBA, que integra expressamente o ar entre os componentes ambientais naturais
que carecem de protecção» (art. 10º alínea a) nLBA).
O RJRDA não só
abrange os danos ecológicos puros, como também pretende abranger outro tipo de
danos: os ecológicos, pessoais ou patrimoniais.
Existe,
segundo Tiago Antunes, portanto, duas lógicas de responsabilidade distintas. A primeira,
numa lógica civilista, tem como base o regime ressarcitório, presente no
capitulo II, enquanto que a segunda tem uma regime assente na prevenção e
reparação dos danos causados à natureza, transpondo a Directiva para o Capítulo
III.
Pelo
contrário, Carla Amado Gomes entende que estes dois regimes devem ser
subalternizados, ora optando pela prevenção e reparação, ora optando pelo
ressarcimento dos danos individuais[9].
A Directiva
optou por uma lógica de prevenção ou, caso esta falhe, na reparação in natura. Esta pretendia introduzir um
regime comum de responsabilidade ambiental a todos os Estados-Membros, dando no
entanto a discricionariedade destes adoptarem medidas mais apertadas ou alargar
o regime da responsabilidade a outros níveis.
Foi o que fez
o legislador nacional, ao incluir a responsabilidade civil neste diploma de
responsabilidade ambiental.
Quanto à
reparação, esta é definida pelo art. 2º/11 da Directiva como «qualquer acção ou combinação de acções,
incluindo medidas atenuantes ou intercalares com o objectivo de reparar,
reabilitar ou substituir os recursos naturais danificadores e/ou os serviços
danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou
serviços, tal como previsto no anexo II», podendo ser primária, secundária
ou complementar (compensatória), embora no fundo se tratem de reparações in
natura. Há uma necessidade de reposição do estado ecológico anterior à lesão ou
equivalente.
Não há lugar a
pagamento de indemnizações, mas sim à restituição da situação ex ante ao momento em que ocorreu a
lesão. Nem faria sentido a reparação dos danos por via pecuniária, uma vez que
o lesado é o ambiente e este não se regenera através de uma indemnização.
Tiago Antunes
diz que estamos perante um regime sui generis de responsabilidade ambiental na
Directiva. Este regime opta por uma prevenção do meio ambiente ou
reconstituição do meio ambiente quando lhe seja infringido um dano. Por outro
lado, o Capítulo II opta pelo ressarcimento dos sujeitos cuja personalidade ou
património foram lesados através do ambiente.
Para além da
distinção entre dano ambiental e dano ecológico, o diploma admite duas
responsabilidades: a objectiva, independentemente da culpa do agente, e a
subjectiva, quando a conduta do agente é realizada com dolo ou negligência, que
estão presentes tanto no capitulo II como no III, que remetem para o anexo III
do RJRDA.
Na
responsabilidade objectiva, imputa-se ao agente uma conduta censurável ou
negligente no exercício da sua actividade, exigindo-lhe que proceda a medidas
de prevenção e reparação (arts. 14º e 15º RJRDA) , enquanto que na
responsabilidade subjectiva, o operador que exerça uma actividade económica
listada no anexo III do RJRDA está obrigado a reparar os danos ao ambiente por
si causados, independentemente de ter agido com culpa, sendo justificável pela
perigosidade e risco na sua actividade.
A prevenção
não é própria da responsabilidade, uma vez que esta só ocorre quando os danos
já foram consumados, ou nas palavras de Carla Amado Gomes, quando o objectivo
preventivo é frustrado.
Podemos no
entanto dizer que este regime da responsabilidade tem um intuito dissuasor de
provocar danos ao ambiente, na medida que incute aos destinatários a opressão
para evitar praticar uma conduta lesiva.
A preferência
pela reconstituição natural em vez da reparação dos danos através de sucedâneo
pecuniário explica-se pela necessidade de tomar medidas mais eficazes para a
reparação da conduta lesiva.
Maria da
Glória Garcia fala em responsabilidade ética pelo futuro para sustentar que «cada homem, cada um de nós, (é)
responsável, na sua existência, pela permanência da “humanidade” e, logo, pela
permanência da vida», que deve ser modelada pela solidariedade de dimensão
comunitária, uma vez cabe a cada um respeitar o que é de todos[10].
Os sistemas
têm uma capacidade reduzida para reparar as lesões provocadas pela actividade
humana, na maior parte das vezes demorando anos e anos a haver essa regeneração,
ou, podendo até tratar-se de danos irreversíveis para o ambiente. Através do
exposto, podemos concluir que é premente evitar ao máximo lesões ao Ambiente, consciencializando
o Estado e os particulares para que
sejam tomadas medidas que protejam o nosso planeta de forma que não seja
necessário corrigir o prejuízo causado.
[1] GOMES,
Carla Amado - Introdução ao direito do Ambiente, AAFDL, 2ªEdição, 2014.
[2]
SILVA, Vasco Pereira da – Ventos de mudança no direito do Ambiente in O que há de novo no Direito do
Ambiente? Actas das Jornadas do Direito do Ambiente – Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa , 2009;
[3]
OLIVEIRA, Heloísa, A Restauração Natural no novo Regime Jurídico de
Responsabilidade Civil por Danos Ambientais in Temas de Direito do Ambiente
n.º6, Almedina 2011;
[4]
Evolução conceptual referida por José de Sousa Sendim - Responsabilidade Civil
por Danos Ecológicos, Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural,
Coimbra Editora, 1998;
[5]
SENDIM, José de Sousa – Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Da
Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998.
[6]
OLIVEIRA, Heloísa, A Restauração Natural no novo Regime Jurídico de
Responsabilidade Civil por Danos Ambientais in
Temas de Direito do Ambiente n.º6, Almedina 2011;
[7]
SILVA, Vasco Pereira da – Ventos de mudança no direito do Ambiente in O que há
de novo no Direito do Ambiente? Actas das Jornadas do Direito do Ambiente –
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa , 2009;
[8]
Tiago Antunes, Da natureza jurídica da responsabilidade ambiental in Cadernos o Direito – Temas de direito
do Ambiente, n.º6, Almedina, Lisboa, 2011.
[9]
GOMES, Carla Amado - A responsabilidade Civil por Dano Ecológico – Reflexões
preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de Julho in GOMES, Carla Amado / ANTUNES, Tiago
(org.) O que há de novo no Direito do Ambiente? Actas das Jornadas do Direito
do Ambiente – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa , 2009.
[10]
GARCIA, Maria da Glória – O lugar do Direito na protecção do Ambiente in O que há de novo no Direito do
Ambiente? Actas das Jornadas do Direito do Ambiente – Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa , 2009.
Bibliografia
ANTUNES, Tiago - Da natureza jurídica da responsabilidade ambiental, Cadernos o Direito – Temas de direito do Ambiente, n.º6, Almedina, Lisboa, 2011;
GOMES, Carla Amado / ANTUNES, Tiago (org.) - O que há de novo no Direito do Ambiente? Actas das Jornadas do Direito do Ambiente – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa , 2009;
GOMES, Carla Amado - Introdução ao direito do Ambiente, 15 de Outubro de 2008, AAFDL, 2ªEdição 2014;
OLIVEIRA, Heloísa - A Restauração Natural no novo Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por Danos Ambientais in Temas de Direito do Ambiente n.º6, Almedina 2011;
SENDIM, José de Sousa - Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998.
Catarina Furtado nº20847
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