O laboratório normativo que acompanha a evolução do Direito do Ambiente, desde à trinta anos para cá, consubstancia e consubstanciou desde a sua genesis uma forte componente internacional e comunitária. A componente comunitária exerceu funções de cariz erosivo, moldando paulatinamente o seu conteúdo ao longo dos tempos. Esta sumária exposição assume contornos relevantes se tomarmos a sua matriz evolutiva como vernáculo do direito do ambiente hodierno. Só bebendo da fonte de suas raízes podemos compreender as coordenadas actuais em que o mesmo se insere. Deste modo, o substracto deste trabalho forcar-se-á essencialmente em dois vectores fundamentais: o nascimento e evolução do direito do ambiente (natureza geminada) e a aferição das principais linhas mestras da jurisprudência ambiental. Findo este prólogo iniciemos a viagem sem mais delongas. Antes de fazermos as malas e iniciarmos o check in, urge ressalvar que o Direito do ambiente Internacional e Europeu viveram numa relação de simbiose, tendo sido a sua evolução paralela. Estima-se que o berço deste ramo de direito se situe na década de 60 (pelo menos essa é a data da sua dogmatização). Trata-se de um regime que vive ainda na sua antecâmara tendo apenas 30 anos. É de facto no dealbar dos anos 60 que se dá uma importante viragem no enfoque das preocupações das Organizações Internacionais, que até então colocavam a tónica da sua acção em questões relacionadas com a organização geo-política dos pós segunda Grande Guerra. No velho continente, a situação assumia traços paralelos indissociáveis, verificando-se que o Tratado institutivo da CECA era praticamente órfão de disposições de índole ambiental. No que concerne ao tratado constitutivo da Euratom, apenas se dedicava um capítulo (artigos 33º a 39º) à protecção sanitária das populações e trabalhadores contra as radiações, verificando mais uma vez que a regulação ambiental ainda vivia a sua pré-história. O Tratado da CEE era totalmente omisso quanto a matérias de cariz ambiental.
É então na conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, ocorrida em Estocolmo, em Junho de 1972, que se dá o arranque jurídico-normativo do tratamento das questões ambientais na comunidade Internacional. A relação de paralelismo supra evidenciada mostra-se plena de sentido, pois no plano Comunitário, foi o denominado “conselho de Paris” que se constituiu como força motriz e catalisador do impulso comunitário no que diz respeito às preocupações com o “Mundo Verde”. No Plano Internacional, assiste-se desde a bem lograda conferência de Estocolmo, à formação de uma estrutura composta por normas tanto de índole obrigatória, incentivatória ou técnica, além de que se começam a tricotar as primeiras linhas da veste axiológica que ainda hoje infirma o Direito do Ambiente (Princípios).
Tal impulso encontrou também guarida na Europa. O conselho da “cidade das luzes” marcou o arranque de uma vasta série de Programas de Acção em sede ambiental. Tais instrumentos jurídicos ambientais assumiram parte essencial na consagração crescente de patamares ambientais adquiridos de que o Principio da integração das políticas ambientais nas demais politicas comunitárias (consagrado definitivamente no Acto único europeu) e o Principio do desenvolvimento sustentável (recebe consagração no tratado de Maastricht) são exemplos corroboradores. À medida que a escada do direito do ambiente se constrói pedra a pedra, vão-se sedimentando os seus degraus, passamos de orientações qualitativamente relevantes mas de eficácia diversificada para verdadeiras prioridades cujo seu âmago bebe insanavelmente dos princípios já explicitados. Esta alteração qualitativa, iniciada manifestamente no Quarto programa de Acção, influindo ainda no actual Sexto Programa de acção, traduz uma opção por uma abordagem estratégica centrada em quatro domínios prioritários:as alterações climáticas, natureza e biodiversidade, ambiente e saúde, utilização sustentável dos recursos naturais e gestão dos resíduos. A evolução do Direito do Ambiente, qual nau que se vê fustigada por nova borrasca tendo de ajustar o seu leme velas para lhe fazer face, assiste de novo a uma alteração de abordagem no final da década de 80 do século XX, surgindo novos intervenientes na tela ambiental. Os instrumentos repressivos tradicionais de responsabilidade ambiental, são agora escoltados por instrumentos embrionários de tutela. Tratavam-se de meios despedidos da natureza confrontacional dos seus “ascendentes”, assumindo traços prevencionistas. Na sua peugada, surge então um “novo sistema de responsabilidade objectiva”, bebendo da fonte do Princípio da causa (a prova passa a depender e assentar num conjunto de presunções graves estabelecidas negativamente).
Mostra-se agora fecundo sufragar que se a década de 70 assistiu ao nascimento do Direito do Ambiente, e a década de 80 à sua consolidação, a década de 90 fica insanavelmente marcada no plano Internacional e Europeu pelos Princípios do desenvolvimento sustentável e integração bem como pela viragem de perspectiva no que concerne à visão do ambiente enquanto bem inesgotável, passando as preocupações ambientais a incidir exactamente sob o cunho arreigado de finitude que reveste o mesmo. É este o rumo que a “popa” da nau do direito do ambiente vê traçado no seu horizonte, visando-se cada vez mais a utilização de meios não confrontacionais, e analisando-se cada vez mais as questões ambientais no leito da organizações e não sob a égide de cada estado. Nos tempos que se avizinham, o principal desafio que se coloca na órbita do Direito do Ambiente será reconciliar, numa perspectiva integradora, o desenvolvimento económico e a protecção do ambiente, agilizando tal com o respeito pelos direitos do Homem, de acordo as a exigências da ardilosa arte de bem governar.
Chegados ao epílogo do berço evolutivo deste ramo de direito, cumpre agora debruçarmo-nos sobre os traços mais marcantes da recente jurisprudência internacional e europeia.
O Direito do ambiente é fortemente tributário e comunga de um forte pendor jurisprudencial. As soluções encontradas que dão guarida à miríade de problemas e óbices levantados no seu domínio, alicerçam-se não raras vezes na actuação dos Tribunais. Coloca-se com grande acuidade referir aqui o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, enquanto referencial e bússola orientadora das coordenadas a traçar no Direito do ambiente. Uma análise minuciosa da profícua jurisprudência do TEDH permite desvelar as linhas de conduta seguidas pelo Tribunal de Estrasburgo. É a este Tribunal que coube o mérito da solução de sujeitar a tomada de uma medida restritiva por parte de um Estado relativa a um ou mais direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ao crivo do tríplice critério, que consubstancia no seu seio os corolários necessidade, proporcionalidade e adequação com o fim em vista, resumindo a fórmula do justo equilíbrio.
Por outro lado, cumpre ressalvar a mestria da solução “pretoriana”, concedendo a cada estado a prerrogativa de uma margem de apreciação de cada situação, entende-se que são os Estados os melhores colocados para apreciarem uma dada situação, estando no entanto sujeitos à sindicância internacional. É na coadunação desta margem de apreciação com o tríplice critério, que subjaz à tomada de decisão de uma medida restritiva, que jaz a chave mestra do justo equilíbrio, já anteriormente aludido.
Radica ainda, no labor jurisprudencial do TEDH a busca ávida pela determinação do conteúdo de uma série de conceitos indeterminados, apanágio de qualquer ordem normativa.
O conceito de vítima ocupa também os anais da jurisprudência deste Tribunal, tendo-se verificado uma evolução do mesmo, aceitando-se já a equiparação da vítima à noção de parte lesada. Os próximos desafios serão abrir totalmente as portas à consagração do conceito de vítima potencial ou eventual, noções de incalculável importância sobretudo quando são chamadas à colacção ambiental titulares de interesses difusos, dado estar-se perante uma pleíade de sujeitos tendencialmente indeterminados, afectados no seu meio ambiente.
Por fim, assiste-se ainda a uma relevantíssima evolução da jurisprudência de Estrasburgo relativa a determinadas obrigações que passam a impender sobre os Estados, incluindo determinadas prestações de facere. Tal merece ressalva especial, dado que em tempos pretéritos o Estado, só numa realidade bastante utópica e onírica, poderia ser punido pela sua inacção, sendo a sua ingerência ilegítima condição sine qua non de sua ulterior punição. Ora a partir da feliz sentença de 1998, entende-se que os Estados têm uma obrigação positiva de facere, sendo imperioso que tomem as medidas necessárias caso estejamos perante matérias relacionadas com a protecção da vida privada e familiar.
Atentemos agora, na não menos relevante jurisprudência do TJCE e perscrutemos quais as soluções por ele preconizadas. Em primeiro lugar, saliente-se que o Tribunal de Luxemburgo é particularmente activo no que concerne à injuntividade de respeito de prazos para transposição de directivas comunitárias por parte dos estados membros. Qual barra de ferro, a jurisprudência comunitária mostra-se rígida e inflexível na exigência de transposição de todas as disposições das directivas, tendo estas que ser transcritas de forma correcta e dentro dos prazos fixados não podendo os procedimentos de direito interno despir as directivas comunitárias do seu efeito útil, frustrando a ratio que esteve no seu genesis legislativo. Para tal consagrou o instrumento da acção de incumprimento, vendo esta o seu âmbito de aplicabilidade cingido aos casos de desrespeito pelas directivas, sendo possível o desencadear deste mecanismo sem necessidade de processo judicial interno.
A inflexibilidade, já preteritamente mencionada, verifica-se ainda na imperiosidade que a jurisprudência do Tribunal submete os Estados membros no que diz respeito aos limites em que estes estão autorizados a mover-se. Caso a sua actuação extravase os limites da sua margem de apreciação os estados entrarão numa situação de incumprimento da ordem jurídica comunitária. De referir que os limites da tal margem de apreciação são os definidos nos moldes da jurisprudência comunitária. A jurisprudência comunitária impõe verdadeiras correias aos apetites abusivos estatais em prol da tutela da protecção ambiental. Ora mais nobre propósito não poderiam seguir. É o Juiz Comunitário que por via do controlo da legalidade, seja por via da interpretação a título prejudicial ou mediante a questão prévia , que desempenhou e desempenha a função de assegurar os níveis elevados de protecção do direitos do Homem ao ambiente. Só neste sentido é que podemos fazer as concepções utópicas de um direito ideal ao ambiente descerem à mundanidade das vivências sociais. O direito ao ambiente tem de assumir contornos de justiciabilidade caso contrário torna-se mais uma vez um tigre de papel. O laboratório normativo em que vive transformado o direito do ambiente produziu espaços novos, sendo a textura desses espaços constituída por normas e princípios, considerados à luz da matriz conceitual do conceito de desenvolvimento sustentável, enquanto princípio aglutinador e ordenador do laboratório normativo. É neste princípio que o direito do ambiente encontra o seu referencial axiológico. É aqui que o Direito do Ambiente, sob pena de ver o seu conteúdo desprovido de utilidade, deve ser encarado com um efectivo direito e interesse particular, não obstante a turbulência jurídica de tal sufragação. É preciso pensar este direito como um direito à tutela do Mundo, perscrutar a sua multidimensionalidade, dessacralizando-o para sacralizar o direito do homem à protecção do ambiente.
Bibliografia:
VASCO PEREIRA DA SILVA, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do
Ambiente», Almedina, Coimbra, 2002.
Philippe Sands, Principles of international environmental law, Cambridge University press, 2ª edition, 2003
Eli Louka, International environmental law: Fairness, efectiveness and world order, Textures,2006
Ricardo Moniz-19831
Subturma 4
Visto.
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