1) Conceito:
O princípio da Precaução preceitua que há
dever de atuação face à incerteza ou dúvida, perante suspeitas sólidas de
graves danos ao meio ambiente causados por uma determinada conduta,
antecipando-se ações para seu combate. Isto é, de acordo com Paulo Affonso Leme
Machado, “aplica-se o princípio da precaução ainda quando existe a incerteza,
não se aguardando que esta se torne certeza”. [1]
Conforme preconiza Maria Alexandra de Sousa Aragão “o
princípio da precaução é uma garantia material de realização efetiva do
princípio do nível elevado de proteção ecológica.”[2]
É suficiente que haja uma suspeita para que se deva agir de forma
rápida a fim de travar a possível atividade danosa, uma vez que aguardar pela
comprovação científica das lesões pode ser tarde demais, trata-se do indubio
pro natureza. Não obstante deva
estar “sempre de acordo com critério de razoabilidade e de bom-senso”[3],
conforme leciona o professor Vasco Pereira da Silva.
O nível de
precaução deverá ser estar de acordo e proporcionalmente vinculado à gravidade
dos danos potenciais.
2)
Inversão
do ônus da prova:
Segundo Dall’Agnol Junior o ônus trata-se de “uma
faculdade cujo exercício é necessário para a fruição de um interesse”[4].
De acordo com o
artigo 333, do Código de Processo Civil Brasileiro, o ônus da
prova, em regra, é atribuído à parte que alega os fatos. Assim, o autor tem de
demonstrar os fatos constitutivos de seu direito. O mesmo diploma revela que ao
réu cabe a demonstração da existência de fatos modificativos ou extintivos do
direito do autor.
Considerando a não protelação de medidas que evitem
danos ambientais trazidas pelo princípio da precaução, paulatinamente tem se
adotado a inversão do ônus da prova em matérias ambientais, impondo ao réu
comprovar que sua ação não gerará danos sérios ou irreversíveis à natureza.
Originariamente o Código de Defesa do Consumidor
introduziu no âmbito do direito brasileiro a inversão do ônus da prova, uma vez
que o consumidor trata-se da parte hipossuficiente da relação. Confira-se:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII – a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando
a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Apesar de
que, em regra, a inversão do ônus probatório é admitida apenas em casos
expressos legalmente, sua aplicação deve ser analisada de acordo com o caso
concreto, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro admite a distribuição
dinâmica do ônus da prova. Assim sendo, sua aplicação tem lugar em demandas
vinculadas ao meio ambiente. Isto é, a incumbência de comprovar os fatos
alegados pode caber ao réu no Direito do Ambiente por aplicação extensiva do
artigo 6º, inciso VIII, do CDC.
Nas
palavras de Bruno Albergaria,
“no caso de dúvida de
implementação de novo produto ou de uma nova técnica de produção (...) deve-se
observar o princípio in dubio pro
ambiente. O ônus da prova de inocuidade de uma ação em relação ao ambiente
deve ser transferido para os potenciais agentes poluidores”.[5]
3) Aplicação jurisprudencial:
O Superior
Tribunal de Justiça brasileiro modificou seu entendimento jurisprudencial no
que tange ao julgamento das ações civis ambientais. Em hipóteses de empreendedores
acusados de degradar o meio ambiente, a eles próprios cabe a comprovação de que
a atividade realizada não trará sério dano ao meio ambiente. Aqui, o critério
utilizado é o da possibilidade de risco à natureza, no qual o poluidor deverá
demonstrar que não afetará o ambiente sadio. Nessa esteira a jurisprudência:
AÇAO CIVIL PÚBLICA.
DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSAO DO ÔNUS.
ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO.
(...)
II - Aquele que cria ou
assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e,
em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta
não foi lesiva. III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em
verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou
compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - artigo 6º, VIII, do CDC
c/c o artigo 18, da lei nº 7.347/85.
IV - Recurso improvido. (REsp 1049822/RS ,
Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009).
Ainda:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA
DANO AMBIENTAL ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET MATÉRIA
PREJUDICADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C
O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Fica prejudicada o
recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento
de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito
a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o
dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por
ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente
independentes. 3. Justifica-se a
inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente
perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da
interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei
7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso
especial parcialmente provido. (STJ , Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de
Julgamento: 25/08/2009, T2 - SEGUNDA TURMA) (grifei).
Segundo o supra citado voto da
Ministra Eliana Calmon, uma vez aplicada a teoria do risco integral, é
suficiente a existência de possível nexo de causalidade entre o dano e a
atividade realizada para que caiba a empresa comprovar que a prática não trará
danos. A extensão do direito do consumidor neste caso não se trata de uma
hipossuficiência da parte autora em relação a parte ré, mas de uma maneira de proteger
o patrimônio coletivo e público, visando o resguardo da natureza.
4) Conclusão:
Assim sendo,
verifica-se a relevância do princípio da precaução para frear atividades
potencialmente danosas ao meio ambiente, analisando os possíveis danos por
vezes irreversíveis à natureza. Contudo, a aplicação do referido princípio não
se confunde com a estagnação empresarial, já que deve estar de acordo com suspeitas
consistentes, as quais englobem a gravidade dos eventuais danos. Até porque, sabe-se que há sempre o risco residual por
todos nós suportados em questões ambientais.
No que
tange a inversão do ônus da prova em lides que envolvam matéria ambiental, embora
alvo de críticas por parte de alguns juristas dada a possível estagnação das
atividades empresarias, há uma recorrente expansão de sua aplicação no Brasil à
luz do Princípio da Precaução, dada a relevância da manutenção de um ambiente
saudável e os entraves para a comprovação de dano ambiental.
Gabriela Bresolin Boal (Erasmus) - nº 24606.
[1]
MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, 21. ed., Malheiros
Editores Ltda., 2013.
[2]
ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, “Princípio do Nível Elevado de Proteção e a
Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos”, Coimbra: Almedina,
2006.
[3]
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente,
2. ed., Coimbra: Almedina, 2005.
[4] DALL’AGNOL JUNIOR, Antonio Janyr.
"Distribuição dinâmica dos ônusprobatórios". Revista dos Tribunais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, n.788, 90º ano.
[5] ALBERGARIA,
Bruno. Direito Ambiental e a Responsabilidade Civil das Empresas. 2. ed. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2009. p. 104.
Visto.
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