A
análise do princípio da solidariedade intergeracional é essencial no
âmbito do Direito do Ambiente, uma vez que se trata de um princípio típico do
mesmo. O tema escolhido permite perceber melhor o impacto que as nossas acções
ou abstenções poderão ter no futuro, nomeadamente nas gerações vindouras. “Enquanto
a ideia de justiça dos antigos era restrita ao presente, qualquer teoria sobre
a justiça de hoje não consegue ficar alheia ao problema da distribuição desta
mesma justiça frente às futuras gerações.”[1]
À excepção do Homem, nenhum animal tem qualquer
preocupação pelas gerações que se sucedem. Essa capacidade humana de projectar
sentimentos é a base da solidariedade entre as gerações. De facto, existe uma
necessidade ética e moral de pôr este princípio em prática, nomeadamente
atendendo ao uso e gozo dos recursos ambientais, garantindo um futuro condigno
aos nossos descendentes. O facto de o
Homem poder vir a ser responsável pela extinção da sua espécie, gera um dever
colectivo no que toca à utilização dos recursos ambientais. O princípio
do aproveitamento racional dos recursos disponíveis encontra consagração
constitucional no artigo 60/2 al. d) da Constituição da República Portuguesa.
Este princípio, directamente relacionado com o princípio da solidariedade
intergeracional, “vem chamar a atenção para a escassez de bens ambientais,
proibindo a tomada de decisões públicas que conduzam ao esbanjamento ou à
delapidação dos recursos naturais.”[2]
É então necessário adoptar critérios de ‘eficiência ambiental’ na tomada de
decisões, de modo a racionalizar o aproveitamento dos recursos naturais.
A alteridade consiste na capacidade de o ser
humano se colocar no lugar do outro. Trata-se de uma característica importante
para o princípio da solidariedade intergeracional. As trocas intertemporais
constrangem o agente neste aspecto, uma vez que o exercício das suas escolhas
se orienta pela tentativa de maximização do seu bem-estar. Para Hume, as acções individuais regem-se
pela utilidade, podendo refletir benefícios, ainda que não intencionais,
em terceiros. Devemos então agir de tal modo que os efeitos de cada “acção
sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica na Terra (...)” e não
pondo “em perigo as condições da continuidade indefinida da humanidade na
Terra”.[3]
O Estado Social e intervencionista deve (ou
não) interferir de modo a velar pela felicidade dos indíviduos. Contudo,
é bastante difícil limitar essa mesma intervenção, tendo em atenção que a
felicidade se distingue do utilitarismo. Jeremy Bentham defendia a ideia de “mais felicidade para o maior
número de pessoas”, o que consubstanciava o Princípio do Utilitarismo na medida
em que este visava buscar institucionalmete mais prazer para os indivíduos,
diminuindo a sua dor e sofrimento. Hoje a procura pela felicidade é diferente
da proposta de Bentham , tendo sido
resumida ao contexto das escolhas do agente – cada qual escolhe o que é mais
vantajoso ou útil para si.
Não existe um modelo sobre a
medida da felicidade como parâmetro de política social. A felicidade cruza-se
com a materialidade e é aí mesmo que entra a sua relação com ambiente. “O
Ambiente enquanto recurso para o desenvolvimento económico tem sido contestado
acerca da validade das suas premissas. Se não são as condições materiais que
justificam a exploração dos recursos (...) qual o sentido dessa eterna busca
pela exploração dos recursos ambientais?”[4].
As pessoas valorizam objectivos intrínsecos e afectivos mas é
necessário ter em atenção que a felicidade varia de cultura para cultura e de
pessoa para pessoa. Como tal, é um critério instável, apesar de ser um modelo
ético que permite obter a satisfação através da satisfação do outro.
O indivíduo tende a viver com base no seu entorno,
na sua realidade mais próxima. Como tal, é-lhe muito difícil conseguir
projectar os seus actos para o dia de amanhã. Contudo, a ideia de solidariedade
associada a uma concepção de comunidade fazem com que cada qual tenha uma ligação
intertemporal que lhe permita utilizar os recursos ambientais de uma forma
racional e razoável.
A ideia de património da Humanidade é
importante no que toca à temática abordada. [5]
A UNESCO lançou uma campanha com o fim de impulsionar o dever das presentes
gerações em manter o património cultural comum de todos os seres humanos,
atendendo à preservação dos recursos, sejam ambientais ou culturais, no campo
das relações internacionais. Este foi um passo bastante importante que se
repercutiu em diversos outros acontecimentos que foram decorrendo ao longo dos
anos.
É muito difícil convergir esforços para a preservação de um património
que não integra o círculo de individualidade de cada um. Ou seja, para as gerações
actuais é muito complicado conceber qual será o conteúdo e dimensão dos
direitos e interesses das gerações futuras e o reconhecimento de um património
comum não implica que àquelas se atribua tutela jurídica. “O globo terrestre é
considerado património colectivo comum, e por isso ninguém poderá dispor
livremente do ambiente de forma a impor prejuízo aos outros. O sistema jurídico
atual encontra ainda algumas barreiras técnicas para pressupor que as futuras
gerações gozam de titularidade jurídica.”[6]
Para além disso, não se pode afirmar que elas sejam titulares de qualquer
legitimidade política. Da mesma forma que não se podem responsabilizar as
gerações antecedentes por danos ambientais, também o dano ambiental praticado
hoje e decorrente da utilização não planejada dos recursos ambientais, não será
sancionado. Daí ser absolutamente necessário instituir-se uma noção de
equidade.
No fim dos anos 60/inícios dos anos 70, surgem estudos
a prever o esgotamento dos recursos ambientais não renováveis num prazo
aproximado de 30 anos. Surgem então, pela primeira vez, questões relativas à
solidariedade intergeracional. Como as previsões não se concretizaram, a
própria reacção pública deixou de ser notória. “A força cogente das convenções
ambientais é directamente proporcional à resistência dos Estados em
auto-limitar-se nos seus direitos de exploração dos bens naturais mais valiosos
do ponto de vista económico.”[7]
O princípio da
solidariedade intergeracional é basilar na medida em que é absolutamente
necessário que vivamos com a noção de que dispor de um bem agora pode
significar a sua escassez num momento futuro. Ou seja, quando alguém se
aproveita de um recurso ambiental, é claro que a sua utilização um dia mais
tarde estará restringida, pelo menos nas mesmas condições. Para além disso, é também necessário notar
que ”os preceitos morais só ganham contornos de juridicidade no momento em que
o bem da vida a ser protegido é suficientemente relevante para justificar a tutela
estatal.”[8]
Já Kant defendia a
existência de uma poupança social em prol das gerações futuras e do seu
bem-estar. O autor enfatizava a ideia de responsabilidade por as
acções/omissões de cada um poderem vitimar quem nos sucede, realçando a noção
de interacção humana e de prudentia a
ela associada.
A solidariedade intergeracional distingue-se da solidariedade
intrageracional. A primeira é a que estamos a analisar, enquanto que a
segunda se caracteriza por ocorrer face às gerações imediatamente sucessivas
(ex. Pais e filhos) e por nela dever assentar o princípio da poupança justa.
Tal permitirá alargar temporalmente o objecto, possibilitando a relização justa
das poupanças para as futuras gerações mais afastadas a nível temporal.
São várias as críticas que podem ser
apontadas ao princípio em análise. A já mencionada dúvida quanto à titularidade
de direitos/interesses das gerações futuras é uma delas, embora haja outras
de extrema relevância. A ausência de uma autoridade central coordenadora
é um factor que faz com que os indivíduos não se sintam pressionados. A
consciencialização é, de certa forma, sugada pelo facto de não haver qualquer
instituição em termos globais legitimada para tutelar as futuras gerações. “Não
existe um dever geral de prevenção de danos ambientais oponível ao Estado
(...) e mesmo no plano da responsabilidade por danos causados por poluição
transfronteiriça, note-se que o protagonismo da vinculação indenizatória
contraria a intenção preventiva que pontifica no Direito Ambiental.”[9]
Não há qualquer força jurídica que imponha ao Estado uma obrigação de
obedecer a regras ambientais internacionais e também não se esquece o carácter
comunitário, colectivo, metaindividual e difuso dos bens ambientais. Este grau
zero de coercibilidade é realmente uma grande crítica a ser apontada, tendo
em consideração que os Estados não querem limitar-se no que toca ao uso e gozo
dos seus próprios recursos naturais. Assim se verifica que a preservação
ambiental em favor das gerações futuras também apresenta custos,
nomeadamente o seu não uso ou uso condicionado pelas gerações actuais.
“Todos fazem escolhas considerando o
ambiente ao qual estão submetidos. E, nesta parte, tanto a política económica
ambiental, quanto o aparato legislativo estatal, caminha a lentos passos para
encontrar melhores alternativas para a aplicação do Princípio da solidariedade
intergeracional.”[10]
Cada país vive à sua velocidade, sendo difícil definir um critério
padrão de preservação dos recursos ambientais. Ainda assim, é absolutamente
necessário definir linhas orientadoras pelas quais os indivíduos se possam
pautar, de modo a que a afectação dos recursos ambientais numa perspectiva
futura seja significativamente menor. É necessário criar compromissos e apelar
à consciência colectiva, através de políticas ambientais baseadas em juízos de
razoabilidade e bom senso.
[1] Victor
Hugo Domingues, in Recursos ambientais e futuras gerações: uma análise interdisciplinar sobre o princípio da solidariedade intergeracional. 2012, p.60
[2] Vasco
Pereira da Silva, in Verde Cor de Direito. 2002. P.73 e 74
[3]
Jorge Pereira da Silva, in Breve Ensaio sobre a Protecção Constitucional dos
Direitos das Futuras Gerações. Em homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas
do Amaral. Coimbra: Almedina, 2010, p.7
[4] Victor
Hugo Domingues, in Recursos ambientais e futuras gerações: uma análise
interdisciplinar sobre o princípio da solidariedade intergeracional. 2012, p.
45
[5] Aquela
tem origem na consideração dos oceanos como herança indivisa da Humanidade,
lançada em 1832 por Andreas Bell . Carla Amado Gomes, in Direito Ambiental: o
Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente. 2010. p. 66
[6] Victor
Hugo Domingues, op. cit. P.51
[7] Carla
Amado Gomes, in Elementos de apoio à disciplina de Direito Internacional do
Ambiente. Lisboa. 2008. P. 370
[8] Victor
Hugo Domingues, op. cit.p.55
[9] Carla
Amado Gomes, in Elementos de Apoio À disciplina de Direito Internacional do
Ambiente. Lisboa: AAFDL. 2008. P.380 e 381
Visto.
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