quarta-feira, 7 de maio de 2014

A Relevância do Princípio da Solidariedade Intergeracional para o Direito do Ambiente

A análise do princípio da solidariedade intergeracional é essencial no âmbito do Direito do Ambiente, uma vez que se trata de um princípio típico do mesmo. O tema escolhido permite perceber melhor o impacto que as nossas acções ou abstenções poderão ter no futuro, nomeadamente nas gerações vindouras. “Enquanto a ideia de justiça dos antigos era restrita ao presente, qualquer teoria sobre a justiça de hoje não consegue ficar alheia ao problema da distribuição desta mesma justiça frente às futuras gerações.”[1]

À excepção do Homem, nenhum animal tem qualquer preocupação pelas gerações que se sucedem. Essa capacidade humana de projectar sentimentos é a base da solidariedade entre as gerações. De facto, existe uma necessidade ética e moral de pôr este princípio em prática, nomeadamente atendendo ao uso e gozo dos recursos ambientais, garantindo um futuro condigno aos nossos descendentes.  O facto de o Homem poder vir a ser responsável pela extinção da sua espécie, gera um dever colectivo no que toca à utilização dos recursos ambientais. O princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis encontra consagração constitucional no artigo 60/2 al. d) da Constituição da República Portuguesa. Este princípio, directamente relacionado com o princípio da solidariedade intergeracional, “vem chamar a atenção para a escassez de bens ambientais, proibindo a tomada de decisões públicas que conduzam ao esbanjamento ou à delapidação dos recursos naturais.”[2] É então necessário adoptar critérios de ‘eficiência ambiental’ na tomada de decisões, de modo a racionalizar o aproveitamento dos recursos naturais.

A alteridade consiste na capacidade de o ser humano se colocar no lugar do outro. Trata-se de uma característica importante para o princípio da solidariedade intergeracional. As trocas intertemporais constrangem o agente neste aspecto, uma vez que o exercício das suas escolhas se orienta pela tentativa de maximização do seu bem-estar. Para Hume, as acções individuais regem-se pela utilidade, podendo refletir benefícios, ainda que não intencionais, em terceiros. Devemos então agir de tal modo que os efeitos de cada “acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica na Terra (...)” e não pondo “em perigo as condições da continuidade indefinida da humanidade na Terra”.[3]

O Estado Social e intervencionista deve (ou não) interferir de modo a velar pela felicidade dos indíviduos. Contudo, é bastante difícil limitar essa mesma intervenção, tendo em atenção que a felicidade se distingue do utilitarismo. Jeremy Bentham defendia a ideia de “mais felicidade para o maior número de pessoas”, o que consubstanciava o Princípio do Utilitarismo na medida em que este visava buscar institucionalmete mais prazer para os indivíduos, diminuindo a sua dor e sofrimento. Hoje a procura pela felicidade é diferente da proposta de Bentham , tendo sido resumida ao contexto das escolhas do agente – cada qual escolhe o que é mais vantajoso ou útil para si.
Não existe  um modelo sobre a medida da felicidade como parâmetro de política social. A felicidade cruza-se com a materialidade e é aí mesmo que entra a sua relação com ambiente. “O Ambiente enquanto recurso para o desenvolvimento económico tem sido contestado acerca da validade das suas premissas. Se não são as condições materiais que justificam a exploração dos recursos (...) qual o sentido dessa eterna busca pela exploração dos recursos ambientais?”[4].
As pessoas valorizam objectivos intrínsecos e afectivos mas é necessário ter em atenção que a felicidade varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Como tal, é um critério instável, apesar de ser um modelo ético que permite obter a satisfação através da satisfação do outro.

O indivíduo tende a viver com base no seu entorno, na sua realidade mais próxima. Como tal, é-lhe muito difícil conseguir projectar os seus actos para o dia de amanhã. Contudo, a ideia de solidariedade associada a uma concepção de comunidade fazem com que cada qual tenha uma ligação intertemporal que lhe permita utilizar os recursos ambientais de uma forma racional e razoável.

A ideia de património da Humanidade é importante no que toca à temática abordada. [5] A UNESCO lançou uma campanha com o fim de impulsionar o dever das presentes gerações em manter o património cultural comum de todos os seres humanos, atendendo à preservação dos recursos, sejam ambientais ou culturais, no campo das relações internacionais. Este foi um passo bastante importante que se repercutiu em diversos outros acontecimentos que foram decorrendo ao longo dos anos.
É muito difícil convergir esforços para a preservação de um património que não integra o círculo de individualidade de cada um. Ou seja, para as gerações actuais é muito complicado conceber qual será o conteúdo e dimensão dos direitos e interesses das gerações futuras e o reconhecimento de um património comum não implica que àquelas se atribua tutela jurídica. “O globo terrestre é considerado património colectivo comum, e por isso ninguém poderá dispor livremente do ambiente de forma a impor prejuízo aos outros. O sistema jurídico atual encontra ainda algumas barreiras técnicas para pressupor que as futuras gerações gozam de titularidade jurídica.”[6] Para além disso, não se pode afirmar que elas sejam titulares de qualquer legitimidade política. Da mesma forma que não se podem responsabilizar as gerações antecedentes por danos ambientais, também o dano ambiental praticado hoje e decorrente da utilização não planejada dos recursos ambientais, não será sancionado. Daí ser absolutamente necessário instituir-se uma noção de equidade.

No fim dos anos 60/inícios dos anos 70, surgem estudos a prever o esgotamento dos recursos ambientais não renováveis num prazo aproximado de 30 anos. Surgem então, pela primeira vez, questões relativas à solidariedade intergeracional. Como as previsões não se concretizaram, a própria reacção pública deixou de ser notória. “A força cogente das convenções ambientais é directamente proporcional à resistência dos Estados em auto-limitar-se nos seus direitos de exploração dos bens naturais mais valiosos do ponto de vista económico.”[7]

                O princípio da solidariedade intergeracional é basilar na medida em que é absolutamente necessário que vivamos com a noção de que dispor de um bem agora pode significar a sua escassez num momento futuro. Ou seja, quando alguém se aproveita de um recurso ambiental, é claro que a sua utilização um dia mais tarde estará restringida, pelo menos nas mesmas condições.  Para além disso, é também necessário notar que ”os preceitos morais só ganham contornos de juridicidade no momento em que o bem da vida a ser protegido é suficientemente relevante para justificar a tutela estatal.”[8]
Kant defendia a existência de uma poupança social em prol das gerações futuras e do seu bem-estar. O autor enfatizava a ideia de responsabilidade por as acções/omissões de cada um poderem vitimar quem nos sucede, realçando a noção de interacção humana e de prudentia a ela associada.
A solidariedade intergeracional distingue-se da solidariedade intrageracional. A primeira é a que estamos a analisar, enquanto que a segunda se caracteriza por ocorrer face às gerações imediatamente sucessivas (ex. Pais e filhos) e por nela dever assentar o princípio da poupança justa. Tal permitirá alargar temporalmente o objecto, possibilitando a relização justa das poupanças para as futuras gerações mais afastadas a nível temporal.

São várias as críticas que podem ser apontadas ao princípio em análise. A já mencionada dúvida quanto à titularidade de direitos/interesses das gerações futuras é uma delas, embora haja outras de extrema relevância. A ausência de uma autoridade central coordenadora é um factor que faz com que os indivíduos não se sintam pressionados. A consciencialização é, de certa forma, sugada pelo facto de não haver qualquer instituição em termos globais legitimada para tutelar as futuras gerações. “Não existe um dever geral de prevenção de danos ambientais oponível ao Estado (...) e mesmo no plano da responsabilidade por danos causados por poluição transfronteiriça, note-se que o protagonismo da vinculação indenizatória contraria a intenção preventiva que pontifica no Direito Ambiental.”[9]
Não há qualquer força jurídica que imponha ao Estado uma obrigação de obedecer a regras ambientais internacionais e também não se esquece o carácter comunitário, colectivo, metaindividual e difuso dos bens ambientais. Este grau zero de coercibilidade é realmente uma grande crítica a ser apontada, tendo em consideração que os Estados não querem limitar-se no que toca ao uso e gozo dos seus próprios recursos naturais. Assim se verifica que a preservação ambiental em favor das gerações futuras também apresenta custos, nomeadamente o seu não uso ou uso condicionado pelas gerações actuais.

“Todos fazem escolhas considerando o ambiente ao qual estão submetidos. E, nesta parte, tanto a política económica ambiental, quanto o aparato legislativo estatal, caminha a lentos passos para encontrar melhores alternativas para a aplicação do Princípio da solidariedade intergeracional.”[10] Cada país vive à sua velocidade, sendo difícil definir um critério padrão de preservação dos recursos ambientais. Ainda assim, é absolutamente necessário definir linhas orientadoras pelas quais os indivíduos se possam pautar, de modo a que a afectação dos recursos ambientais numa perspectiva futura seja significativamente menor. É necessário criar compromissos e apelar à consciência colectiva, através de políticas ambientais baseadas em juízos de razoabilidade e bom senso.



[1] Victor Hugo Domingues, in Recursos ambientais e futuras gerações: uma análise interdisciplinar sobre o princípio da solidariedade intergeracional. 2012, p.60

[2] Vasco Pereira da Silva, in Verde Cor de Direito. 2002. P.73 e 74

[3] Jorge Pereira da Silva, in Breve Ensaio sobre a Protecção Constitucional dos Direitos das Futuras Gerações. Em homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra: Almedina, 2010, p.7

[4] Victor Hugo Domingues, in Recursos ambientais e futuras gerações: uma análise interdisciplinar sobre o princípio da solidariedade intergeracional. 2012, p. 45

[5] Aquela tem origem na consideração dos oceanos como herança indivisa da Humanidade, lançada em 1832 por Andreas Bell . Carla Amado Gomes, in Direito Ambiental: o Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente. 2010. p. 66

[6] Victor Hugo Domingues, op. cit. P.51

[7] Carla Amado Gomes, in Elementos de apoio à disciplina de Direito Internacional do Ambiente. Lisboa. 2008. P. 370

[8] Victor Hugo Domingues, op. cit.p.55

[9] Carla Amado Gomes, in Elementos de Apoio À disciplina de Direito Internacional do Ambiente. Lisboa: AAFDL. 2008. P.380 e 381

[10] Victor Hugo Domingues, op. cit. p.80


Maria Pinto Basto Lourenço
nº 20944

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