sábado, 17 de maio de 2014

Breves notas sobre a Natureza Júridica da Responsabilidade Ambiental

O Decreto- Lei nº147/ 2008 (doravante, RJRDA) de 29 de Julho veio regular de forma mais aprofundada o regime jurídico da responsabilidade civil ecológica. Este regime tem nas suas várias disposições um natureza claramente preventiva e reparatória de , eventuais, danos ambientais que possam surguir. Este diploma surgiu na sequência da Diretiva nº 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004.
A problema que aqui afloraremos prende-se com a necessidade de determinar a natureza jurídica da Responsabilidade Ambiental. Porquanto, o diploma parece incluir nele dois modelos distintos , mas  que parecem coabitar em harmonia no mesmo. Se por um lado parece estar consagrado um modelo assente na concepção civilista que se reporta a dano patrimoniais e/ ou patrimoniais , por outro lado consagra um modelo publicista a danos ecológicos puros.[1] [2]
Da Directiva parece ter resultado uma preocupação dominante , isto para não dizer quase exclusiva, dos danos ecológicos com isto querendo se referir somente aqueles danos que ocorrem há natureza per se. Todavia, o legislador nacional ao consagrar o RJRDA parece ter feito coisa diferente. O quê? Consagrou no mesmo diploma no seu Cap. II. arts.º 7º e 8º - responsabilidade subjectiva e objectiva – uma responsabilidade civil eminentemente civilista em que o foco são a ocorrência de danos pessoais ou patrimoniais , ao passo que no Cap. III arts.º 12º e 13º - responsabilidade objectiva e subjectiva - consagrou aqui um sistema de responsabilidade que abrange os danos ecológicos per se. Qual o alcance da consagração desta dualidade de regimes? Como diz TIAGO ANTUNES “ o Cap.II admite diferentes formas de compensação dos sujeitos lesados (incluindo, na falta de outras alternativas, o pagamento de uma indeminização), já o Cap. III visou prevenir a ocorrência de danos ou, não sendo tal possível, repará-los in natura”[3].
Este casamento de modelos , por um lado o modelo civilista e, por outro lado o modelo jurídico- público, parece ser uma evidência destes diploma como aliás parece resultar do próprio preâmbulo do diploma quando aí se diz que “estabelece-se, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e objectiva nos termos do qual os operadores- poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um com portamento ambiental. Por outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa destinada a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a colectividade, transpondo desta forma para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2004/35/CE”.
Perante este regime bicéfalo, podemos perguntar se os dois tipos de reparação de danos – os do Cap. II e III – levarão ou não a uma cumulação das duas reparações em questão.
Perante este problema o RJRDA dá-nos uma resposta cabal ao mesmo, designadamente do seu art.º10. nº1 de acordo com o mesmo os lesados “ não podem exigir reparação nem indeminização pelos danos que invoquem na medida em que esses danos sejam reparados nos termos do capítulo seguinte. ”. Fazendo uma leitura imediata e á primeira vista parece-nos que a situação está completamente resolvida na medida em que , aparentemente, a lei considera que tratando-se de um dano ambiental e este for objecto de reparação , não há lugar à reparação  de danos pessoais ou patrimoniais. Todavia a questão não é assim tão linear. E porquê? A resposta está no RJRDA quando estabelece nos seus arts.º 12./2 e 13./2 determina que a reparação do dano ambiental que tenha lugar ao abrigo do Cap. III não prejudica a responsabilidade a que haja lugar nos termos do Cap.II. Perante este cenário de aparente contradição entre normas jurídicas temos que encontrar a solução... E tentando dar uma solução temos uma vez mais a posição de Tiago Antunes , que  acompanhamos na integra no que á resolução deste problema diz respeito. O autor diz e passo a citar “a resposta passa por reconhecer que os dois tipos de danos podem aparecer isoladamente ou em conjunto. Se aparecerem isoladamente , não se colocam quaisquer problemas : cada um será tutelado através do respectivo mecanismo de responsabilidade. Se, todavia, os dois tipos de danos surgirem de forma conjugada, i.e, se ambos resultarem da mesma conduta julgamos que o RJRDA manda aplicar primacialmente as medidas de prevenção e/ ou reparação do Cap. III. E depois, consoante os casos, duas consequências se podem verificar. Se as medidas de prevenção e/ ou reparação adoptadas permitem atalhar simultaneamente, quer o dano ecológico, quer o dano individual, já não haverá lugar a qualquer ressarcimento por via do Cap. II – é o que dispõe o art.10 /1 RJRDA. Ao invés, se as medidas de prevenção e/ou reparação adoptadas não permitirem pôr cobro, total ou parcialmente aos danos individuais, então actuará a responsabilidade civil clássica nos termos do Cap. II”[4].
Não obstante o entendimento enunciado existem vozes dissonantes na doutrina que consideram que no RJRDA estamos perante uma falsa bipolaridade introduzida pelo seus Cap. II  e III, neste sentido CARLA AMADO GOMES.[5]
A autora considera que o RJRDA foi para além daquilo que resultava da Directiva e ao criar o Cap. II dedicado à responsabilidade civil clássica veio gerar uma série de dúvidas no regime, designadamente pois com a introdução deste parece que Cap. III não se trata afinal de Responsabilidade civil , ou como melhor precisa a autora “se aplicaria este (Responsabilidade civil) mas apenas a entidades públicas, o que geraria um outro polo problemático, derivado da articulação com o regime da Lei 67/2007 ”[6] e, para além deste problema surge outro pois parece agora que o diploma contempla todo um conjunto de situações que, na verdade, se encontram clara e inequivocamente fora do seu âmbito de aplicação , isto porque, por um lado porque já temos no nosso código civil a matéria dos danos pessoais e patrimoniais tutelada pelos arts.º 483 e ss., por outro lado só o dano ecológico stricto sensu recomenda um regime especial de reparação ou compensação de lesões, em virtude da especificidade dos bens. Para reforçar a sua tese a autora diz mais... considera que a falsa bipolaridade atrás apontada , contudo, não vive sem ter a seu lado uma autêntica dualidade de natureza fáctica, traduzida na dupla faceta de todos os bens ambientais. Com exemplos compreendemos isto melhor. Senão vejamos : se por hipótese houver um dano que resulte na destruição, por fogo posto, de uma plantação de sobreiros, aqui a restauração natural embora constitua o tipo de reparação preferencial não é suficiente uma vez que subsistem outro tipo de danos, pois que os danos emergentes para o proprietário persistiram , uma vez que os sobreiros levam para atingir a idade adulta cerca de 20 anos.[7] Perante este exemplo conclui a autora “o regime de reparação do dano ecológico tem, na maior parte das vezes, de ser articulado com a reparação do dano patrimonial do proprietário do bem. Mas essa é uma bipolaridade autêntica, que a estrutura dos bens ambientais reclama e não um artifício inútil gerado pelo legislador e em nada suportado pela directiva”.[8] Daqui se depreende que a visão da autora vai no sentido de considerar que o RJDA é aplicável em sede de prevenção e reparação de danos ecológicos e só a estes. Com o devido respeito não tendo a concordar com a autora. Isto porque o legislador tem uma margem de conformação legislativa que lhe permite consagrar as soluções que melhor considere tutelarem os bens jurídicos carecidos de tutela e , sendo direito do ambiente uma área complexa faz todo o sentido que o legislador queira introduzir uma visão bifurcada dos danos a reparar no domínio ambiental, isto porque uma lesão ambiental como é sabido pode gerar diferentes danos, que em si tem natureza diversa. Assim sendo, podemos considerar que quando ocorra uma lesão ambiental não são só danos ecológicos que podem surguir, podendo a mais das vezes surgir também  danos que afectem o património de um individuo que assim se vê directamente atingido. Deste modo, não vejo que mal tem a lei consagrar num mesmo regime diferentes modalidades de responsabilidade que ocorrem em consequência de uma lesão ambiental. O ordenamento jurídico português só enriquece com isto! Dito isto, não podemos estar mais de acordo com a posição seguida por TIAGO ANTUNES que vê um sentido útil na bifurcação de modalidades de responsabilidade civil que se encontram consagrados no RJRDA, designadamente nos Cap. II e III , por tudo aquilo que supra se disse . Termino  citando o autor “julgamos que a bipolaridade do RJRDA é útil. Só assim poderemos almejar uma tutela completa e exaustiva do ambiente, em todas as suas dimensões (na dimensão objectiva, de salvaguarda dos bens ambientais naturais e da sua fruição difusa por toda a colectividade; e na dimensão subjectiva , de protecção das benesses que cada um de nós retira directa e individualmente da natureza).”[9]
  






[1] Tiago Antunes, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental , in Pelos Caminhos... pp. 354
[2] O autor considera até que a consagração de estas duas visões num mesmo diploma sobre a responsabilidade civil ecológica é benéfica isto porque como diz o mesmo “A verdade é que uma lesão ambiental pode gerar diferentes tipos de danos, com características bem distintas entre si. Não é só a contaminação do ambiente, são também os reflexos que essa contaminação tem sobre o bem-estar e o património de alguns indivíduos directamente atingidos ”, Tiago Antunes, Da Natureza ..., pp. 345, daí que a virtude deste regime resida na circunstância de proteger estas duas dimensões de danos que possam ocorrer.
[3] Tiago Antunes, Da Natureza Jurídica ... , in Pelos Caminhos... pp. 334
[4] Tiago Antunes, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade ... , in Pelos Caminhos pp. 357
[5] Carla Amado Gomes, De que falamos quando falamos de Dano Ambiental? ,pp. 153- 171
[6] Carla Amado Gomes, De que falamos quando falamos de Dano Ambiental? ,pp. 154

[7] Carla Amado Gomes, De que falamos quando falamos de Dano Ambiental? ,pp. 159 , o exemplo é extraído daqui.

[8] Carla Amado Gomes, De que falamos quando falamos de Dano Ambiental? ,pp. 160. A autora vais mais longe ao considerar que o Cap II deve assim ter-se por não escrito.

[9] Tiago Antunes, Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Ambiental , in Pelos Caminhos... pp. 355


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Trabalho realizado por: Edmilson Wagner dos Santos Conde , nº 19591 ; 4º ano subturma : 4

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