segunda-feira, 5 de maio de 2014

O Desvelar do véu do Princípio da Precaução


O princípio da precaução, não obstante todas as falhas que este comporta, tem encontrado guarida nos diversos sistemas legais de vários países. Este princípio quando tomado em toda a sua extensão impõe um ónus de prova que impende sobre os autores da criação de riscos potenciais, requerendo a regulamentação de actividades mesmo que não seja possível provar-se que estas produziram danos significativos ao ambiente. Cumpre agora desnudar este princípio, buscando com avidez o seu fundamento e utilidade. Na minha óptica, a aplicação deste princípio merece que lhe sejam levantadas uma miríade de óbices e reservas. Trata-se de um princípio que nos conduz a uma estrada orfã de qualquer rumo. No entanto, não obstante a falta de utilidade do princípio, verificamos que este tem sido acolhido “worldwide”. O propósito desta exposição é desvelar as brumas que o envolvem, dismistificando-o e compreendendo que decorre das “falácias cognitivas” do ser Humano a sua global aplicação.
O princípio da precaução é o acolher expresso da máxima “better safe than sorry”. O principal problema dos defensores deste princípio concerne ao facto de estes apresentarem uma visão redutora do Mundo, vêem-no literalmente por uma janela, o que lhes tolda a visão e ulterior raciocínio.
A meu ver, só um esclarecido entendimento da racionalidade e das capacidades cognitivas do ser humano, poderá ser a candeia que alumia o bréu que cerca os alicerces deste princípio.
É hora de retirar a “Ísis o seu véu”, explanando claramente e iluminado através da razão, quais as grandes razões do acolhimento de um princípio tão vazio de conteúdo, quando tomado na sua versão forte.
1) Loss aversion. O ser humano gosta menos de perdas e nelas centra muito mais o seu foco do que nos “profits”. O Homem sofre insanavelmente deste vício, o que faz que especial mente em contexto de perdas ou riscos de uma determinada actividade, tenda a considerar apenas os efeitos negativos, ficando os efeitos positivos totalmente olvidados do seu raciocínio. Isto é ainda agravado pelo facto do ser humano nutrir mais afeição por riscos que lhe são familiares do que por riscos novos. Os novos disparam mais facilmente o alarme na sociedade.
2) O mito da Natureza benevolente. Há uma crença generalizada de que a natureza é essencialmente benigna, sendo apenas colocada em risco aquando de intervenções de índole humana, tal é ainda amplificado se colocarmos na balança o uso de novas tecnologias. O ser Humano não nutre grande afeição por deixar o seu leito de conforto, isto é, há uma tendência global de luta para a manutenção do status quo, dado o medo do desconhecido que impregna a nossa natureza desde tempos imemoriais. A Natureza jaz num equilíbrio perfeito e é a intervenção humana que a conspurca. Os estudos científicos mostram precisamente o contrário: A Natureza está em permanente mudança e o Homem tem necessariamente de intervir para proteger o seu habitáculo.
3) The availability heuristic. A assimetria informativa está presente e infirma todas as decisões que tomamos. O ser humano não é divino, não é omnisciente, existem riscos que simplesmente estão cognitivamente menos avaliáveis, daí que a nossa razão gravite apenas em torno dos riscos que conseguimos apurar. Tal assume contornos gritantes quando estamos perante a análise de diversos riscos, pois existem riscos ambientais que são ainda ampliados pelos meios de comunicação, gerando-se um sentimento de alarme no seio da sociedade. ( ex: energia nuclear vs aquecimento global).
4) Desconsideração do conceito de Probabilidade.  O ser humano tenderá a colocar a tónica não na percentagem numérica da probabilidade de acontecimento de um risco ambiental, cingindo-se ao raciocínio simplista, e redutor de auferir a possibilidade de ocorrência. Se assim for, a nossa economia de mercado paralisa, torna-se inerte, pois todas as actividades comportam a possibilidade de ocorrência de riscos ambientais.
5) System Neglect. O nosso raciocínio assume as vestes redutoras dadas pela informação que possuímos. Há um desconsiderar do chamado “efeito sistema”, limitamo-nos a olhar redutivamente para o problema colocado, olvidando-nos de auferir quais são as implicações que a tomada de uma determinada medida terá no sistema completo.
O princípio da precaução só será útil se for temperado e erodido por uma análise económica. Só uma sujeição do mesmo ao crivo da máquina económica nos permitirá compreender as razões pelas quais defendo o seu abandono (na sua versão forte). Deste modo, só um entendimento esclarecido das consequências da adopção do adágio “ better safe than sorry”, poderão revelar as utilidades e “abismos” que uma adopção sem reservas do princípio alberga no seu seio. De ressalvar novamente que é a versão forte do princípio que merece a mais verrina crítica, pois a mera especulação não pode paralisar a tomada de decisões. A presunção que este contém a favor da inacção é completamente atentatória da lógica de mercado No que diz respeito à sua versão fraca, o princípio da precaução é completamente inatacável e os fundamentos que o alicerçam são plenos de sentido e utilidade. Nos Estados Unidos o princípio também faz parte da consciência jurídica da comunidade mas dada a sua tradição arreigadamente capitalista verifica-se que os factores económicos já entram na ponderação da tomada de decisões. Para o corroborar, 50% dos americanos recentemente acordaram que até estarem seguros que o aquecimento global é de facto um problema não deviam ser tomadas quaisquer decisões que tivessem custos económicos. Já no velho continente há uma manifesta afeição pelo princípio na sua vertente forte. No país do “Uncle Sam” há um constante balancear dos interesses em jogo (riscos ambientais vs qualidade de vida da população), já no nosso continente o princípio continua a castrar a iniciativa económica, impondo na minha óptica uma regulamentação exacerbada em vários casos. Em suma nos E.U.A há uma “wide view” enquanto na Europa continuamos com uma “narrow view”. Reveste-se ainda de moldes profícuos o levantamento da questão de saber se de facto a regulamentação estatal é de facto a via adequada para implementar o princípio da precaução. Não estará o estado, com os seus apetites abusivos a castrar a população de receber os benefícios que uma data actividade poderia causar? Atentemos por exemplo no caso da regulamentação estatal, em homenagem ao princípio da precaução, se dificultarmos o aparecimento de novos medicamentos no mercado pelos prejuízos que tal poderá causar à saúde pública, tal não estará a privar-nos dos potenciais benefícios que os mesmos nos poderiam dar? Outro caso fecundo para a discussão concerne à discussão em torno da energia nuclear, dados os prejuízos ambientais que os paladinos do princípio da precaução acerrimamente advogam. Olvidam-se que caso se proíba a utilização de energia, tal terá consequências sistémicas nefastas, dado que aumentará a dependência nos combustíveis fósseis (já escassos). Um outro caso será o da proibição de testes militares, balizando a protecção de mamíferos marítimos. Como pode o princípio da precaução (versão forte) dar resposta a estas questões? A resposta é clara e trivial : não pode. O núcleo redutor em torno do qual orbita, fustiga-o, castra-o e como parasita conspurca-o, impedindo-o de ser aproveitado e dele ser retirada a sua utilidade. O princípio levado ao seu expoente máximo, retira da balança a elementar análise económica custo-benefício, desprovindo-se de qualquer conteúdo útil e inteligível. Considero que o princípio da precaução na sua vertente forte deve ser celeremente banido do nosso vocabulário jurídico, porque envolve o mercado nas suas candeias reguladoras, castrando a lógica de liberdade, apanágio da iniciativa económica que é a sua força motriz. Se caminharmos na senda deste princípio, o rumo da demanda levará a parte nenhuma porque todas as decisões de regulamentação estatal albergam no seu amago a possibilidade de riscos ambientais, por mais diminutos que sejam. A adopção deste principío sem qualquer barreira conduz a um primado da protecção ambiental sobre a pessoa humana, dado o enfoque que este coloca apenas nos riscos e não nos benefícios de que resulta a prossecução de uma certa actividade. Por outro lado, o princípio da precaução alicerça-se na especulação, impõe o statuos quo existente e fomenta a inércia económica, o que tem efeitos de pendor bem mais nefasto que grande parte dos que visa evitar. Um dos méritos deste princípio é o cunho arreigado de protecção a que este submete as gerações futuras, radicando aí a sua ratio. Todavia, a inércia e a cristalização que este propugna inferem decisivamente no bem estar das gerações vindouras. Pondo a tónica na necessidade de tomar decisões de escopo alargado, isto é pensando no futuro este princípio acaba por condenar as gerações futuras, por não permitir avanços na melhoria da qualidade de vida.
É um princípio que hodiernamente se deveria já encontrar nos cuidados “paliativos”, pois a sua extinção avizinha-se, dado que é aliénigena ao mercado liberal. A inacção que este impõe é adversa ao progresso e nas palavras do ilustre António Gedeão o Mundo tem de pular e avançar.

Bibliografia:
GOMES Canotilho, «Introdução ao Direito do Ambiente», Universidade Aberta,
Lisboa, 1998.
Vasco Pereira da Silva, «Verde Cor de Direito – Lições de Direito do
Ambiente», Almedina, Coimbra, 2002.
Cass R. Sunstein, Beyon the precautionary principle, University of Chicago,2003








Ricardo Moniz
19831
Subturma 4

3 comentários:

  1. Respostas
    1. As mais sinceras desculpas, olvidei-me de a colocar. Ressalvo que o post já se encontra actualizado.


      Ricardo Moniz, subturma4, 19831

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    2. As mais sinceras desculpas, olvidei-me de a colocar. Ressalvo que o post já se encontra actualizado.


      Ricardo Moniz, subturma4, 19831

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