O
ambiente foi ganhando importância social, facto que veio justificar o
surgimento do Direito Sancionatório do Ambiente, permitindo uma atuação perante
agressões ambientais que se possam verificar. Para a tutela do ambiente há duas
vias que podem ser tomadas em consideração, por um lado, a via penal, por
outro, a via contraordenacional ou sancionatória. Enquanto a primeira se restringe
aos casos mais graves (de acordo com um principio de intervenção mínima) pois
está em causa a privação da liberdade, pena mais grave do nosso ordenamento
jurídico, a segunda prende-se essencialmente com uma realidade pecuniária –
coima.
Perante
duas vias de tutelar o ambiente alguma deve prevalecer ou deverá antes
compatibilizar-se as vias? Professores como Carla Amado Gomes e Vasco Pereira
da Silva entendem, a meu ver bem, que do Ambiente não pode estar reservado apenas
a uma tutela penal pois, ela é entendida como reservada apenas para as
agressões mais graves, tal como já foi dito. Assim, é impetuosa uma via de
complementaridade da tutela penal ambiental com tutela contraordenacional ou
sancionatória do ambiente, nos termos em que a tutela contraordenacional está
associada à tutela administrativa geral através das sanções acessórias e, a
tutela penal associada a casos que geram situações ou agressões mais gravosas,
ou com consagração penal por se encontrarem inscritos no Código Penal.
Assim,
proclama-se uma complementaridade entre as duas opções de tutela de forma a
evitar uma sanção demasiado penosa para certas situações que podem originar que
em certos casos a sanção seja demasiado desequilibrada para a ação a punir ou,
por outro lado, evitar situações em que uma mera coima traduziria uma
impunidade do infrator tendo em conta a sua ação. Assim, pretende-se um
equilíbrio e uma ponderação dos interesses em causa de forma a encontrar a
solução mais adequada em cada caso concreto, tendo em conta os princípios e
valores do sistema jurídico, nos termos em que às condutas mais graves
corresponderá uma tutela penal, enquanto às menos gravosas cabe a tutela
contraordenacional.
Antes
de mais, será relevante mencionar qual o conceito de contraordenação para a Lei
nº50/2006, lei que consagra o regime das contraordenações ambientais e, deste
modo, unifica a matéria respeitante às contraordenações ambientais num só
diploma. No seu art.1.º/2, a Lei nº50/2006 determina que as contraordenações
ambientais correspondem “a qualquer facto ilícito e censurável que
consubstancie uma violação de disposições legais e regulamentares relativas ao
ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma
coima”.
No
que toca em concreto à tutela contraordenacional do ambiente, que encontra o
seu fundamento no art.47.º LBA e, que se justifica pela necessidade de
unificação das múltiplas previsões dispersadas em diversos diplomas sectoriais
originando um reforço da unidade da ordem jurídica, podem apontam-se como
vantagens deste meio “uma maior celeridade e eficácia na punição do infrator
ambiental, que decorre da simplicidade do procedimento administrativo; a
responsabilização não apenas dos indivíduos mas também das pessoas coletivas,
alargando o universo dos sujeitos a quem pode ser imputado um comportamento
delitual; a salvaguarda da autonomia do Direito Penal que não necessita de
estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas”. Mas,
podem ser enumerados alguns inconvenientes, nomeadamente “a diminuição das
garantias de defesa dos particulares, a tendência para a banalização das
atuações delituais em matéria de ambiente e a tendência para a transformação da
sanção pecuniária num simples custo da atividade económica poluente” (Vasco
Pereira da Silva). O Professor Vasco Pereira da Silva entende que esta lei
consagra uma evolução em certos aspetos ambientais, afirmando que a tutela
sancionatória tem vindo a ganhar importância. Por sua vez, a professora Carla
Amado Gomes faz algumas críticas, principalmente ao conceito de
contraordenações, por o considerar demasiado impreciso.
Analisando
o diploma em questão verificamos que está repartido em duas partes: a primeira que
diz respeito ao regime substantivo, enquanto a segunda respeita à fase
procedimental. No regime da Lei nº50/2006 quanto à parte procedimental, pelo
descrito na Lei em análise pode-se enumerar as fases processuais, que segundo a
Professora Carla Amado Gomes são: a primeira fase que é a fase das medidas
cautelares especificadas no art.41.º/1, a segunda fase será a fase das
notificações (arts.43.º e 44.º) e a notificação como arguido (arts.45.º, 46.º e
49.º); em terceiro lugar temos a fase de instrução que tem de garantir as
defesas do arguido; por último temos a fase da condenação na qual temos quatro
hipóteses:
·
O arguido paga a coima e submete-se à
sanção pecuniária acessória, sem as contestar
·
O arguido paga a coima mas impugna-a
·
O arguido não paga a coima mas também
não a impugna, situação em que a Administração passa à execução
·
O arguido não paga e impugna
judicialmente a contraordenação aplicada
Assim,
ponderando quer os pontos positivos quer os pontos negativos do regime
conclui-se que há que fazer uma ponderação equilibrada de todas as sanções
administrativas aplicáveis, não esquecendo que, tal como o professor Vasco
Pereira da Silva esclarece, “ a via mais indicada para a tutela sancionatória
do ambiente não dispensa a criminalização das condutas mais graves de lesão
ecológica, já que a defesa do ambiente é parte integrante dos valores
fundamentais a sociedade em que vivemos e corresponde a exigências de
realização da dignidade da pessoa humana, mas sem que isso signifique a
banalização do Direito Penal do Ambiente, pois o modo normal de reação contra
delitos ambientais deve ser antes o das sanções administrativas ou
contraordenações”. Deste modo e, identificando-me com este ponto de vista,
considerando que a tutela contraordenacional tem como critério predominante a
reparação do dano e a desmotivação do infrator através do prejuízo pecuniário causado
pela sanção (pois para se aplicar a tutela contraordenacional não é necessária
a verificação de um dano ecológico, bastando-se com a prevenção do dano,
através da aplicação de sanções pelo mero incumprimento de deveres legais), é
um mecanismo adequado para tutelar situações que podem pôr em causa o bem
jurídico ambiente.
Assim,
para o professor Vasco Pereira da Silva, quanto à questão de saber qual o
modelo preferencial de tutela “diria ter sido privilegiada a via
administrativa, o que decorre tanto do facto de a maior parte dos delitos
ambientais corresponder a contraordenações, como do limitado elenco dos mais
graves comportamentos antijurídicos lesivos do ambiente”, uma vez que no nosso
Código Penal estão de forma restrita elencadas as condutas que são tidas como
crimes ambientais, punidas através de uma tutela penal.
A
tutela do ambiente é, então, realizada preferencialmente pela via
contraordenacional cabendo a maioria dos tipos sancionatórios de violação de
bens ambientais, dado que apenas alguns casos, como dito supra, cabem na previsão do Código Penal. Desta forma, surgiu a
necessidade de legislativa de criação de tal Lei, que concebe um regime
jurídico especial para as contraordenações ambientais relativamente ao Regime
Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social consagrado no DL nº433/82, 27 de
Outubro. Esta Lei prevê uma serie de alterações significativas: intenção do
nosso ordenamento jurídico de levar a sério a tutela sancionatória do ambiente
em matéria contraordenacional; representa uma tentativa de codificação deste
domínio; procede à adaptação ao domínio ambiental da regulação de determinadas
matérias para as quais não se encontra resposta satisfatória no DL nº 433/82,
27 de Outubro; alargamento da esfera da responsabilidade contraordenacional das
pessoas coletivas; a introdução de medidas cautelares especificamente pensadas
para as infrações ambientais; a adoção de sanções acessórias (art.30.º L
nº50/2006); a abertura do procedimento mediante auto de notícia ou participação
das autoridades administrativas (art.45.º L nº50/2006); estabelecimento de um
prazo específico para a realização da instrução dos procedimentos
contraordenacionais em matéria ambiental (art.48.º L nº50/2006).
Contudo,
esta lei é alvo de algumas críticas, pelo que o Professor Vasco Pereira da
Silva enumera a técnica legislativa adotada pois repete normas gerais que já
seriam aplicáveis sem este regime, a ausência de codificação da parte especial
do Direito Contraordenacional do Ambiente, assim como a excessiva abertura de
normas sancionatórias susceptíveis de por em causa os princípios da legalidade
e da tipicidade das infrações e das sanções constantes do art.29.º/1 CRP e a
perplexidade causada pela razão de ser das normas que procedem à classificação
das contraordenações em leves, graves e muito graves (art.21.º l nº50/2006).
Também o Professor António Leones Dantas invoca algumas alterações que ficaram
aquém do desejado, nomeadamente porque “em muitos casos essas alterações
retomem soluções que já vigoravam noutros setores de atividade por força dos
regimes específicos aí vigentes, pelo que deveria ter sido objeto de uma
ponderação mais aprofundada”.
As
contraordenações neste diploma foram divididas em leves, graves e muito graves,
tal como esclarece o art.21.º, sendo puníveis a título de dolo ou de
negligência, pelo que a tentativa também será punível nas contraordenações
graves e muito graves, nos termos dos arts. 9.º e 10.º, todos da Lei nº50/2006.
Por último, há que fazer uma breve referência à consagração de sanções
acessórias (art.30.º Lei nº5502006), ou seja, para além da coima pode ser
aplicada também, àquele que violar normas ambientais ou provocar uma lesão o
ambiente, uma medida que tem como finalidade evitar que se continue a cometer
tais lesões. O Professor Vasco Pereira da Silva faz uma crítica pertinente em
relação ao facto de tais sanções terem carater apenas acessório e se aplicarem
apenas aos casos de infrações graves e muito graves, uma vez que tais medidas
são muito mais adequadas e eficazes para a tutela dos bens ambientais, pelo que
o Professor considera que devia de ser entendidas como sanções principais.
Em
suma, uma das mais-valias da tutela contraordenacional é a possibilidade de
prevenir danos futuros pois através esta tutela pode-se evitar a violação de
normas ambientais pois, como já se mencionou
supra, para atuar a tutela contraordenacional não é necessário que se
verifique um dano, dado que para o ilícito administrativo basta a violação de
deveres de prevenção do risco não tendo ainda este se verificado. Apesar deste
comentário se referir em concreto à tutela contraordenacional, considero que
uma conjugação do sistema penal com a tutela contraordenacional do ambiente
permite-se uma maior ponderação e equilíbrio das sanções aplicadas em cada caso
concreto de forma a e aplicar de forma justa e equilibrada uma sanção que seja
julga adequada e proporcional contra comportamentos lesivos do ambiente.
Joana
Matias, nº19648
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, “Verde cor de Direito – Lições de Direito do
Ambiente”, Almedina, 2002
SILVA, Vasco Pereira da, “Breve
nota sobre o direito sancionatório do ambiente”, in Direito Sancionatório
das autoridades reguladoras, coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias,
Paulo Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2009.
DANTAS, António Leones, “O
processo das contra-ordenações na Lei 50/2006”, in Regulação em Portugal,
Coimbra, 2009;
GOMES, Carla Amado, “As
contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto:
considerações gerais e observações tópicas” in Estudos em Homenagem a
Miguel Galvão Teles, Coimbra, 2012
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