quinta-feira, 15 de maio de 2014

As contraordenações na Lei 50/2006



O ambiente foi ganhando importância social, facto que veio justificar o surgimento do Direito Sancionatório do Ambiente, permitindo uma atuação perante agressões ambientais que se possam verificar. Para a tutela do ambiente há duas vias que podem ser tomadas em consideração, por um lado, a via penal, por outro, a via contraordenacional ou sancionatória. Enquanto a primeira se restringe aos casos mais graves (de acordo com um principio de intervenção mínima) pois está em causa a privação da liberdade, pena mais grave do nosso ordenamento jurídico, a segunda prende-se essencialmente com uma realidade pecuniária – coima.
Perante duas vias de tutelar o ambiente alguma deve prevalecer ou deverá antes compatibilizar-se as vias? Professores como Carla Amado Gomes e Vasco Pereira da Silva entendem, a meu ver bem, que do Ambiente não pode estar reservado apenas a uma tutela penal pois, ela é entendida como reservada apenas para as agressões mais graves, tal como já foi dito. Assim, é impetuosa uma via de complementaridade da tutela penal ambiental com tutela contraordenacional ou sancionatória do ambiente, nos termos em que a tutela contraordenacional está associada à tutela administrativa geral através das sanções acessórias e, a tutela penal associada a casos que geram situações ou agressões mais gravosas, ou com consagração penal por se encontrarem inscritos no Código Penal.
Assim, proclama-se uma complementaridade entre as duas opções de tutela de forma a evitar uma sanção demasiado penosa para certas situações que podem originar que em certos casos a sanção seja demasiado desequilibrada para a ação a punir ou, por outro lado, evitar situações em que uma mera coima traduziria uma impunidade do infrator tendo em conta a sua ação. Assim, pretende-se um equilíbrio e uma ponderação dos interesses em causa de forma a encontrar a solução mais adequada em cada caso concreto, tendo em conta os princípios e valores do sistema jurídico, nos termos em que às condutas mais graves corresponderá uma tutela penal, enquanto às menos gravosas cabe a tutela contraordenacional.
Antes de mais, será relevante mencionar qual o conceito de contraordenação para a Lei nº50/2006, lei que consagra o regime das contraordenações ambientais e, deste modo, unifica a matéria respeitante às contraordenações ambientais num só diploma. No seu art.1.º/2, a Lei nº50/2006 determina que as contraordenações ambientais correspondem “a qualquer facto ilícito e censurável que consubstancie uma violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”.
No que toca em concreto à tutela contraordenacional do ambiente, que encontra o seu fundamento no art.47.º LBA e, que se justifica pela necessidade de unificação das múltiplas previsões dispersadas em diversos diplomas sectoriais originando um reforço da unidade da ordem jurídica, podem apontam-se como vantagens deste meio “uma maior celeridade e eficácia na punição do infrator ambiental, que decorre da simplicidade do procedimento administrativo; a responsabilização não apenas dos indivíduos mas também das pessoas coletivas, alargando o universo dos sujeitos a quem pode ser imputado um comportamento delitual; a salvaguarda da autonomia do Direito Penal que não necessita de estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas”. Mas, podem ser enumerados alguns inconvenientes, nomeadamente “a diminuição das garantias de defesa dos particulares, a tendência para a banalização das atuações delituais em matéria de ambiente e a tendência para a transformação da sanção pecuniária num simples custo da atividade económica poluente” (Vasco Pereira da Silva). O Professor Vasco Pereira da Silva entende que esta lei consagra uma evolução em certos aspetos ambientais, afirmando que a tutela sancionatória tem vindo a ganhar importância. Por sua vez, a professora Carla Amado Gomes faz algumas críticas, principalmente ao conceito de contraordenações, por o considerar demasiado impreciso.
Analisando o diploma em questão verificamos que está repartido em duas partes: a primeira que diz respeito ao regime substantivo, enquanto a segunda respeita à fase procedimental. No regime da Lei nº50/2006 quanto à parte procedimental, pelo descrito na Lei em análise pode-se enumerar as fases processuais, que segundo a Professora Carla Amado Gomes são: a primeira fase que é a fase das medidas cautelares especificadas no art.41.º/1, a segunda fase será a fase das notificações (arts.43.º e 44.º) e a notificação como arguido (arts.45.º, 46.º e 49.º); em terceiro lugar temos a fase de instrução que tem de garantir as defesas do arguido; por último temos a fase da condenação na qual temos quatro hipóteses:
·         O arguido paga a coima e submete-se à sanção pecuniária acessória, sem as contestar
·         O arguido paga a coima mas impugna-a
·         O arguido não paga a coima mas também não a impugna, situação em que a Administração passa à execução
·         O arguido não paga e impugna judicialmente a contraordenação aplicada
Assim, ponderando quer os pontos positivos quer os pontos negativos do regime conclui-se que há que fazer uma ponderação equilibrada de todas as sanções administrativas aplicáveis, não esquecendo que, tal como o professor Vasco Pereira da Silva esclarece, “ a via mais indicada para a tutela sancionatória do ambiente não dispensa a criminalização das condutas mais graves de lesão ecológica, já que a defesa do ambiente é parte integrante dos valores fundamentais a sociedade em que vivemos e corresponde a exigências de realização da dignidade da pessoa humana, mas sem que isso signifique a banalização do Direito Penal do Ambiente, pois o modo normal de reação contra delitos ambientais deve ser antes o das sanções administrativas ou contraordenações”. Deste modo e, identificando-me com este ponto de vista, considerando que a tutela contraordenacional tem como critério predominante a reparação do dano e a desmotivação do infrator através do prejuízo pecuniário causado pela sanção (pois para se aplicar a tutela contraordenacional não é necessária a verificação de um dano ecológico, bastando-se com a prevenção do dano, através da aplicação de sanções pelo mero incumprimento de deveres legais), é um mecanismo adequado para tutelar situações que podem pôr em causa o bem jurídico ambiente.
Assim, para o professor Vasco Pereira da Silva, quanto à questão de saber qual o modelo preferencial de tutela “diria ter sido privilegiada a via administrativa, o que decorre tanto do facto de a maior parte dos delitos ambientais corresponder a contraordenações, como do limitado elenco dos mais graves comportamentos antijurídicos lesivos do ambiente”, uma vez que no nosso Código Penal estão de forma restrita elencadas as condutas que são tidas como crimes ambientais, punidas através de uma tutela penal.
A tutela do ambiente é, então, realizada preferencialmente pela via contraordenacional cabendo a maioria dos tipos sancionatórios de violação de bens ambientais, dado que apenas alguns casos, como dito supra, cabem na previsão do Código Penal. Desta forma, surgiu a necessidade de legislativa de criação de tal Lei, que concebe um regime jurídico especial para as contraordenações ambientais relativamente ao Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social consagrado no DL nº433/82, 27 de Outubro. Esta Lei prevê uma serie de alterações significativas: intenção do nosso ordenamento jurídico de levar a sério a tutela sancionatória do ambiente em matéria contraordenacional; representa uma tentativa de codificação deste domínio; procede à adaptação ao domínio ambiental da regulação de determinadas matérias para as quais não se encontra resposta satisfatória no DL nº 433/82, 27 de Outubro; alargamento da esfera da responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas; a introdução de medidas cautelares especificamente pensadas para as infrações ambientais; a adoção de sanções acessórias (art.30.º L nº50/2006); a abertura do procedimento mediante auto de notícia ou participação das autoridades administrativas (art.45.º L nº50/2006); estabelecimento de um prazo específico para a realização da instrução dos procedimentos contraordenacionais em matéria ambiental (art.48.º L nº50/2006).
Contudo, esta lei é alvo de algumas críticas, pelo que o Professor Vasco Pereira da Silva enumera a técnica legislativa adotada pois repete normas gerais que já seriam aplicáveis sem este regime, a ausência de codificação da parte especial do Direito Contraordenacional do Ambiente, assim como a excessiva abertura de normas sancionatórias susceptíveis de por em causa os princípios da legalidade e da tipicidade das infrações e das sanções constantes do art.29.º/1 CRP e a perplexidade causada pela razão de ser das normas que procedem à classificação das contraordenações em leves, graves e muito graves (art.21.º l nº50/2006). Também o Professor António Leones Dantas invoca algumas alterações que ficaram aquém do desejado, nomeadamente porque “em muitos casos essas alterações retomem soluções que já vigoravam noutros setores de atividade por força dos regimes específicos aí vigentes, pelo que deveria ter sido objeto de uma ponderação mais aprofundada”.
As contraordenações neste diploma foram divididas em leves, graves e muito graves, tal como esclarece o art.21.º, sendo puníveis a título de dolo ou de negligência, pelo que a tentativa também será punível nas contraordenações graves e muito graves, nos termos dos arts. 9.º e 10.º, todos da Lei nº50/2006. Por último, há que fazer uma breve referência à consagração de sanções acessórias (art.30.º Lei nº5502006), ou seja, para além da coima pode ser aplicada também, àquele que violar normas ambientais ou provocar uma lesão o ambiente, uma medida que tem como finalidade evitar que se continue a cometer tais lesões. O Professor Vasco Pereira da Silva faz uma crítica pertinente em relação ao facto de tais sanções terem carater apenas acessório e se aplicarem apenas aos casos de infrações graves e muito graves, uma vez que tais medidas são muito mais adequadas e eficazes para a tutela dos bens ambientais, pelo que o Professor considera que devia de ser entendidas como sanções principais.
Em suma, uma das mais-valias da tutela contraordenacional é a possibilidade de prevenir danos futuros pois através esta tutela pode-se evitar a violação de normas ambientais pois, como já se mencionou supra, para atuar a tutela contraordenacional não é necessário que se verifique um dano, dado que para o ilícito administrativo basta a violação de deveres de prevenção do risco não tendo ainda este se verificado. Apesar deste comentário se referir em concreto à tutela contraordenacional, considero que uma conjugação do sistema penal com a tutela contraordenacional do ambiente permite-se uma maior ponderação e equilíbrio das sanções aplicadas em cada caso concreto de forma a e aplicar de forma justa e equilibrada uma sanção que seja julga adequada e proporcional contra comportamentos lesivos do ambiente.
Joana Matias, nº19648

Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira, “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2002
SILVA, Vasco Pereira da, “Breve nota sobre o direito sancionatório do ambiente”, in Direito Sancionatório das autoridades reguladoras, coord. Maria Fernanda Palma, Augusto Silva Dias, Paulo Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2009.
DANTAS, António Leones, “O processo das contra-ordenações na Lei 50/2006”, in Regulação em Portugal, Coimbra, 2009;
GOMES, Carla Amado, “As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: considerações gerais e observações tópicas” in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Coimbra, 2012

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