Desde
os últimos séculos, com a Revolução Industrial com a sua mea culpa a ser a impulsionadora, a acrescer aos avanços
tecnológicos e às atividades por que se pauta o motor económico da nossa
sociedade, os impactos ambientais têm vindo a aumentar, pelo que aquela tem
sido caracterizada como uma sociedade de risco.
Neste
seguimento, o Ambiente tem vindo a obter uma maior tutela, externa e
internamente - a nível constitucional com a sua consagração no artigo 66º da
Constituição da República Portuguesa, bem como legal com a legislação em massa
até então criada.
Após
o exposto, cumpre realçar que, uma vez que estamos perante bens que são lesados
diariamente pelas mais diversas atividades humanas, o dito “mais vale prevenir
do que remediar” está cada vez mais presente no âmbito ambiental.
Abstratamente, o evitar absoluto de
qualquer dano é praticamente impossível, pelo que a ideia de prevenção passa
pela maior fiscalização e acompanhamento no processo, nomeadamente no que
respeita à passagem de licenças para que qualquer atuação esteja conforme a lei
(no que respeita aos níveis de descargas permitidas, por exemplo), assim como,
numa fase posterior, nos tribunais com a possibilidade da obtenção de decisões
finais com prazos menores – nos processos urgentes – ou no recorrer a
providências cautelares, para que os danos sejam menores ou que lesões sejam
irreversíveis. São sobre estes últimos – a tutela cautelar, a título principal
- que a nossa análise se vai debruçar.
a)
Processos
Urgentes
O regime das formas do processo
administrativo declarativo concretiza-se na previsão de duas formas de processo
que poderíamos qualificar como não-urgentes
e de quatro formas de processo que o próprio Código qualifica e regula
como urgentes - cfr. artigos 35º, nº 2, e 36º, nº 1, alíneas a) a d)) e
regulados no Título IV (artigos 97º e seguintes).
Na medida em
que se preencham os pressupostos que o Código estabelece para cada um destes
quatro processos urgentes, os interessados podem, assim, utilizar estes meios
em vez dos meios não-urgentes, por forma a procurar obter com maior celeridade
uma decisão de mérito sobre as suas pretensões — com casos podem chegar a
ser solucionadas num prazo de 48h (veja-se o artigo 111º CPTA). Aqui
Dos processos principais urgentes –
artigos 97º e seguintes do CPTA – no seio do Direito Ambiental, apenas dois têm
importância prática: o de intimação para prestação de informações, consulta de
processos ou passagem de certidões (artigo 104º a 109º CPTA) e o de intimação
para proteção de direitos, liberdades e garantias (artigo 20º/5 CRP e 109º a
111º CPTA).
Quanto
à intimação para prestação de
informações, consulta de processos ou passagem de certidões, esta está pensada
para os casos de inércia ou recusa da Administração. Imagine-se o caso em que a
entidade x pretende saber os resultados de testes de qualidade da água feitos
num dado local e a Administração não lhe responde. Desta feita, a dita entidade
pode recorrer a este meio de forma a condenar a Administração a facultar as
informações requeridas, direito esse sustentado constitucionalmente pelo artigo
268º/1 e 2.
Mais problemática tem sido a situação da
intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Uma vez que o
ambiente constitui um direito fundamental pelo artigo 66º da CRP, integrado no
título III relativo a direitos e deveres económicos, sociais e culturais, e
sendo denominado comummente como um direito que integra elementos destes e
outros “análogos a direitos, liberdades e garantias” será que integra
plenamente o conceito de direitos, liberdades e garantias requerido no âmbito
deste processo? Existe uma maior tendência para alargar o âmbito de aplicação
deste meio processual, considerando que se deve aplicar a direitos análogos com
consagração constitucional. Corroboro esta posição, visto que o fim visado pelos
processos urgentes e as vantagens daí advenientes no seio do Direito do
Ambiente seriam inconvenientemente ignorados, criando problemas e chegando a
resultados insustentáveis ou mesmo irreversíveis por uma questão que, para mim,
pode ser perfeitamente secundarizada face ao que realmente é relevante –
“direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o
dever de o defender”.
Relativamente
a este processo urgente, urge ainda mencionar a subsidiariedade estabelecida no
artigo 109º/1 CPTA face à tutela cautelar, mais precisamente ao artigo 131º
CPTA. Aquela explica-se pelo simples facto de, principalmente em assuntos
ambientais, se preferir uma análise mais cuidada e ponderada do juiz para uma
decisão mais viável e benéfica, em vez de um processo decisório mais abreviado
e não tão preciso apenas utilizado se e só se for estritamente necessário.
b)
Providências
Cautelares
Resulta do artigo 268º/
4 CRP que a tutela jurisdicional efetiva perante a Administração Pública inclui
a adoção de medidas cautelares adequadas. Estas estabelecem, pois, uma
regulação provisória para o litígio, dirigida a assegurar a justa composição
dos interesses durante a pendência do processo declarativo.
Este instituto vem previsto nos artigos
112º e seguintes do CPTA.
Refere 112º, nº 1, as
providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a
proferir nos processos judiciais e, portanto, para prevenir a inutilidade,
total ou parcial, das sentenças, seja por infrutuosidade, seja por
retardamento. Todavia, têm como limites não antecipar os efeitos pretendidos
com a ação principal, caso em que este ficaria desprovido de utilidade; bem
como estão sujeitas à proibição de “invasão no domínio de margem de livre
decisão administrativa”.
As providências
cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da instrumentalidade e da provisoriedade. Estes traços
transparecem do regime do CPTA.
a) A instrumentalidade (em relação a um
processo principal) transparece, desde logo, do facto de o processo cautelar
só poder ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um
processo principal e se definir por referência a esse processo principal, em
ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferida (artigo
112º, nº 1). Mas é claramente afirmada no artigo 113º, nº 1.
b) A provisoriedade transparece da
possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do
processo principal, a sua decisão de adotar ou recusar a adoção de providências
cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias
inicialmente existentes (artigo 124º, nº 1), designadamente por ter sido
proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido interposto
recurso com efeito suspensivo (artigo 124º, nº 3).
O regime do preceito
compreende-se desde que, de acordo com o artigo 120º, nº 1, o fumus boni iuris constitui um dos critérios
a considerar para a concessão ou recusa das providências cautelares, sendo
mesmo o único na hipótese prevista no art 120º, nº 1, alínea a).
Quanto ao tipo de medidas
cautelares, o artigo 112º, nº 1, faz referência à adoção de providências a) conservatórias
e b) antecipatórias.
a) Com as providências conservatórias pretende-se
essencialmente evitar qualquer lesão ecológica, decorrente quer de atos
administrativos quer de outros atos – materiais - antes que se torne
irreversível.
Por exemplo, o caso de ter sido emitida uma
licença ambiental para a instalação de uma fábrica junto a um lago, e, no
âmbito da sua atividade, ter realizado descargas para a água, provocando mortes
nas espécies animais e alterando a própria qualidade da água. Aqui, além da ação
administrativa especial de impugnação do ato administrativo, pode ser pedida
uma providência cautelar de suspensão da atividade e consequentes descargas –
artigos 112º/2-a) e 129º CPTA.
b) Muitas das situações que lesam o meio
ambiente provêm da inércia administrativa. Neste sentido, recorre-se, então, às
providências antecipatórias que têm como fim constituir ou, como o nome indica,
antecipar efeitos jurídicos inovadores, no de forma minorar as consequências
do periculum in mora. Veja-se a
título de exemplo o caso anterior mas em vez de uma situação de descarga de
resíduos, temos a destruição de um habitat natural em função da construção da
referida obra. Antes de deslocarem os animais a título definitivo, pode
requerer-se a construção de abrigos provisórios.
Face ao exposto, para uma análise
cuidada e aprofundada da questão por parte do juiz e para uma melhor tutela
ambiental, o meio mais adequado será mesmo o processo cautelar em contraposição
aos processos urgentes.
Todavia, o que se entende hoje em
dia por carácter de urgência? Não haverá casos que, a não preencher os
pressupostos para a proposição de um processo urgente, não provocarão lesões
que, não sendo irreversíveis, sejam manifestamente negligenciadas pelos prazos,
ainda que menores, do processo cautelar a acrescer ao tempo de análise e de decisão
por parte do tribunal?
Neste sentido, deixo em aberto esta questão
e a proposta para que se reveja o contencioso ambiental, de forma a explorar
providências cautelares específicas e mais adequadas ao panorama atual, desenvolvimento
de providências já existentes para que não haja necessidade de recorrer ao regime
geral de medidas cautelares presentes no CPC, promoção de mais situações que
possam ser integradas em processos urgentes ou, assim não o sendo, tipo de
processos intermédios/mistos que possam acautelar o (contínuo) aumento ou
agravamento de casos gritantes de impacto ambiental.
Carolina Josefa
nº 20817
Visto.
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