domingo, 18 de maio de 2014

Providência Cautelar em processamento … Ambiente, por favor, aguarde.


            Desde os últimos séculos, com a Revolução Industrial com a sua mea culpa a ser a impulsionadora, a acrescer aos avanços tecnológicos e às atividades por que se pauta o motor económico da nossa sociedade, os impactos ambientais têm vindo a aumentar, pelo que aquela tem sido caracterizada como uma sociedade de risco.
            Neste seguimento, o Ambiente tem vindo a obter uma maior tutela, externa e internamente - a nível constitucional com a sua consagração no artigo 66º da Constituição da República Portuguesa, bem como legal com a legislação em massa até então criada.
            Após o exposto, cumpre realçar que, uma vez que estamos perante bens que são lesados diariamente pelas mais diversas atividades humanas, o dito “mais vale prevenir do que remediar” está cada vez mais presente no âmbito ambiental.
Abstratamente, o evitar absoluto de qualquer dano é praticamente impossível, pelo que a ideia de prevenção passa pela maior fiscalização e acompanhamento no processo, nomeadamente no que respeita à passagem de licenças para que qualquer atuação esteja conforme a lei (no que respeita aos níveis de descargas permitidas, por exemplo), assim como, numa fase posterior, nos tribunais com a possibilidade da obtenção de decisões finais com prazos menores – nos processos urgentes – ou no recorrer a providências cautelares, para que os danos sejam menores ou que lesões sejam irreversíveis. São sobre estes últimos – a tutela cautelar, a título principal - que a nossa análise se vai debruçar.
a)      Processos Urgentes
O regime das formas do processo administrativo declarativo concre­ti­za-se na previsão de duas formas de pro­­ces­so que poderíamos qua­­­­lificar co­mo não-urgentes e de qua­tro for­mas de processo que o próprio Có­di­go qualifica e regula como urgentes - cfr. artigos 35º, nº 2, e 36º, nº 1, alíneas a) a d)) e regulados no Título IV (artigos 97º e se­guintes).
Na medida em que se preencham os pres­supostos que o Código estabelece para cada um destes quatro processos urgentes, os interessados podem, assim, utilizar estes meios em vez dos meios não-urgentes, por forma a procurar obter com maior celeri­dade uma de­cisão de mé­­rito so­bre as suas pre­tensões — com casos podem chegar a ser solucionadas num prazo de 48h (veja-se o artigo 111º CPTA). Aqui

Dos processos principais urgentes – artigos 97º e seguintes do CPTA – no seio do Direito Ambiental, apenas dois têm importância prática: o de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (artigo 104º a 109º CPTA) e o de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (artigo 20º/5 CRP e 109º a 111º CPTA).
Quanto à intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, esta está pensada para os casos de inércia ou recusa da Administração. Imagine-se o caso em que a entidade x pretende saber os resultados de testes de qualidade da água feitos num dado local e a Administração não lhe responde. Desta feita, a dita entidade pode recorrer a este meio de forma a condenar a Administração a facultar as informações requeridas, direito esse sustentado constitucionalmente pelo artigo 268º/1 e 2.
Mais problemática tem sido a situação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Uma vez que o ambiente constitui um direito fundamental pelo artigo 66º da CRP, integrado no título III relativo a direitos e deveres económicos, sociais e culturais, e sendo denominado comummente como um direito que integra elementos destes e outros “análogos a direitos, liberdades e garantias” será que integra plenamente o conceito de direitos, liberdades e garantias requerido no âmbito deste processo? Existe uma maior tendência para alargar o âmbito de aplicação deste meio processual, considerando que se deve aplicar a direitos análogos com consagração constitucional. Corroboro esta posição, visto que o fim visado pelos processos urgentes e as vantagens daí advenientes no seio do Direito do Ambiente seriam inconvenientemente ignorados, criando problemas e chegando a resultados insustentáveis ou mesmo irreversíveis por uma questão que, para mim, pode ser perfeitamente secundarizada face ao que realmente é relevante – “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
            Relativamente a este processo urgente, urge ainda mencionar a subsidiariedade estabelecida no artigo 109º/1 CPTA face à tutela cautelar, mais precisamente ao artigo 131º CPTA. Aquela explica-se pelo simples facto de, principalmente em assuntos ambientais, se preferir uma análise mais cuidada e ponderada do juiz para uma decisão mais viável e benéfica, em vez de um processo decisório mais abreviado e não tão preciso apenas utilizado se e só se for estritamente necessário.

b)      Providências Cautelares
Resulta do artigo 268º/ 4 CRP que a tutela jurisdicional efetiva perante a Administração Pública inclui a adoção de medidas cautelares adequadas. Estas estabelecem, pois, uma regulação provisória para o litígio, dirigida a assegurar a justa composição dos interesses durante a pendência do processo declarativo.
Este instituto vem previsto nos artigos 112º e seguintes do CPTA.
Refere 112º, nº 1, as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais e, portanto, para prevenir a inutilidade, total ou parcial, das sentenças, seja por infru­tuo­si­da­de, seja por retardamento. Todavia, têm como limites não antecipar os efeitos pretendidos com a ação principal, caso em que este ficaria desprovido de utilidade; bem como estão sujeitas à proibição de “invasão no domínio de margem de livre decisão administrativa”.
As providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da instrumentalidade e da provisoriedade. Estes traços transparecem do regime do CPTA.
a) A instrumentalidade (em relação a um processo principal) transparece, des­de lo­go, do facto de o processo cautelar só po­der ser desencadeado por quem tenha le­gi­ti­mi­­da­de para intentar um processo principal e se definir por referência a esse processo prin­­ci­pal, em ordem a assegurar a utilidade da sen­tença que nele virá a ser proferida (ar­tigo 112º, nº 1). Mas é claramente afirmada no artigo 113º, nº 1.
b) A provisoriedade transparece da possibilidade de o tri­bu­nal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adotar ou recusar a adoção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das cir­cuns­tâncias inicialmente existentes (artigo 124º, nº 1), designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedência de que tenha sido in­ter­posto recurso com efeito suspensivo (artigo 124º, nº 3).
O regime do pre­ceito com­pre­en­de-se desde que, de acordo com o artigo 120º, nº 1, o fumus boni iuris constitui um dos cri­té­rios a con­si­de­rar para a concessão ou recusa das providências cautelares, sendo mesmo o único na hi­pó­te­se prevista no art 120º, nº 1, alínea a).
Quanto ao tipo de medidas cautelares, o artigo 112º, nº 1, faz referência à adoção de provi­dên­cias a) conser­va­tórias e b) antecipatórias.

       a) Com as providências conservatórias pretende-se essencialmente evitar qualquer lesão ecológica, decorrente quer de atos administrativos quer de outros atos – materiais - antes que se torne irreversível.
Por exemplo, o caso de ter sido emitida uma licença ambiental para a instalação de uma fábrica junto a um lago, e, no âmbito da sua atividade, ter realizado descargas para a água, provocando mortes nas espécies animais e alterando a própria qualidade da água. Aqui, além da ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo, pode ser pedida uma providência cautelar de suspensão da atividade e consequentes descargas – artigos 112º/2-a) e 129º CPTA.
b) Muitas das situações que lesam o meio ambiente provêm da inércia administrativa. Neste sentido, recorre-se, então, às providências antecipatórias que têm como fim constituir ou, como o nome indica, antecipar efeitos jurídicos inovadores, no de forma minorar as conse­quên­cias do pe­ri­­cu­lum in mora. Veja-se a título de exemplo o caso anterior mas em vez de uma situação de descarga de resíduos, temos a destruição de um habitat natural em função da construção da referida obra. Antes de deslocarem os animais a título definitivo, pode requerer-se a construção de abrigos provisórios.
            Face ao exposto, para uma análise cuidada e aprofundada da questão por parte do juiz e para uma melhor tutela ambiental, o meio mais adequado será mesmo o processo cautelar em contraposição aos processos urgentes.
            Todavia, o que se entende hoje em dia por carácter de urgência? Não haverá casos que, a não preencher os pressupostos para a proposição de um processo urgente, não provocarão lesões que, não sendo irreversíveis, sejam manifestamente negligenciadas pelos prazos, ainda que menores, do processo cautelar a acrescer ao tempo de análise e de decisão por parte do tribunal?

            Neste sentido, deixo em aberto esta questão e a proposta para que se reveja o contencioso ambiental, de forma a explorar providências cautelares específicas e mais adequadas ao panorama atual, desenvolvimento de providências já existentes para que não haja necessidade de recorrer ao regime geral de medidas cautelares presentes no CPC, promoção de mais situações que possam ser integradas em processos urgentes ou, assim não o sendo, tipo de processos intermédios/mistos que possam acautelar o (contínuo) aumento ou agravamento de casos gritantes de impacto ambiental.

Carolina Josefa
nº 20817

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