domingo, 4 de maio de 2014

Compensação como forma de aplicação do princípio do usuário/poluidor-pagador

Principio, no geral, é tido como um fundamento do Direito. Segundo ensina Gomes Canotilho:
Os princípios são normas jurídicas impositivas de um otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos. Permitem, ainda, o balanceamento de valores e interesses, consoante o peso e ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes.
            No presente estudo será dado ênfase ao principio do poluidor-pagador, ou ainda, usuário-pagador, como é chamado esse principio por alguns doutrinadores brasileiros. O uso de alguns recursos naturais, considerando um critério quantitativo, podem levar à cobrança dos mesmos, ou seja, um recurso natural pode ser considerado gratuito ou oneroso, e o que determina isso é a raridade do recurso, o uso poluidor e a necessidade de prevenir catástrofes, entre outras coisas.
            No Brasil há uma lei que regula esse principio, que é a Lei 6.938/81, Lei anterior à Constituição da República deste país. Esta Lei determina no seu artigo 4°, VII, que a Política Nacional do Meio Ambiente visará a imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização dos recursos ambientais com fins econômicos ou a imposição ao poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados.    
Segundo Henri Smets, em sua obra Le Principe Utilisateur-Payeur pour la Gestion Durable des Ressources Naturelles, em matéria de proteção do meio ambiente, o principio usuário-pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. O principal objetivo deste principio está em fazer com que os custos sejam suportados pelo utilizador, e não pelo Poder Público ou por terceiros. Entretanto, esse principio não justifica a imposição de taxas que venham onerá-lo em demasiado, ao ponto de ultrapassar seu custo real.
Alguns doutrinadores, como Paulo Affonso Leme Machado, doutrinador brasileiro, afirmam que o principio usuário-pagador contem também o principio poluidor-pagador, ou seja, o poluidor deve arcar com as custas  da poluição que pode ser causada ou que já foi causada.
Esse principio surgiu a partir do momento em que se chegou a conclusão de que o uso gratuito dos recursos naturais estavam representando um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não utiliza desse recurso fica onerada. Sem contar, ainda, que a poluição lançada no meio ambiente invade a propriedade pessoal de toda a população, ou seja, de todos aqueles que não poluem, e isso descaracteriza o senso de justiça que deve haver numa sociedade democrática.
No Brasil, a implementação do principio do poluidor-pagador se dá por meio de diversos diplomas legais, a começar pela Constituição da República, datada de 1988. Esse princípio, de acordo com estes diplomas legais, envolve o controle da poluição e a gestão dos recursos hídricos e ambientais.
O parágrafo 3° do artigo 225 da Constituição Brasileira disciplina que as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Um dos pioneiros do Direito Ambiental na América Latina, Guilherme Cano, afirma que quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir, dessa forma, quem é onerado redistribuirá os custos entre os compradores de seus produtos ou os usuários de seus serviços, normalmente aumentando as tarifas.
Importante ressaltar que esse principio do usuário-pagador não é uma punição, pois, mesmo se não existir qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Para tornar obrigatório o pagamento pelo uso dos recursos naturais ou pela sua poluição, não é necessário haver prova de ilicitudes por parte dos usuários ou poluidores. O órgão que recebe o montante do pagamento somente deve provar que houve um efetivo uso do recurso ambiental ou sua poluição. Sem contar que a existência de autorização administrativa para poluir não irá isentar o poluidor do pagamento pecuniário imposto pelo principio.
Há dois momentos distintos da aplicação deste principio na pratica. O primeiro deles é a fixação dos preços ou tarifas ou, ainda, da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural. O segundo momento é o da responsabilização residual ou integral do poluidor. Segundo bem afirma Cristiane Derani, o custo verdadeiro está numa atuação preventiva e não exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano, ou seja, o pagamento efetuado pelo poluidor não lhe confere qualquer direito a poluir, efetivamente. Deve-se levar em conta que o poluidor que deve pagar é o mesmo que tem o poder de controle, ou seja, é o mesmo que pode prevenir ou tomar precauções para que a poluição não ocorra. Este poluidor (que deve pagar) é aquele que cria e controla as condições em que a poluição se produz, isso quando se fala em poluição direta e indireta.
Há uma importante jurisprudência do STJ – Superior Tribunal de Justiça - do Brasil, que explicita essa questão do principio do poluidor-pagador. É um caso em que o autor ajuizou ação de indenização em face da PETROBRÁS, narrando ser pescador artesanal prejudicado por vazamento de óleo combustível ocasionado pelo rompimento do poliduto “Olapa” de propriedade do réu. Sustentou ter sofrido danos morais e materiais, visto que seu sustento adivinha da pesca. O juízo da Vara Cível de Antonina julgou o pedido parcialmente procedente, mas o Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento ao recurso da ré para anular a sentença, reconhecendo cerceamento de defesa. Foi prolatada nova sentença julgando o pedido parcialmente procedente e condenando o réu ao pagamento de um montante como reparação de danos causados. Houve recurso especial inadmitido por parte do réu, ocasionando na seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO POLIDUTO "OLAPA". POLUIÇÃO DE ÁGUAS. PESCADOR ARTESANAL. PROIBIÇÃO DA PESCA IMPOSTA POR ÓRGÃOS AMBIENTAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA. PESCADOR ARTESANAL IMPEDIDO DE EXERCER SUA ATIVIDADE ECONÔMICA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). QUANTUM COMPENSATÓRIO. RAZOÁVEL, TENDO EM VISTA AS PARTICULARIDADES DO CASO.
1. No caso, configurou-se a responsabilidade objetiva da PETROBRAS, convicção formada pelas instâncias ordinárias com base no acervo fático-documental constante dos autos, que foram analisados à luz do disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal e no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. 2. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.114.398/PR, da relatoria do senhor Ministro Sidnei Beneti, sob o rito do art. 543-C do CPC, reconheceu a responsabilidade objetiva da PETROBRAS em acidentes semelhantes e caracterizadores de dano ambiental, responsabilizando-se o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador, não cabendo, demonstrado o nexo de causalidade, a aplicação de excludente de responsabilidade. 3. Configura dano moral a privação das condições de trabalho em consequência de dano ambiental - fato por si só incontroverso quanto ao prolongado ócio indesejado imposto pelo acidente, sofrimento, à angústia e à aflição gerados ao pescador, que se viu impossibilitado de pescar e imerso em incerteza quanto à viabilidade futura de sua atividade profissional e manutenção própria e de sua família.4. Recurso especial não provido.
Este é um bom exemplo da aplicação do principio em causa, em que houve reconhecimento de responsabilidade objetiva por parte do agente poluidor e consequente responsabilização pelo dano ambiental causado em decorrência do principio ambiental do poluidor-pagador.
Uma forma eficiente de se aplicar o principio do usuário-pagador é pela compensação ambiental. Essa compensação antecipa possíveis cobranças por danos ambientais que possam vir a ser causados. Essa forma de compensação apresenta diversas faces e uma delas é fazer com que a contribuição financeira seja paga antes do dano ser efetivamente causado, no sentido de evitar que aconteça. Outra face dessa compensação se encontra em fazer com que a contribuição financeira seja um investimento na redução ou mitigação dos danos prováveis ao meio ambiente.
Se procurarmos o significado da palavra compensação nos mais diversos dicionários, encontraremos algo como: contrabalanceamento de uma perda ou um inconveniente atual ou futuro. Portanto, se compensa por algo que apresenta um desequilíbrio.
Em suma, a compensação ambiental tem um fundamento ético na consciência ecológica do que se pretende fazer ou já se está fazendo (algo indevido), e, assim, se providencia uma troca, um balanceamento, para que o que estava em desequilíbrio alcance seu equilíbrio, que neste caso, é um equilíbrio ambiental. Entretanto, não se pode pensar que o ato de compensar traga um equilibro total na relação de poluir e preservar o bem em questão, pois, o ato em si já provoca um risco ambiental e, assim, precisa ser praticado com inequívoca moralidade administrativa e ampla publicidade, levando sempre em conta o principio da precaução.
Com relação ao meio ambiente, resta saber se a compensação havida ou preconizada é suficiente e justa para todas as partes da relação. Antes de saber se os danos ambientais que venham a ser causados são compensáveis, deve-se saber se serão suficientemente admissíveis diante do direito de todos à sadia qualidade de vida e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dessa forma, os danos ambientais inadmissíveis nunca poderão ser considerados compensáveis.
Há, no mínimo, dois momentos em que se pode implantar a compensação ambiental e são eles: antes da ocorrência do dano ambiental propriamente dito ou depois da causação desse dano. No primeiro momento cumpre salientar que, para que o órgão publico possa admitir essa compensação, é preciso haver uma avaliação da natureza do possível dano ambiental e as medidas compensatórias propostas (através de um Estudo Prévio de Impacto Ambiental). Posteriormente a esta fase chega-se à avaliação sobre a viabilidade ecológica da compensação.
O que se conclui de todo o exposto é que, o direito ambiental é um ramo recente do Direito, mesmo existindo desde os primórdios das civilizações, e, como tal, deve ser preservado por todos. Como forma de impulsionar essa preservação, as legislações dos mais diversos países começaram a implementar regras e princípios no ramo do Direito Ambiental. Dentre esses princípios está o do poluidor-pagador, que tem a ideia de fazer com que quem polui o meio ambiente e os recursos nele existentes, retribua de alguma forma, ou seja, compense. Esse principio é muito aplicado nos dias de hoje, principalmente a partir do momento em que os recursos naturais foram ficando cada dia mais escassos.


Bibliografia:
- Henri Smets, Le Principe Utilisateur-Payeur pour la Gestion Durable des Ressources Naturelles, GEP/UPP, doc. 1998.
- José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina.
- Guilherme Cano. Introdução ao Tema dos Aspectos Jurídicos do Princípio do Poluidor-Pagador. Buenos Aires, Editora Fraterna, 1983.

- Paulo Affonso Leme Machado. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo. Malheiros Editores. 


Daniella Bontorin Waller, Erasmus, n° 24605

1 comentário: