Principio, no geral, é tido como um
fundamento do Direito. Segundo ensina Gomes Canotilho:
Os princípios são
normas jurídicas impositivas de um otimização, compatíveis com vários graus de
concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos. Permitem,
ainda, o balanceamento de valores e interesses, consoante o peso e ponderação
de outros princípios eventualmente conflitantes.
No presente estudo será dado ênfase
ao principio do poluidor-pagador, ou ainda, usuário-pagador, como é chamado
esse principio por alguns doutrinadores brasileiros. O uso de alguns recursos
naturais, considerando um critério quantitativo, podem levar à cobrança dos
mesmos, ou seja, um recurso natural pode ser considerado gratuito ou oneroso, e
o que determina isso é a raridade do recurso, o uso poluidor e a necessidade de
prevenir catástrofes, entre outras coisas.
No Brasil há uma lei que regula esse
principio, que é a Lei 6.938/81, Lei anterior à Constituição da República deste
país. Esta Lei determina no seu artigo 4°, VII, que a Política Nacional do Meio
Ambiente visará a imposição, ao usuário, da contribuição pela utilização dos
recursos ambientais com fins econômicos ou a imposição ao poluidor e ao
predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados.
Segundo Henri Smets, em sua obra Le Principe Utilisateur-Payeur pour la
Gestion Durable des Ressources Naturelles, em matéria de proteção do meio
ambiente, o principio usuário-pagador significa que o utilizador do recurso
deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização
do recurso e os custos advindos de sua própria utilização. O principal objetivo
deste principio está em fazer com que os custos sejam suportados pelo
utilizador, e não pelo Poder Público ou por terceiros. Entretanto, esse
principio não justifica a imposição de taxas que venham onerá-lo em demasiado,
ao ponto de ultrapassar seu custo real.
Alguns doutrinadores, como Paulo Affonso Leme
Machado, doutrinador brasileiro, afirmam que o principio usuário-pagador contem
também o principio poluidor-pagador, ou seja, o poluidor deve arcar com as custas da poluição que pode ser causada ou que já
foi causada.
Esse principio surgiu a partir do momento em
que se chegou a conclusão de que o uso gratuito dos recursos naturais estavam
representando um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não
utiliza desse recurso fica onerada. Sem contar, ainda, que a poluição lançada
no meio ambiente invade a propriedade pessoal de toda a população, ou seja, de
todos aqueles que não poluem, e isso descaracteriza o senso de justiça que deve
haver numa sociedade democrática.
No Brasil, a implementação do principio do
poluidor-pagador se dá por meio de diversos diplomas legais, a começar pela
Constituição da República, datada de 1988. Esse princípio, de acordo com estes
diplomas legais, envolve o controle da poluição e a gestão dos recursos hídricos
e ambientais.
O parágrafo 3° do artigo 225 da Constituição
Brasileira disciplina que as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Um dos pioneiros do Direito Ambiental na
América Latina, Guilherme Cano, afirma que quem causa a deterioração paga os
custos exigidos para prevenir ou corrigir, dessa forma, quem é onerado
redistribuirá os custos entre os compradores de seus produtos ou os usuários de
seus serviços, normalmente aumentando as tarifas.
Importante ressaltar que esse principio do usuário-pagador
não é uma punição, pois, mesmo se não existir qualquer ilicitude no comportamento
do pagador ele pode ser implementado. Para tornar obrigatório o pagamento pelo
uso dos recursos naturais ou pela sua poluição, não é necessário haver prova de
ilicitudes por parte dos usuários ou poluidores. O órgão que recebe o montante
do pagamento somente deve provar que houve um efetivo uso do recurso ambiental
ou sua poluição. Sem contar que a existência de autorização administrativa para
poluir não irá isentar o poluidor do pagamento pecuniário imposto pelo
principio.
Há dois momentos distintos da aplicação deste
principio na pratica. O primeiro deles é a fixação dos preços ou tarifas ou,
ainda, da exigência de investimento na prevenção do uso do recurso natural. O segundo
momento é o da responsabilização residual ou integral do poluidor. Segundo bem
afirma Cristiane Derani, o custo verdadeiro está numa atuação preventiva e não exclusivamente
vinculado à imediata reparação do dano, ou seja, o pagamento efetuado pelo
poluidor não lhe confere qualquer direito a poluir, efetivamente. Deve-se levar
em conta que o poluidor que deve pagar é o mesmo que tem o poder de controle,
ou seja, é o mesmo que pode prevenir ou tomar precauções para que a poluição não
ocorra. Este poluidor (que deve pagar) é aquele que cria e controla as
condições em que a poluição se produz, isso quando se fala em poluição direta e
indireta.
Há uma importante jurisprudência do STJ –
Superior Tribunal de Justiça - do Brasil, que explicita essa questão do
principio do poluidor-pagador. É um caso em que o autor ajuizou ação de
indenização em face da PETROBRÁS, narrando ser pescador artesanal prejudicado
por vazamento de óleo combustível ocasionado pelo rompimento do poliduto “Olapa”
de propriedade do réu. Sustentou ter sofrido danos morais e materiais, visto
que seu sustento adivinha da pesca. O juízo da Vara Cível de Antonina julgou o
pedido parcialmente procedente, mas o Tribunal de Justiça do Paraná deu
provimento ao recurso da ré para anular a sentença, reconhecendo cerceamento de
defesa. Foi prolatada nova sentença julgando o pedido parcialmente procedente e
condenando o réu ao pagamento de um montante como reparação de danos causados. Houve
recurso especial inadmitido por parte do réu, ocasionando na seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO
POLIDUTO "OLAPA". POLUIÇÃO DE ÁGUAS. PESCADOR ARTESANAL. PROIBIÇÃO DA
PESCA IMPOSTA POR ÓRGÃOS AMBIENTAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA
ATIVIDADE PESQUEIRA. PESCADOR ARTESANAL IMPEDIDO DE EXERCER SUA ATIVIDADE
ECONÔMICA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP
1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). QUANTUM COMPENSATÓRIO.
RAZOÁVEL, TENDO EM VISTA AS PARTICULARIDADES DO CASO.
1. No caso,
configurou-se a responsabilidade objetiva da PETROBRAS, convicção formada pelas
instâncias ordinárias com base no acervo fático-documental constante dos autos,
que foram analisados à luz do disposto no art. 225, § 3º, da Constituição
Federal e no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. 2. A Segunda Seção do STJ, no
julgamento do REsp 1.114.398/PR, da relatoria do senhor Ministro Sidnei Beneti,
sob o rito do art. 543-C do CPC, reconheceu a responsabilidade objetiva da
PETROBRAS em acidentes semelhantes e caracterizadores de dano ambiental, responsabilizando-se
o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador, não cabendo,
demonstrado o nexo de causalidade, a aplicação de excludente de
responsabilidade. 3. Configura dano moral a privação das condições de trabalho
em consequência de dano ambiental - fato por si só incontroverso quanto ao
prolongado ócio indesejado imposto pelo acidente, sofrimento, à angústia e à
aflição gerados ao pescador, que se viu impossibilitado de pescar e imerso em
incerteza quanto à viabilidade futura de sua atividade profissional e
manutenção própria e de sua família.4. Recurso especial não provido.
Este é um bom exemplo da aplicação do
principio em causa, em que houve reconhecimento de responsabilidade objetiva
por parte do agente poluidor e consequente responsabilização pelo dano
ambiental causado em decorrência do principio ambiental do poluidor-pagador.
Uma forma eficiente de se aplicar o principio
do usuário-pagador é pela compensação ambiental. Essa compensação antecipa possíveis
cobranças por danos ambientais que possam vir a ser causados. Essa forma de
compensação apresenta diversas faces e uma delas é fazer com que a contribuição
financeira seja paga antes do dano ser efetivamente causado, no sentido de
evitar que aconteça. Outra face dessa compensação se encontra em fazer com que
a contribuição financeira seja um investimento na redução ou mitigação dos
danos prováveis ao meio ambiente.
Se procurarmos o significado da palavra
compensação nos mais diversos dicionários, encontraremos algo como:
contrabalanceamento de uma perda ou um inconveniente atual ou futuro. Portanto,
se compensa por algo que apresenta um desequilíbrio.
Em suma, a compensação ambiental tem um
fundamento ético na consciência ecológica do que se pretende fazer ou já se
está fazendo (algo indevido), e, assim, se providencia uma troca, um
balanceamento, para que o que estava em desequilíbrio alcance seu equilíbrio,
que neste caso, é um equilíbrio ambiental. Entretanto, não se pode pensar que o
ato de compensar traga um equilibro total na relação de poluir e preservar o
bem em questão, pois, o ato em si já provoca um risco ambiental e, assim,
precisa ser praticado com inequívoca moralidade administrativa e ampla
publicidade, levando sempre em conta o principio da precaução.
Com relação ao meio ambiente, resta saber se
a compensação havida ou preconizada é suficiente e justa para todas as partes
da relação. Antes de saber se os danos ambientais que venham a ser causados são
compensáveis, deve-se saber se serão suficientemente admissíveis diante do
direito de todos à sadia qualidade de vida e a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Dessa forma, os danos ambientais inadmissíveis nunca poderão ser
considerados compensáveis.
Há, no mínimo, dois momentos em que se pode
implantar a compensação ambiental e são eles: antes da ocorrência do dano
ambiental propriamente dito ou depois da causação desse dano. No primeiro
momento cumpre salientar que, para que o órgão publico possa admitir essa
compensação, é preciso haver uma avaliação da natureza do possível dano
ambiental e as medidas compensatórias propostas (através de um Estudo Prévio de
Impacto Ambiental). Posteriormente a esta fase chega-se à avaliação sobre a
viabilidade ecológica da compensação.
O que se conclui de todo o exposto é que, o
direito ambiental é um ramo recente do Direito, mesmo existindo desde os primórdios
das civilizações, e, como tal, deve ser preservado por todos. Como forma de
impulsionar essa preservação, as legislações dos mais diversos países começaram
a implementar regras e princípios no ramo do Direito Ambiental. Dentre esses princípios
está o do poluidor-pagador, que tem a ideia de fazer com que quem polui o meio
ambiente e os recursos nele existentes, retribua de alguma forma, ou seja,
compense. Esse principio é muito aplicado nos dias de hoje, principalmente a
partir do momento em que os recursos naturais foram ficando cada dia mais
escassos.
Bibliografia:
- Henri Smets, Le Principe Utilisateur-Payeur
pour la Gestion Durable des Ressources Naturelles, GEP/UPP, doc. 1998.
- José
Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, Livraria Almedina.
- Guilherme
Cano. Introdução ao Tema dos Aspectos Jurídicos do Princípio do Poluidor-Pagador. Buenos Aires, Editora Fraterna, 1983.
- Paulo
Affonso Leme Machado. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo. Malheiros
Editores.
Daniella Bontorin Waller, Erasmus, n° 24605
Visto.
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