sexta-feira, 16 de maio de 2014

Da importância da participação pública no procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental



1. Generalidades

I. Com o tema que será objecto do nosso estudo procuramos reflectir sobre a participação pública no procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental[1]. Não pretendemos, por isso, nesta nossa exposição, que se quer breve, tratar com toda a exaustividade do regime legal da AIA.

II. Os nossos propósitos são bem mais modestos: começaremos por fazer um breve enquadramento sobre a avaliação de impacto ambiental. Num segundo momento, damos conta do direito ao ambiente como direito fundamental de terceira geração. O quarto capítulo é dedicado à problemática do direito/dever à informação e participação. Por último, já depois de nos termos debruçado sobre a legitimidade de acesso a documentos e à participação pública nos casos de dispensa de avaliação de impacto ambiental (no quinto e sexto ponto deste nosso estudo), trataremos da participação pública enquanto princípio do direito do ambiente, para finalmente podermos concluir com um breve apontamento.

2. Breves notas sobre a Avaliação de Impacto Ambiental

I. Na definição legal, que nos é dada pela alínea d) do art. 2.º da Lei n.º 151.º-B/2013, de 31 de Outubro, a AIA é um “instrumento de carácter preventivo da política do ambiente, sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação”

Procura-se, com este procedimento administrativo especial, verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente[2].

A avaliação do impacto ambiental – instrumento de realização e ao serviço do princípio da prevenção, mas também do princípio do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos – permite acautelar possíveis lesões futuras do meio ambiente, apreciando autonomamente as repercussões ambientais de determinado projecto ou licenciamento, num momento prévio à sua autorização[3].

As decisões proferidas neste procedimento[4] são condição necessária, devendo, consequentemente, a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto indeferir o pedido de autorização sempre que não tenha sido previamente obtida decisão, expressa ou tácita, sobre a AIA (artigo 1.º/2 da Lei n.º 151.º-B/2013).

3. O direito ao ambiente como direito fundamental de terceira geração

O Estado Pós-Social de hoje pode ser considerado o grande responsável pelo desenvolvimento de uma terceira geração de direitos fundamentais, trazendo consigo protecção e tutela jurídica a novos domínios: ambiente, informática, genética, entre outros[5]. Por isso, a nossa Constituição não esqueceu a problemática ambiental quer de um ponto de vista objectivo, enquanto tarefa fundamental do estado (art. 9.º, alíneas d) e e)), quer de um ponto subjectivo, ao estabelecer um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (art. 66.º)[6].

O direito ao ambiente enquanto direito fundamental de “terceira geração” encontra fundamento axiológico na dignidade da pessoa humana. Na verdade é a realização plena e efectiva da dignidade individual da pessoa humana concreta em diferentes circunstâncias da vida que está em causa quando se pensa no direito à saúde ou no direito à qualidade de vida[7].

O reconhecimento de direitos fundamentais de terceira geração, como é o caso do direito ao ambiente, traz consigo uma nova concepção do posicionamento do indivíduo face ao Estado[8]. Basta pensarmos que os direitos e deveres do individuo não se esgotam no confronto com o Estado, alargando-se e ganhando uma outra dimensão quando exercidos com outros indivíduos e com a colectividade no seu conjunto[9].

Assim se passam as coisas com o direito ao ambiente. Acontece que a invocação deste direito faz intervir uma relação jurídica com um conteúdo muito particular que se caracteriza pela intervenção de “mais dois sujeitos em conjuntos interligados de posições activas e passivas”[10]. Estas relações jurídicas poligonais ou multilaterais são activadas “através de um acto administrativo com efeitos em relação a terceiros que gera não apenas uma relação unidimensional entre os destinatários do acto e o Estado e que, do lado dos cidadãos, abrange dois afectados – um que é beneficiado pelo Estado e outro que é prejudicado de forma correspondente a esse benefício”[11].

4. Direito ao ambiente e direito/dever à informação e participação

Com razão afirma MÁRIO DE MELO ROCHA que a passagem do direito do homem ao ambiente, enquanto direito subjectivo, de direito de cariz essencialmente sociológico para direito juridicamente tutelado, fez dele, simultaneamente, um dever[12]. Aqui se insere a participação dos cidadãos na tutela ambiental, vista como um dever[13], assente numa prévia, tempestiva e objectiva informação[14].  

Logo após a Conferência de Estocolmo se sustentou a inseparabilidade entre o direito do homem à conservação do ambiente e a necessidade de garantir tanto o direito à informação sobre as matérias ambientais, como o direito à efectiva participação dos cidadãos nas decisões a tomar nesse âmbito. 

Porém, o défice legislativo e de informação exigiam que se operassem alterações nos dispositivos jurídicos. Compreende-se, por isso, que se tenha propugnado pela criação de legislação tendencialmente homogénea, que não só garantisse a eficácia do fornecimento de informação por parte das autoridades, como também dos mecanismos de protecção ambiental, desta forma contribuindo para uma maior consciencialização ambiental[15].

Na UE, o direito à informação como corolário do direito de participação dos cidadãos nas decisões comunitárias foi conhecendo, ao longo do tempo, precisões cada vez mais elaboradas[16]. Foi o que aconteceu, em matéria ambiental, no contexto das directivas respeitantes a AIA: a directiva 85/337/CEE e a directiva 97/11/CE. Importa realçar, no que diz respeito à primeira directiva, a larga margem conferida ao estado na escolha das modalidades de consulta ao público, margem inserida em matéria de competência discricionária do Estado[17].

5. O momento da consulta

Este é um ponto que merece o nosso destaque. Como nota MÁRIO DE MELO ROCHA, dele depende esvaziar de sentido ou, pelo contrário, atribuir importância à consulta[18].
Cremos que o momento da consulta se deve inserir na fase da programação, ou seja, na fase em que são efectuadas as opções fundamentais em matéria de ordenamento do território, momento em que ainda se poderão formular propostas alternativas susceptíveis de impedir, limitar ou diminuir o impacto ambiental. Adquirindo, consequentemente, maior intensidade a tutela e protecção do meio ambiente[19]. Ao invés, colocar a avaliação do impacto numa fase sucessiva à das grandes opções urbanísticas e económicas pode fazer com que apenas se consiga minimizar o dano ambiental ou a mera correcção do projecto[20].

6. Legitimidade de acesso a documentos

A legitimidade para aceder a documentos decorre do facto de cada um dos cidadãos ser titular do direito ao ambiente[21]. Na lógica de uma «administração-serviço», rápida e transparente, que procura gerir a relação entre os cidadãos e a administração pública, “a participação constitui o momento de excelência da exteriorização e verificação pública dos interesses a ponderar no procedimento administrativo”[22], num contexto onde a exigência de participação, certeza jurídica e controlo da actividade administrativa é cada vez maior.

A participação do administrado, que se quer activo e responsável, pode surgir em diferentes formas: sob a forma participação espontânea; em jeito de participação concertada, organizada e prévia à decisão; ou, e utilizando a forma mais oficial de participação que se insere nos procedimentos administrativos, através de representantes de associações ambientais nas comissões para tratamento das questões de ambiente[23].

7. Participação pública nos casos de dispensa de Avaliação de Impacto Ambiental

Em circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas, o licenciamento ou a autorização de um projecto pode ser concedido com dispensa, total ou parcial, do procedimento de AIA (artigo 4.º/1 da Lei n.º 151.º-B/2013).

Diferentemente do procedimento de AIA, em que estão previstas regras específicas para o exercício do direito de participação pública (artigo 15.º da Lei n.º 151.º-B/2013), o artigo 4.º da referida Lei, referente aos casos de dispensa do procedimento da AIA, não prevê regras respeitantes a este direito fundamental de participação em procedimentos em matéria ambiental. Ainda assim, e seguindo o pensamento de CATARINA MORENO PINA, dada a importância do exercício do direito de participação, ainda para mais numa fase em que se afasta a sujeição a AIA de um projecto, não se deve aceitar que não haja lugar a uma fase participação pública[24]. Consequentemente, são de aplicar as regras constantes do artigo 15.º da Lei n.º 151.º-B/2013, com as necessárias adaptações, para o exercício deste direito, permitindo uma decisão da Administração mais esclarecida e mais fundamentada[25].

8. Princípio da participação pública

Neste momento estamos em condições de dedicar algumas linhas ao princípio da participação pública, um dos princípios mais importantes em Direito Ambiental[26].

O princípio da participação ocupa um lugar de desta            que na medida em que a contribuição de informação, dados, estudos ou pareceres, no âmbito de procedimento da AIA, permite uma tomada de decisão por partes das entidades administrativas mais esclarecida, mais fundamentada e consequentemente mais legitimada[27].

Nos termos do artigo 2.º, alínea m) da Lei n.º 151.º-B/2013, a participação pública é uma “formalidade essencial do procedimento de AIA que assegura a intervenção do público interessado no processo de decisão e que inclui a consulta pública”. O conceito de consulta pública, por sua vez é nos dado pela alínea e) da mesma Lei: “forma de participação destinada à recolha de opiniões, sugestões e outros contributos do público interessado sobre cada projecto sujeito a AIA”.

A sua definição como formalidade essencial do procedimento de AIA é da máxima importância, uma vez que se a fase de participação pública for preterida, o acto final da DIA será inválido, sancionando-se com o regime da nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 133.º do CPA[28].

9. Breve Conclusão

Por tudo o que aqui vai dito facilmente se percebe a importância da questão da informação e da participação nas matérias ambientais. Basta relembrar, como o faz MÁRIO DE MELO ROCHA, que “dela depende a efectivação do direito subjectivo público ao ambiente como direito do homem e como direito de defesa”[29].


Maria Isabel Campos Costa 20417

[1] Avaliação de Impacto Ambiental – Lei n.º 151.º-B/2013, de 31 de Outubro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/92/EU, do Parlamento e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (codificação da Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho de 27 de Junho de 1985), e que revoga o Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro (cfr. art. 51.º da Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro).
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito (Lições de Direito do Ambiente), 2005, p. 153.
[3] Idem, pp. 153-154.
[4] Estamos a pensar na decisão formada através de um documento de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), “elaborado pelo proponente no âmbito do procedimento da AIA, que contém uma descrição sumária do projecto, a identificação e avaliação dos impactes prováveis, positivos e negativos, que a realização do projecto pode ter no ambiente, a evolução previsível da situação de facto sem a realização do projecto, as medidas de gestão ambiental destinadas a evitar, minimizar ou compensar os impactos negativos esperados e um resumo não técnico destas informações (artigo 2.º, alínea f)).
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito…, cit., pp. 89 e 90.
[6] Idem, p. 84.
[7] Idem, pp. 89 e 90.
[8] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental como Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, 2000, p. 155.
[9] Ibidem.
[10] JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 1999, p. 57, apud, MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental como Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, 2000, p. 156.
[11] VASCO PEREIRA DA SILVA cit. por MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental como Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, 2000, p. 156.
[12] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit., p. 159.
[13] Idem, p. 160.
[14] MÁRIO DE MELO ROCHA, “O princípio da Avaliação de Impacto Ambiental”, Estudos de Direito do Ambiente, 2003, p. 142.
[15] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit., p. 160.
[16] Neste sentido, MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit., p. 162.
[17] Idem, p. 163.
[18] Ibidem.
[19] Idem, p. 164.
[20] Ibidem.
[21] Assim, MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit., p. 168.
[22] PAOLO DELL’ANNO, “La ponderazione degli interessi ambientali nel procedimento amministrativo”, RTDP, 1989, pp. 92 e ss, apud, MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit., p. 168.
[23] Idem, p. 169.
[24] CATARINA MORENO PINA, Os Regimes de Avaliação de Impacte Ambiental e de Avaliação Ambiental Estratégica, Mestrado em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2009, p. 65.
[25] Ibidem.
[26] Idem, p. 83.
[27] Idem, p. 65 e p. 83.
[28] Neste sentido, CATARINA MORENO PINA, Os Regimes de Avaliação de Impacte Ambiental…, cit., p. 83; neste sentido, v., também, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição (reimpressão), 1998, pp. 641-643.
[29] MÁRIO DE MELO ROCHA, “O princípio da Avaliação de Impacto Ambiental”, Estudos de Direito do Ambiente, 2003, p. 143.

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