1. Generalidades
I. Com o tema que será objecto
do nosso estudo procuramos reflectir sobre a participação pública no
procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental[1].
Não pretendemos, por isso, nesta nossa exposição, que se quer breve, tratar com
toda a exaustividade do regime legal da AIA.
II. Os nossos propósitos são
bem mais modestos: começaremos por fazer um breve enquadramento sobre a
avaliação de impacto ambiental. Num segundo momento, damos conta do direito ao
ambiente como direito fundamental de terceira geração. O quarto capítulo é
dedicado à problemática do direito/dever
à informação e participação. Por último, já depois de nos termos debruçado
sobre a legitimidade de acesso a documentos e à participação pública nos casos
de dispensa de avaliação de impacto ambiental (no quinto e sexto ponto deste
nosso estudo), trataremos da participação pública enquanto princípio do direito
do ambiente, para finalmente podermos concluir com um breve apontamento.
2. Breves notas sobre a Avaliação de Impacto
Ambiental
I. Na definição legal, que nos
é dada pela alínea d) do art. 2.º da Lei n.º 151.º-B/2013, de 31 de
Outubro,
a AIA é um “instrumento de carácter preventivo da política do ambiente,
sustentado na realização de estudos e consultas, com efectiva participação
pública e análise de possíveis alternativas, que tem por objecto a recolha de
informação, identificação e previsão dos efeitos ambientais de determinados projectos,
bem como a identificação e proposta de medidas que evitem, minimizem ou
compensem esses efeitos, tendo em vista uma decisão sobre a viabilidade da
execução de tais projectos e respectiva pós-avaliação”
Procura-se, com este
procedimento administrativo especial, verificar as consequências ecológicas de
um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e
inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente[2].
A avaliação do impacto
ambiental – instrumento de realização e ao serviço do princípio da prevenção,
mas também do princípio do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento
racional dos recursos – permite acautelar possíveis lesões futuras do meio
ambiente, apreciando autonomamente as repercussões ambientais de determinado
projecto ou licenciamento, num momento prévio à sua autorização[3].
As decisões proferidas neste
procedimento[4]
são condição necessária, devendo, consequentemente, a entidade licenciadora ou
competente para a autorização do projecto indeferir o pedido de autorização
sempre que não tenha sido previamente obtida decisão, expressa ou tácita, sobre
a AIA (artigo 1.º/2 da Lei n.º 151.º-B/2013).
3. O direito ao ambiente como direito
fundamental de terceira geração
O Estado Pós-Social de hoje
pode ser considerado o grande responsável pelo desenvolvimento de uma terceira
geração de direitos fundamentais, trazendo consigo protecção e tutela jurídica
a novos domínios: ambiente, informática, genética, entre outros[5].
Por isso, a nossa Constituição não esqueceu a problemática ambiental quer de um
ponto de vista objectivo, enquanto tarefa fundamental do estado (art. 9.º,
alíneas d) e e)), quer de um ponto subjectivo, ao estabelecer um direito
fundamental ao ambiente e à qualidade de vida (art. 66.º)[6].
O direito ao ambiente enquanto
direito fundamental de “terceira geração” encontra fundamento axiológico na
dignidade da pessoa humana. Na verdade é a realização plena e efectiva da
dignidade individual da pessoa humana concreta em diferentes circunstâncias da vida
que está em causa quando se pensa no direito à saúde ou no direito à qualidade
de vida[7].
O reconhecimento de direitos
fundamentais de terceira geração, como é o caso do direito ao ambiente, traz
consigo uma nova concepção do posicionamento do indivíduo face ao Estado[8].
Basta pensarmos que os direitos e deveres do individuo não se esgotam no
confronto com o Estado, alargando-se e ganhando uma outra dimensão quando
exercidos com outros indivíduos e com a colectividade no seu conjunto[9].
Assim se passam as coisas com
o direito ao ambiente. Acontece que a invocação deste direito faz intervir uma
relação jurídica com um conteúdo muito particular que se caracteriza pela
intervenção de “mais dois sujeitos em conjuntos interligados de posições
activas e passivas”[10].
Estas relações jurídicas poligonais ou multilaterais são activadas “através de
um acto administrativo com efeitos em relação a terceiros que gera não apenas
uma relação unidimensional entre os destinatários do acto e o Estado e que, do
lado dos cidadãos, abrange dois afectados – um que é beneficiado pelo Estado e
outro que é prejudicado de forma correspondente a esse benefício”[11].
4. Direito ao ambiente e direito/dever à
informação e participação
Com razão afirma MÁRIO DE MELO
ROCHA que a passagem do direito do homem ao ambiente, enquanto direito
subjectivo, de direito de cariz essencialmente sociológico para direito
juridicamente tutelado, fez dele, simultaneamente, um dever[12].
Aqui se insere a participação dos cidadãos na tutela ambiental, vista como um
dever[13],
assente numa prévia, tempestiva e objectiva informação[14].
Logo após a Conferência de
Estocolmo se sustentou a inseparabilidade entre o direito do homem à
conservação do ambiente e a necessidade de garantir tanto o direito à
informação sobre as matérias ambientais, como o direito à efectiva participação
dos cidadãos nas decisões a tomar nesse âmbito.
Porém, o défice legislativo e
de informação exigiam que se operassem alterações nos dispositivos jurídicos. Compreende-se,
por isso, que se tenha propugnado pela criação de legislação tendencialmente
homogénea, que não só garantisse a eficácia do fornecimento de informação por
parte das autoridades, como também dos mecanismos de protecção ambiental, desta
forma contribuindo para uma maior consciencialização ambiental[15].
Na UE, o direito à informação
como corolário do direito de participação dos cidadãos nas decisões
comunitárias foi conhecendo, ao longo do tempo, precisões cada vez mais
elaboradas[16].
Foi o que aconteceu, em matéria ambiental, no contexto das directivas
respeitantes a AIA: a directiva 85/337/CEE e a directiva 97/11/CE. Importa
realçar, no que diz respeito à primeira directiva, a larga margem conferida ao
estado na escolha das modalidades de consulta ao público, margem inserida em
matéria de competência discricionária do Estado[17].
5. O momento da consulta
Este é um ponto que merece o
nosso destaque. Como nota MÁRIO DE MELO ROCHA, dele depende esvaziar de sentido
ou, pelo contrário, atribuir importância à consulta[18].
Cremos que o momento da consulta
se deve inserir na fase da programação, ou seja, na fase em que são efectuadas
as opções fundamentais em matéria de ordenamento do território, momento em que
ainda se poderão formular propostas alternativas susceptíveis de impedir, limitar
ou diminuir o impacto ambiental. Adquirindo, consequentemente, maior
intensidade a tutela e protecção do meio ambiente[19].
Ao invés, colocar a avaliação do impacto numa fase sucessiva à das grandes
opções urbanísticas e económicas pode fazer com que apenas se consiga minimizar
o dano ambiental ou a mera correcção do projecto[20].
6. Legitimidade de acesso a documentos
A legitimidade para aceder a
documentos decorre do facto de cada um dos cidadãos ser titular do direito ao
ambiente[21].
Na lógica de uma «administração-serviço», rápida e transparente, que procura
gerir a relação entre os cidadãos e a administração pública, “a participação
constitui o momento de excelência da exteriorização e verificação pública dos
interesses a ponderar no procedimento administrativo”[22],
num contexto onde a exigência de participação, certeza jurídica e controlo da
actividade administrativa é cada vez maior.
A participação do
administrado, que se quer activo e responsável, pode surgir em diferentes
formas: sob a forma participação espontânea; em jeito de participação
concertada, organizada e prévia à decisão; ou, e utilizando a forma mais
oficial de participação que se insere nos procedimentos administrativos,
através de representantes de associações ambientais nas comissões para
tratamento das questões de ambiente[23].
7. Participação pública nos casos de dispensa
de Avaliação de Impacto Ambiental
Em circunstâncias excepcionais
e devidamente fundamentadas, o licenciamento ou a autorização de um projecto
pode ser concedido com dispensa, total ou parcial, do procedimento de AIA
(artigo 4.º/1 da Lei n.º 151.º-B/2013).
Diferentemente do procedimento
de AIA, em que estão previstas regras específicas para o exercício do direito
de participação pública (artigo 15.º da Lei n.º 151.º-B/2013), o artigo 4.º da
referida Lei, referente aos casos de dispensa do procedimento da AIA, não prevê
regras respeitantes a este direito fundamental de participação em procedimentos
em matéria ambiental. Ainda assim, e seguindo o pensamento de CATARINA MORENO
PINA, dada a importância do exercício do direito de participação, ainda para
mais numa fase em que se afasta a sujeição a AIA de um projecto, não se deve
aceitar que não haja lugar a uma fase participação pública[24].
Consequentemente, são de aplicar as regras constantes do artigo 15.º da Lei n.º
151.º-B/2013, com as necessárias adaptações, para o exercício deste direito,
permitindo uma decisão da Administração mais esclarecida e mais fundamentada[25].
8. Princípio da participação pública
Neste momento estamos em
condições de dedicar algumas linhas ao princípio da participação pública, um
dos princípios mais importantes em Direito Ambiental[26].
O princípio da participação
ocupa um lugar de desta que na
medida em que a contribuição de informação, dados, estudos ou pareceres, no
âmbito de procedimento da AIA, permite uma tomada de decisão por partes das
entidades administrativas mais esclarecida, mais fundamentada e
consequentemente mais legitimada[27].
Nos termos do artigo 2.º,
alínea m) da Lei n.º 151.º-B/2013, a participação pública é uma “formalidade
essencial do procedimento de AIA que assegura a intervenção do público
interessado no processo de decisão e que inclui a consulta pública”. O conceito
de consulta pública, por sua vez é nos dado pela alínea e) da mesma Lei: “forma
de participação destinada à recolha de opiniões, sugestões e outros contributos
do público interessado sobre cada projecto sujeito a AIA”.
A sua definição como
formalidade essencial do procedimento de AIA é da máxima importância, uma vez
que se a fase de participação pública for preterida, o acto final da DIA será
inválido, sancionando-se com o regime da nulidade nos termos do n.º 1 do artigo
133.º do CPA[28].
9. Breve Conclusão
Por tudo o que aqui vai dito
facilmente se percebe a importância da questão da informação e da participação
nas matérias ambientais. Basta relembrar, como o faz MÁRIO DE MELO ROCHA, que “dela
depende a efectivação do direito subjectivo público ao ambiente como direito do
homem e como direito de defesa”[29].
Maria Isabel Campos Costa 20417
[1] Avaliação de Impacto
Ambiental – Lei n.º 151.º-B/2013, de 31 de Outubro, que transpõe para a ordem
jurídica interna a Directiva n.º 2011/92/EU, do Parlamento e do Conselho, de 13
de Dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos
públicos e privados no ambiente (codificação da Directiva
n.º 85/337/CEE, do Conselho de 27 de Junho de 1985), e que revoga o Decreto-Lei
n.º 69/2000, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de
Novembro (cfr. art. 51.º da Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro).
[2] VASCO PEREIRA DA
SILVA, Verde Cor de Direito (Lições de
Direito do Ambiente), 2005, p. 153.
[3] Idem, pp. 153-154.
[4] Estamos a pensar na
decisão formada através de um documento de Estudo de Impacto Ambiental (EIA),
“elaborado pelo proponente no âmbito do procedimento da AIA, que contém uma
descrição sumária do projecto, a identificação e avaliação dos impactes prováveis,
positivos e negativos, que a realização do projecto pode ter no ambiente, a
evolução previsível da situação de facto sem a realização do projecto, as
medidas de gestão ambiental destinadas a evitar, minimizar ou compensar os
impactos negativos esperados e um resumo não técnico destas informações (artigo
2.º, alínea f)).
[5] VASCO PEREIRA DA
SILVA, Verde Cor de Direito…, cit.,
pp. 89 e 90.
[6] Idem, p. 84.
[7] Idem, pp. 89 e 90.
[8] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental como
Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, 2000,
p. 155.
[9] Ibidem.
[10] JOSÉ VIEIRA DE
ANDRADE, A Justiça Administrativa,
1999, p. 57, apud, MÁRIO DE MELO
ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental
como Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu,
2000, p. 156.
[11] VASCO PEREIRA DA SILVA
cit. por MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação
de Impacto Ambiental como Princípio do Direito do Ambiente nos Quadros
Internacional e Europeu, 2000, p. 156.
[12] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit.,
p. 159.
[13] Idem, p. 160.
[14] MÁRIO DE MELO ROCHA,
“O princípio da Avaliação de Impacto Ambiental”, Estudos de Direito do Ambiente, 2003, p. 142.
[15] MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit.,
p. 160.
[16] Neste sentido, MÁRIO
DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto
Ambiental…, cit., p. 162.
[17] Idem, p. 163.
[18] Ibidem.
[19] Idem, p. 164.
[20] Ibidem.
[21] Assim, MÁRIO DE MELO
ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…,
cit., p. 168.
[22] PAOLO DELL’ANNO, “La
ponderazione degli interessi ambientali nel procedimento amministrativo”, RTDP, 1989, pp. 92 e ss, apud, MÁRIO DE MELO ROCHA, A Avaliação de Impacto Ambiental…, cit.,
p. 168.
[23] Idem, p. 169.
[24] CATARINA MORENO PINA, Os Regimes de Avaliação de Impacte Ambiental
e de Avaliação Ambiental Estratégica, Mestrado em Direito, Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, 2009, p. 65.
[25] Ibidem.
[26] Idem, p. 83.
[27] Idem, p. 65 e p. 83.
[28] Neste sentido,
CATARINA MORENO PINA, Os Regimes de
Avaliação de Impacte Ambiental…, cit., p. 83; neste sentido, v., também,
PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição
(reimpressão), 1998, pp. 641-643.
[29] MÁRIO DE MELO ROCHA,
“O princípio da Avaliação de Impacto Ambiental”, Estudos de Direito do Ambiente, 2003, p. 143.
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