Todos temos um dever geral de defesa do ambiente, bem como de suportar as suas consequências.
Quando ocorre um dano ambiental, regra geral, a consequência será o desencadear de acções de responsabilidade civil ambiental, acções essas que levarão à reparação do dano por parte do lesante.
A reparação dos danos pessoais, idealmente, será feita através da reconstituição natural, ou caso não seja possível, através do pagamento de uma indemnização pecuniária, indemnização essa que será igualmente atribuída nos casos de danos morais. Quanto à reparação dos danos ecológicos, de acordo com o anexo V do DL 147/2008, em primeiro lugar deverá proceder-se à restituição dos recursos naturais ao estado inicial (reparação primária), em segundo lugar tomam-se medidas de reparação suplementares às primárias, caso seja necessário (reparação complementar) e por fim, haverá reparação compensatória monetária quando as reparações primária e complementar não produzam os seus efeitos.
Vejamos em pormenor a questão dos danos.
Danos Pessoais:
Os danos pessoais que cada cidadão venha a sofrer por via da ofensa ao ambiente é objecto de responsabilidade civil ambiental, sejam danos patrimoniais, ou danos não patrimoniais, ou morais.
Apesar da dificuldade que os danos morais ambientais levantam, estes não devem ser excluídos da atribuição de indemnização por ofensa ambiental, uma vez que nos termos gerais da responsabilidade civil se pode, e deve, atender aos danos patrimoniais, o mais lógico será que os danos morais sejam incluídos.
Assim sendo, o lesado de um dano ambiental patrimonial ou moral, tem o direito de pedir a sua reparação.
Danos Ecológicos:
Os danos ecológicos são aqueles que se verificam em virtude de uma acção ou omissão humana, sendo esta lesiva do ambiente legalmente protegido. Estes danos não têm necessariamente de ter uma consequência individual directa ou imediata.
Por exemplo, se uma acção humana, numa floresta, tem como consequência a destruição de uma espécie de aves em via de extinção, este dano não é pessoal, trata-se de um dano ecológico. Não havendo danos pessoais nesta floresta mas apenas danos ecológicos, quem tem o dever de intentar uma acção judicial para se apurar a responsabilidade civil ambiental destes danos? Não serão com certeza as aves! Pelo artigo 66º número 1 da Constituição da República Portuguesa, esse dever cabe a todos e a cada um de nós, sob pena de ausência da reparação do dano.
Põem-se então a questão de saber se o pedido de indemnização por dano ecológico reporta-se apenas aos danos patrimoniais ou também ao dano moral colectivo (dano não patrimonial sofrido por toda a população).
Dano Moral Colectivo:
O ambiente é um bem jurídico difuso e supra-individual, ou seja, é todos e não é de ninguém. É portanto, um bem colectivo.
Apesar do nosso ordenamento jurídico não consagrar expressamente a reparação do dano moral colectivo, esta questão encontra-se prevista e desenvolvida no ordenamento brasileiro na “Lei de Acção Civil Pública”, Lei 7.347/85, com a redacção que lhe foi atribuída pela Lei 8.884/94, afirma no seu artigo 1º; “regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da acção popular, as acções de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ...”. No entanto, esta ideia de reparação do dano moral colectivo pode ser retirada do artigo 40º número 5 da nossa Lei de Bases do Ambiente (LBA).
A responsabilidade civil subjectiva em caso de lesão, ou ameaça de lesão, ao ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado a que os cidadãos têm direito encontra-se no número 4 do artigo 40º da LBA. Ora, o dito numero 5 do artigo 40º da LAB afirma, resumidamente, que sem prejuízo do anteriormente disposto é reconhecido às autarquias e aos cidadãos afectados o direito às compensações por parte das entidades responsáveis.
Então, se os danos podem ser peticionadas por via de responsabilidade civil objectiva (artigo 41º da LAB) e subjectiva (artigo 40º/4 da LAB), que compensações são estas que o número 5 do artigo 40º da LAB refere?
Assim, está em aberto a possibilidade de, em sede desta disposição legal, ser peticionada a reparação dos danos morais colectivos que toda a comunidade sofreu, uma vez que os danos individuais (pessoais e ecológicos) já se encontram previstos como reparáveis por via da responsabilidade civil ambiental.
No meu entendimento, faz todo o sentido que, independentemente de haver, ou não previsão legal sobre a matéria, o dano moral colectivo deveria poder ser peticionado e, em consequência, reparado e até mesmo compensado.
Para clarificar esta opinião, vejamos os seguintes argumentos:
1º
O ambiente deve ser visto como um bem jurídico.
Todos nós, individualmente e como sociedade, devemos estar comprometidos com o ambiente, quer como bem jurídico, quer quanto à sua essencialidade para a vida humana, devendo assim haver uma necessidade de o conservarmos e defendermos.
Ao longo dos anos temos vindo a perceber que o bem jurídico ambiente é merecedor da nossa atenção e protecção face à sua essencialidade e infungibilidade. Daí haver um dever social de cuidado ambiental de forma a dar continuidade a este bem, e por conseguinte, da espécie humana que está intimamente ligada ao ambiente que a rodeia. Por isso é tão importante o tema da solidariedade intergeracional ambiental que é premente incentivar e atingir.
Como expõe a professora Maria da Glória Garcia, “Ninguém é verdadeiramente proprietário da terra. Limita-se a conservá-la para a geração seguinte”.
O ambiente, como suporte da vida humana, torna-se assim um alvo merecedor de defesa que se inicia no homem actual, que irá preservar o ambiente, tendo esta sua actuação como fim proporcionar boas condições de vida às gerações presentes, assim como às futuras, dando origem aquilo que chamamos justiça intergeracional.
Torna-se claro que a acção de defesa do ambiente é colectiva, partindo de cada indivíduo em particular, mas apenas tendo resultados quando todos actuam em conjunto, com os mesmos objectivos. É a soma das acções de todos os indivíduos que fará preservar o ambiente.
Se assim é, terá toda a lógica que esta colectividade (soma de todos os indivíduos) veja a sua expressão não patrimonial ambiental defendida e salvaguardada através da possibilidade de arguir a reparação do dano não patrimonial que eventualmente sofra por via de qualquer dano ecológico.
Desta maneira, haverá menos hipótese para os lesantes que provoquem danos ecológicos sobre o ambiente saiam incólumes dos seus actos lesivos, e haja uma maior preocupação pela reparação do dano, de forma a defender o bem jurídico ambiente, assim como as gerações vindouras.
2º
Se o lesado individual pode, nos termos gerais, exigir a compensação do dano moral sofrido, porque não o há-de poder fazer a colectividade, sendo esta, a soma de do conjunto de indivíduos?
A propósito desta questão repare-se no que afirma José Rubens Morato Leite, “com efeito, quando se lese o meio ambiente, em sua concepção difusa, atinge-se concomitantemente a pessoa no seu “status” de indivíduo relativamente à cota parte de cada um e, de uma forma mais ampla,de toda a colectividade”.
A degradação ambiental abrange todos e não apenas um cidadão individualmente, portanto um dano ecológico viola um direito que a todos pertence.
Por exemplo, se a Serra de Sintra arde por completo destruindo fauna e flora, não haverá medo e angústia colectiva? Não só dos locais mas de todos os portugueses que tanto carinho têm por esta Serra e que podem viver na angústia de que tal fatalidade se dê em qualquer outro ponto do nosso país.
Assim, fará sentido que a colectividade possa (e deva) peticionar a reparação do seu dano moral (colectivo). E deve-o fazer, porque efectivamente sofreu-o ela mesma, enquanto sociedade,e não um dos seus membros individualmente considerado.
No fundo, o que aqui se trata, é de preservar a memória colectiva sobre um determinado bem jurídico, uma dada realidade ou património ambiental, sendo que o conjunto de todos os cidadãos, que com eles têm uma ligação, deve ver a sua moral colectiva lesada reparada.
Apesar de tudo, não deixa de ser uma tarefa difícil, a de aferir, quantificar e provar os danos morais colectivos. Contudo, a dificuldade não deve ser desculpa para não se reparar de todo um dano que foi efectivamente sofrido, pois bem sabemos que isso levará uma situação de injustiça, uma vez que o lesante não verá a sua acção ilícita sancionada e a comunidade não terá o dano reparado ou compensado.
Sobre esta mesma temática sugere José Rubens Morato Leite “... deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade económica do responsável”.
Concluindo, é de voltar a frisar que o dano moral colectivo existe, não se confundindo com o individual, e deve, como tal, ser alegado, aferido e compensado, apesar de todas as dificuldades que tal possa envolver.
Não será por “mero estorvo probatório” que o ambiente saia prejudicado, nem as gerações presentes e futuras.
“Não é pelas coisas serem difíceis que não devemos ousar, é por não ousarmos que elas não se simplificam.”
Maria Catarina Sampaio Soares
20503
Bibliografia:
Miguel Pereira Coutinho - Da Responsabilidade Civil Ambiental: A sua adesão ao processo penal português
José Rubens Morato Leite - Jurisprudência sobre o dano moral ambiental - Lusíada, Revista da Ciência e da Cultura
Branca Martins da Cruz - Responsabilidade Civil pelo Dano Ecológico: alguns problemas - Lusíada, Revista da Ciência e da Cultura
Jornadas de Direito do Ambiente, Lisboa 2008 - O que há de novo no direito do ambiente? Actas das jornadas do direito do ambiente. Org Carla Amado Gomes e Tiago Antunes. AAFDL
Visto.
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