terça-feira, 13 de maio de 2014

Princípio da precaução: inversão do ónus da prova

No que respeita à salvaguarda do ambiente existem dois princípios que devem ser atendidos: o princípio da prevenção e o da precaução.
O primeiro prende-se com uma actuação, por parte da Administração, com vista a actuar antes da existência de danos, quando estes sejam passiveis de certeza científica. Ou seja, quando é cientificamente possível verificar a existência de um dano futuro devido à prática de certa conduta pelo agente. Trata-se aqui de um perigo ambiental, cujo nexo causal é determinado cientificamente. Este princípio tem consagração constitucional, no artigo 66.º, n.º 2 alínea a).
            Por outro lado temo o princípio da precaução. Aqui já não estamos no domínio do perigo mas do risco, do risco ambiental, de uma incerteza que não é passível de ser confirmada cientificamente. Estamos numa fase bastante precoce em que apenas se coloca a existência desse risco para o meio ambiente, daí existir a necessidade, em caso de dúvida, de actuar em benefício do Ambiente.
            Ambos os princípios se encontram sob a alçada da nova Lei de Bases da Politica de Ambiente (doravante LBPA) – Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril – que revoga a anterior Lei de Bases do Ambiente (LBA) – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, mais concretamente no seu artigo 3.º alínea c), integrando os princípios materiais de ambiente.
            É daqui que resulta a aplicabilidade máxima das providências cautelares a nível ambiental. Surgem como instrumentos com o objectivo de assegurar um determinado valor ambiental que de outra forma, e devido sobretudo à morosidade dos processos, poderia não ser efectiva e devidamente acautelado, lesando-se o meio ambiente.
Neste âmbito coloca-se a questão da inversão do ónus da prova, na medida em que é o próprio agente que tem de demonstrar que a sua actuação é lícita e que não consubstancia nenhum dano para o ambiente. Estamos aqui a inverter a lógica patente no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Coloca-se assim na esfera do requerido a necessidade de demonstração de uma não lesão do bem jurídico.
Esta inversão do ónus da prova deriva do difícil, senão impossível, acesso a dados técnicos e estudos concretos sobre determinada lesão, praticada por certo agente. Passamos então esse ónus para a esfera do agente, tendo por base a ideia de que este, pela sua posição estratégica no mercado, terá maior facilidade na demonstração probatória de uma não lesão, devido aos recursos que para si tem disponíveis. A demonstração desta situação pode por em causa até a existência da própria providência cautelar, retirando-lhe fundamento útil, uma vez que não existe nenhum risco que deva ser efectivamente acautelado.  
Esta inversão do ónus, quando figurada nos termos do princípio da precaução visa assegurar certos bens jurídicos, com consagração constitucional. Estamos num domínio onde a incerteza e os riscos imperam e onde se coloca na esfera jurídica do agente, que origina o risco ambiental, o ónus de demonstrar que o risco por ele criado se situa dentro dos limites e parâmetros de controlo admitidos pelo próprio ordenamento, não estando aqui em causa qualquer tipo de actuação ilícita.
Nos casos em que o exercício de certa actividade tenha sido, em momento anterior, avaliado e admitido, por uma autoridade acreditada e com competências específicas, por exemplo, quando sujeito ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental – constituindo este uma concretização do princípio da prevenção.
Um facto é de que qualquer tipo de actuação que o agente pratique terá sempre um risco mínimo, seja ele de que âmbito for, uma vez que nas questões ambientais não existem actuações onde o risco seja zero. Nesse caso sairíamos do domínio das incertezas e de acautelar riscos possíveis, ainda que não demonstrados cientificamente, entrando no domínio das certezas e demonstração inequívoca da existência ou inexistência de danos.
Tal inversão do ónus da prova está sujeita a requisitos, uma vez que estamos a afectar a liberdade de iniciativa económica de um agente (artigo 61.º da CRP). Efectivamente, o direito ao ambiente pode impor restrições, colocando-se aqui uma questão de colisão de princípios, que deve ser resolvida no caso concreto atendendo ao fim último que se visa alcançar. As restrições ocorrem sobretudo com questões mais práticas como a localização da fábrica/empresa, o tipo e valores de emissões possíveis, entre outros.
Tal como refere a Professora Carla Amado Gomes, são três os requisitos: i) que a restrição vise assegurar valores que se encontrem constitucionalmente consagrados (artigo 66.º, n.º 2, da CRP); ii) tem de estar em causa o assegurar de uma justiça ambiental, tendo que tal inversão ser devidamente fundamentada sob penal de se estar a lesar a iniciativa económica do agente (artigo 52.º, n.º 3, alínea a), da CRP); e por último iii) não cause, a nível processual uma acentuada desigualdade entre partes na acção, nem afecte a possibilidade de defesa das partes.
A inversão do ónus não acarreta para o agente uma prova total uma vez que a parte lesada que intenta este tipo de acções tem de fundamentar minimamente, sob pena de termos uma actuação administrativa sem fundamento, afectando directamente a esfera do agente.
            Neste tipo de restrições temos sempre da atender às diferentes parte e contrabalançar os respectivos interesses sob pena de não se conseguir responder de forma útil e correcta ao problemas existentes no seio das relações jurídicas ambientais.

Referências bibliográficas:

Canotilho, J. J. (2007). Constituição da República Portuguesa - Anotada. Coimbra.
Gomes, C. A. (II Seminário Luso-Brasileiro, 2007). As providências cautelares e o "princípio da precaução": ecos da jurisprudência. https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/3779571743264/PROVPREC.pdf
Silva, V. P. (2002). Verde cor de direito - Lições de direito do ambiente. Almedina.



Margarida de Lemos Palmeiro, aluna n.º 20779

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