Princípio da precaução: inversão do ónus da prova
No
que respeita à salvaguarda do ambiente existem dois princípios que devem ser
atendidos: o princípio da prevenção e o da precaução.
O
primeiro prende-se com uma actuação, por parte da Administração, com vista a
actuar antes da existência de danos, quando estes sejam passiveis de certeza
científica. Ou seja, quando é cientificamente possível verificar a existência
de um dano futuro devido à prática de certa conduta pelo agente. Trata-se aqui
de um perigo ambiental, cujo nexo causal é determinado cientificamente. Este
princípio tem consagração constitucional, no artigo 66.º, n.º 2 alínea a).
Por outro lado temo o princípio da
precaução. Aqui já não estamos no domínio do perigo mas do risco, do risco ambiental,
de uma incerteza que não é passível de ser confirmada cientificamente. Estamos
numa fase bastante precoce em que apenas se coloca a existência desse risco
para o meio ambiente, daí existir a necessidade, em caso de dúvida, de actuar
em benefício do Ambiente.
Ambos os princípios se encontram sob
a alçada da nova Lei de Bases da Politica de Ambiente (doravante LBPA) – Lei
n.º 19/2014, de 14 de Abril – que revoga a anterior Lei de Bases do Ambiente
(LBA) – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, com as alterações introduzidas pela Lei
n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, mais concretamente no seu artigo 3.º alínea
c), integrando os princípios materiais de ambiente.
É daqui que resulta a aplicabilidade
máxima das providências cautelares a nível ambiental. Surgem como instrumentos
com o objectivo de assegurar um determinado valor ambiental que de outra forma,
e devido sobretudo à morosidade dos processos, poderia não ser efectiva e
devidamente acautelado, lesando-se o meio ambiente.
Neste
âmbito coloca-se a questão da inversão do ónus da prova, na medida em que é o
próprio agente que tem de demonstrar que a sua actuação é lícita e que não
consubstancia nenhum dano para o ambiente. Estamos aqui a inverter a lógica
patente no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Coloca-se assim na esfera do
requerido a necessidade de demonstração de uma não lesão do bem jurídico.
Esta
inversão do ónus da prova deriva do difícil, senão impossível, acesso a dados
técnicos e estudos concretos sobre determinada lesão, praticada por certo agente.
Passamos então esse ónus para a esfera do agente, tendo por base a ideia de que
este, pela sua posição estratégica no mercado, terá maior facilidade na
demonstração probatória de uma não lesão, devido aos recursos que para si tem
disponíveis. A demonstração desta situação pode por em causa até a existência da
própria providência cautelar, retirando-lhe fundamento útil, uma vez que não existe
nenhum risco que deva ser efectivamente acautelado.
Esta
inversão do ónus, quando figurada nos termos do princípio da precaução visa
assegurar certos bens jurídicos, com consagração constitucional. Estamos num
domínio onde a incerteza e os riscos imperam e onde se coloca na esfera
jurídica do agente, que origina o risco ambiental, o ónus de demonstrar que o
risco por ele criado se situa dentro dos limites e parâmetros de controlo
admitidos pelo próprio ordenamento, não estando aqui em causa qualquer tipo de
actuação ilícita.
Nos
casos em que o exercício de certa actividade tenha sido, em momento anterior,
avaliado e admitido, por uma autoridade acreditada e com competências específicas,
por exemplo, quando sujeito ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental –
constituindo este uma concretização do princípio da prevenção.
Um
facto é de que qualquer tipo de actuação que o agente pratique terá sempre um
risco mínimo, seja ele de que âmbito for, uma vez que nas questões ambientais não
existem actuações onde o risco seja zero. Nesse caso sairíamos do domínio das
incertezas e de acautelar riscos possíveis, ainda que não demonstrados
cientificamente, entrando no domínio das certezas e demonstração inequívoca da existência
ou inexistência de danos.
Tal
inversão do ónus da prova está sujeita a requisitos, uma vez que estamos a
afectar a liberdade de iniciativa económica de um agente (artigo 61.º da CRP). Efectivamente,
o direito ao ambiente pode impor restrições, colocando-se aqui uma questão de colisão
de princípios, que deve ser resolvida no caso concreto atendendo ao fim último
que se visa alcançar. As restrições ocorrem sobretudo com questões mais
práticas como a localização da fábrica/empresa, o tipo e valores de emissões possíveis,
entre outros.
Tal
como refere a Professora Carla Amado Gomes, são três os requisitos: i) que a
restrição vise assegurar valores que se encontrem constitucionalmente
consagrados (artigo 66.º, n.º 2, da CRP); ii) tem de estar em causa o assegurar
de uma justiça ambiental, tendo que tal inversão ser devidamente fundamentada
sob penal de se estar a lesar a iniciativa económica do agente (artigo 52.º,
n.º 3, alínea a), da CRP); e por último iii) não cause, a nível processual uma
acentuada desigualdade entre partes na acção, nem afecte a possibilidade de
defesa das partes.
A
inversão do ónus não acarreta para o agente uma prova total uma vez que a parte
lesada que intenta este tipo de acções tem de fundamentar minimamente, sob pena
de termos uma actuação administrativa sem fundamento, afectando directamente a
esfera do agente.
Neste tipo de restrições temos
sempre da atender às diferentes parte e contrabalançar os respectivos
interesses sob pena de não se conseguir responder de forma útil e correcta ao
problemas existentes no seio das relações jurídicas ambientais.
Referências
bibliográficas:
Canotilho,
J. J. (2007). Constituição da República Portuguesa - Anotada. Coimbra.
Gomes, C. A.
(II Seminário Luso-Brasileiro, 2007). As providências cautelares e o
"princípio da precaução": ecos da jurisprudência. https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/3779571743264/PROVPREC.pdf
Silva, V. P.
(2002). Verde cor de direito - Lições de direito do ambiente.
Almedina.
Margarida
de Lemos Palmeiro, aluna n.º 20779
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