A Ria Formosa, constituída por uma área de 18 mil hectares ao longo de 60
quilómetros, cobre o litoral algarvio desde o rio Ancão até à praia da Manta
Rota, envolvendo os concelhos de Loulé, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de
Santo António, estando distribuída por três zonas: a zona marítima, a zona do cordão
dunar e a zona sapal. Era, até 9 de Dezembro de 1987 e desde 1978 considerada
Reserva Natural. Com o Decreto-Lei n.º373/87 de 9 de Dezembro de 1987 passa a ter
o estatuto de Parque Natural. A noção de Parque Natural encontra-se no art.º 17
n.º1 do Decreto-Lei nº142/2008 que o define como uma «área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou
seminaturais, onde a preservação da biodiversidade a longo prazo possa depender
de actividade humana, assegurando um fluxo sustentável de produtos naturais e
de serviços».
Uma vez que foi considerada uma
área protegida pela Directiva 79/409/CEE de 2 de Abril de 1979 relativa à conservação
das aves selvagens, transposta para o ordenamento jurídico português através do
Decreto-Lei n.º49/2005 que regula o Regime Jurídico da Rede Natura 2000
(RJRN2000), a Ria Formosa está abrangida pela Rede Natura 2000.
A Rede Natura 2000 é uma rede ecológica de âmbito europeu com vista à
protecção da biodiversidade, constituída por Zonas de Proteção Especial
(79/409/CEE de 2 de Abril de 1979), que pretendem garantir a conservação e
reprodução de aves selvagens e dos seus habitats (Directiva Aves), e por Zonas
Especiais de Conservação (92/43/CEE de 21 de Maio 1992), que ambicionam a
conservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens no território
europeu (Directiva Habitats), tal
como decorre do art.º 4 do Decreto-Lei n.º49/2005.
A Directiva Aves e a Directiva Habitats
foram criadas pela necessidade de regular de forma harmoniosa a proteção da
biodiversidade, «através da conservação
ou do restabelecimento dos habitats naturais e da flora e da fauna selvagens
num estado de conservação favorável, da protecção, gestão e controlo das
espécies, bem como da regulamentação da sua exploração» tal como resulta do
n.º 2 do art.º1 do RJRN2000. A Directiva Aves visa a conservação de todas as
espécies de aves que vivem em estado selvagem do território europeu,
aplicando-se às aves e seus ovos, ninhos e habitats (art.º 1.ºs 1 e 2 da
respectiva Directiva), enquanto que a Directiva Habitats pretende a proteção dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens do continente
europeu (art.º 4 n.º 1 e 2 da respectiva
Directiva).
A classificação de «zonas de proteção especial» como áreas de importância
comunitária do território nacional em que são aplicadas as medidas necessárias
para a manutenção ou restabelecimento do estado de conservação das populações
de aves selvagens inscritas no anexo A-I
e dos seus habitats, bem como das espécies de aves migratórias não referidas
neste anexo e cuja ocorrência no território nacional seja regular (ZPE) reveste
a forma de decreto regulamentar (art.º 6 n.º1 RJRN2000).
A nomeação de ZPE’s deve ter em consideração, como resulta do art.º 6
n.º2 da Rede Natura 2000, as tendências e variações dos níveis populacionais
das espécies ameaçadas de extinção, as espécies vulneráveis a certas
modificações dos seus habitats, as espécies consideradas raras porque as suas
populações são reduzidas ou porque a sua reparação local é restrita, e as
espécies que necessitem de especial atenção devido ao seu habitat. A
classificação destas zonas como tendo carácter de proteção especial,
confere-lhes um estatuto jurídico especifico que pretende proteger a
biodiversidade que ai existe.
Uma vez classificados como ZPE’s ou ZEC’s, esses territórios irão
integrar uma rede de espaços afectos à conservação da natureza. As ZPE’s são
selecionadas pelos Estados-Membros, não sendo exigido pela Directiva Aves que
essa seleção revista forma especifica, tendo optado o Ministério do ambiente e
do ordenamento do território português por, na sua transposição, exigir que
revista a forma de decreto regulamentar (art.º 6 n.º1 do RJRN2000). Pelo
contrário, a Directiva Habitats prevê
a criação das ZEC’s através de três fases: a fase de elaboração pelo
Estado-Membro de uma lista nacional de sítios (LNS), aprovado por Conselho de
Ministros (art.º 5 RJRN2000) de habitats naturais previstos no anexo I e
habitats das espécies previstas no anexo II; a
fase de análise pela Comissão Europeia da LNS apresentada, selecionando
uma lista publicada através de portaria do ministro responsável dos sítios de
importância comunitária (SIC’s); e por último, a fase de reconhecimento pelos
Estados-Membros das zonas que consideram ZEC’s através de decreto regulamentar
dentre os territórios considerados pela Comissão Europeia como SIC’s no prazo
de 6 anos.
A delimitação das zonas abrangidas
pela Rede Natura 2000 não implica
que as restantes áreas fora desse âmbito devam ser descuradas. Como tal, devido
à dificuldade de circunscrever o limite geográfico e a possibilidade de os
animais circularem fora dessa zona protegida, leva a crer que há uma
necessidade de proteger não só as zonas classificadas, como também as zonas
circundantes. Foi esse o entendimento ordenado na Directiva Aves e na Directiva
Habitats, uma vez que a primeira
prevê no seu art.º 3 n.º2 b) «a
manutenção e adaptação ajustadas aos imperativos ecológicos dos habitats
situados no interior e no exterior das zonas de protecção», bem como o
art.º 4 n.º4 que refere que os Estados-Membros devem esforçar-se para além das
zonas de proteção por evitar a poluição ou deterioração dos habitats. Quanto à Directiva Habitats, esta regula nos art.º 3 n.º3 e
10.º, transposto pelo art.º 7.º-C do RJRN2000 que há uma necessidade de
proteção de outros habitats, exigindo uma coerência ecológica através do
desenvolvimento de elementos paisagísticos de importância fundamental para a fauna
e flora selvagens (n.º1), sendo estes identificados «pela sua estrutura linear e continua, como os rios, ribeiras e
respectivas margens ou os sistemas tradicionais de delimitação dos campos, ou
pelo seu papel de espaço de ligação, como os lagos, lagoas ou matas essenciais
à migração, à distribuição geográfica e ao intercambio genético de espécies
selvagens» (n.º2). O número 3 do mesmo artigo impõe ainda que se tomem as
medidas adequadas sempre que possível para evitar a poluição e deterioração das
zonas que não foram classificadas como ZPE pelo regime jurídico.
O RJRN2000 pretende contribuir para assegurar a biodiversidade dos
Estados-Membros, e como tal, fixa regras de conservação ou restabelecimento dos
habitats e regras relativas à protecção das espécies (art.º 1 n.º2). As medidas
de conservação para as ZEC’s encontram-se reguladas genericamente no proémio do
n.º2 do art.º 7, enquanto que nas suas alíneas pode encontrar-se medidas
especificas e no n.º3 medidas completares. Para as ZPE’s, o RJRN2000 institui
medidas genéricas no número 1 que impõem medidas adequadas a evitar a poluição
ou a deterioração dos habitats e as perturbações que afectam as aves, desde que
tenham um efeito significativo para a área. Uma vez que o art.º 7-B n.º2 remete
para o regime previsto para as ZEC’s estamos perante um regime uniforme de
proteção das zonas protegidas pela Rede Natura 2000.
Como medida de conservação, o RJRN2000 exige a elaboração de um
instrumento de gestão territorial como forma de execução do plano sectorial
para a gestão territorial dos sítios protegidos e as medidas referentes à
conservação das espécies da fauna, flora e habitats (art.º 7 n.º2 a) e art.º
8). É portanto exigido que seja traçado um plano de ordenamento do território
com orientações para a gestão do território (n.º4 do art.º 8) de modo a
garantir a conservação das espécies, fauna e flora, bem como execução do regime
jurídico da Rede Natura 2000 de forma mais vantajosa para a garantia da
biodiversidade.
A segunda medida especifica refere-se à gestão, remetendo o art.º 7 n.º2
b) para o art.º 9, que limita os actos e actividades referidos nas alíneas do
seu numero 2 que possam ser lesivas para o ambiente quando feitas nas zonas
protegidas, dependendo a sua execução de parecer favorável do Instituto de
Conservação da Natureza (ICN) ou da comissão de coordenação e desenvolvimento
regional competente. A necessidade de controlo prévio passa a ser dispensado
caso haja revisão ou alteração dos planos especiais de ordenamento do
território aplicáveis e, nas áreas não
abrangidas por aqueles planos, sempre que os relatórios dos planos municipais
de ordenamento do território aplicáveis não contenham a fundamentação do art.º
8 n.º3 alínea a).
O parecer deve ser emitido no prazo de 45 dias desde a data da sua
solicitação (art.º9 n.º3). Na ausência de parecer entende-se que equivale a
resposta favorável (n.º5), e no caso de o parecer ser negativo há possibilidade
de recurso para o Ministro do Ambiente nos termos do numero 5 do art.º 9. No
caso de haver necessidade de a actividade estar sujeita a avaliação de impacte
ambiental, o prazo do numero 3 suspende-se, uma vez que há a necessidade de
efectuar-se uma analise de incidências ambientais (AIncA) da actividade humana
quando susceptiveis de afetar a zona de forma significativa, tal como exigido
pelo art.º 10 n.º1, constituindo juntamente com a AIA a terceira medida
especifica de conservação regulada pelo art.º 7 (alínea c) do n.º2).
O art.º 7 n.º2 d) prevê medidas de vigilância, que reguladas pelo art.º
20, consistem em assegurar a monotorização e vigilância sistemática de
conservação das espécies e habitats referidos pelo ICN. Caso se tratem de
espécies cinegéticas (espécies destinadas à caça desportiva), a sua vigilância
cabe também ao Ministério da Agricultura (n.º2).
Por último, a alínea e) do n.º2 do art.º 7 refere como medida especifica
a fiscalização do cumprimento do disposto no presente diploma e respectiva
legislação complementar, que compete às entidades referidas no art.º 21,
regulando os artigos seguintes as sanções aplicáveis em caso de incumprimento,
tal como coimas, sanções acessórias, reposição da situação anterior, embargo e
demolição.
O art.º 7 refere ainda medidas
complementares de conservação «a) planos
de gestão que contemplem medidas e acções de conservação adequadas, por
portaria conjunta do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e dos
ministros com tutela sobre os sectores com interesses relevantes na ZEC visada,
precedidos de consulta publica que segue os tramites previstos no regime
jurídico dos instrumentos de gestão territorial para os planos especiais de
ordenamento do território; b) outras medidas regulamentares, administrativas ou
contratuais que cumpram os objectivos de conservação visados pelo presente
diploma» (n.º3).
A Ria Formosa é um parque protegido por ilhas barreira, com uma grande
diversidade de ambientes, que alberga não só espécies raras, como espécies em
vias de extinção, para além de ser conhecido pela grande diversidade de aves
aquáticas, razão pela qual é considerada uma das 90 áreas em Portugal
prioritária para a conservação das aves e seus habitats (IBA – Important
Bird Areas) e integra a Rede Natura 2000. O ambiente fértil da ria é
propicio à reprodução não só de peixes e marisco, como também proporciona às
aves melhores condições de reprodução e de utilização deste parque como ponto
de paragem no inverno durante as migrações entre a Europa e África.
Ainda que considerada um parque natural desde de 9 de Dezembro de 1987
através do Decreto-Lei n.º373/87 de 9 de Dezembro de 1987, integrando a Rede
Nacional de Áreas Protegidas, regulado hoje em dia pelo Decreto-Lei 142/2008,
de 24 de Julho, a Ria Formosa integra também a Rede Natura 2000, uma vez que a
classificação de uma zona como área protegida não exclui a imposição de a
incluir no Regime Jurídico da Rede Natura 2000, como foi decidido pelo TJUE no
acórdão de 19 de Maio de 1998. O mesmo decorre do art.º 9 do Decreto-Lei
n.º142/2008 que esclarece que o Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC)
é constituído, entre outros, pelas áreas classificadas integradas na Rede
Natura 2000.
Uma vez que se trata de uma zona húmida de importância
internacional, foi inscrita na Convenção de Ramsar de 1971 devido à sua
importância internacional como habitat
de aves aquáticas, e, nesse âmbito, o Governo Português comprometeu-se a
preservar o meio ambiente e utilizar os recursos de forma racional, de modo a
contribuir para a conformidade global do ecossistema, uma vez que «defender
a natureza e o ambiente», «preservar os recursos naturais», «criar e
desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e
proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a
preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico»
é uma tarefa fundamental do Estado que decorre dos art.º 9 e 66º da
Constituição, competindo-lhe nos termos da Lei n.º 19/2014 (Lei de Bases do
Ambiente) a realização da politica de ambiente (art.º 2 n.º2 da LBA).
Descritas pelo Dr. Tiago Antunes como “santuários da vida selvagem”, as zonas
húmidas são áreas de uma extrema importância devido à sua elevada fertilidade e
condições prósperas ao desenvolvimento da vida selvagem, tendo sido objecto de
protecção pela comunidade internacional que, nas palavras de Tiago Antunes, “demonstrou
argúcia, discernimento e realismo, actuando de forma cirúrgica e direccionada[1]”.
A protecção do parque natural da Ria
Formosa é considerado de grande importância, não só a nível nacional, como a
nível internacional, devido à necessidade de proteger a biodiversidade que
existe nesta zona húmida. Desde cedo a actividade humana tem vindo a colocar em
perigo progressivamente espécies, ecossistemas, recursos e habitats naturais, e
como tal há uma necessidade de colmatar essas ameaças humanas de forma que
continue a existir condições prósperas de sobrevivência de todos os seres
vivos. Ainda que essa actividade humana resulte em pequenos danos para o
ambiente, a sua acumulação tem resultados a longo prazo que já se fazem sentir,
tal como a perda de ecossistemas, o aquecimento global ou a extinção de
espécies de forma irreversível. Esta perda de biodiversidade leva a um
empobrecimento da “capacidade de sobrevivência da espécie humana”[2].
Nas palavras de Carla Amado Gomes, «promover medidas de conservação activa, que
permitam preservar o existente e contribuir para um entrelaçamento entre os
aproveitamentos possíveis da biodiversidade e a vivência da área pelos
frequentadores que as suas características permitirem[3]»
é essencial para que haja uma conservação
eficiente do ambiente.
Com a pretensão de assegurar a proteção dos valores naturais existentes
na área, contribuindo para o desenvolvimento regional e nacional, devido à sua
grande diversidade, o Parque Natural da Ria Formosa, nomeado como uma das 7 maravilhas de Portugal, foi
considerado em 2008 como prioritário pelo projecto Polis para a requalificação
e valorização da orla costeira. A Sociedade Polis Litoral Ria Formosa foi criada
para esse fim, através do Decreto-Lei 232/2007 de 15 de Junho, que fixa o
Regime da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).
Bibliografia
ANTUNES,
Tiago, Singularidades de um Regime
Ecológico – O Regime jurídico da Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências
da análise de incidências ambientais, in No Ano Internacional da Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP,
2010;
HENRIQUES, Pedro
Castro – Parques e reservas naturais em Portugal, Verbo 2000;
GOMES, Carla
Amado, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, 2ª Edição, Lisboa, 2014;
GOMES, Carla
Amado, Uma mão cheia de nada, outra de
coisa nenhuma, in No Ano
Internacional da Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP, 2010;
http://www.icnf.pt/portal
http://www.olhao.web.pt/parquenatural.htm
http://www.formosamar.com/ria-formosa
www.polislitoralriaformosa.pt/
[1] in
ANTUNES, Tiago, Singularidades de um Regime Ecológico – O Regime jurídico da
Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências da análise de incidências
ambientais, in No Ano Internacional da Biodiversidade, e-book,
Lisboa, ICJP, 2010
[2] ALMEIDA, José
Mário Ferreira de, “Energia e conservação da natureza”, in Temas de Direito da Energia, Cadernos O Direito, n.o 3, 2008, p. 166. apud ANTUNES, Tiago, Singularidades de um Regime
Ecológico – O Regime jurídico da Rede Natura 2000 e, em particular, as
deficiências da análise de incidências ambientais, in No Ano
Internacional da Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP, 2010.
[3] GOMES, Carla Amado, Uma mão cheia
de nada, outra de coisa nenhuma, in No Ano Internacional da
Biodiversidade, e-book, Lisboa, ICJP, 2010.
Catarina Furtado nº 20847
Catarina Furtado nº 20847
Visto.
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