O meio ambiente padece
da qualidade de bem jurídico que pertence a todos e a ninguém em particular.
Todos beneficiam com a sua protecção e todos são prejudicados com a sua
degradação. É sobre esta lógica que nos debruçamos na feitura deste trabalho,
tendo como principal objectivo o tratamento da querela do direito ao ambiente
como um bem social e unitário e/ou o direito ao ambiente como um direito
subjectivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado.
A opção entre uma
perspectiva essencialmente antropocêntrica (cuja defesa do ambiente é feita com
o objectivo principal de defender a vida humana) ou ecocêntrica (em que o
ambiente já é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa e promoção da
natureza como um valor novo) tem sido questionada com alguma veemência,
continuando a suscitar as maiores dúvidas. É motivo de cisma doutrinária se
deverá proteger-se o ambiente pelo seu próprio valor e em face dos direitos de
que a comunidade deverá gozar ou, se é “apenas” a vida do homem que se pretende
assegurar em condições dignas de existência.
A preocupação com a
Natureza verifica-se desde os primórdios da Humanidade, estando este tipo de preocupação
muitas vezes espelhada em perspectivas religiosas, morais ou filosóficas. Este
cuidado com a Natureza e com o destino desta veio adquirindo, ao longo do
tempo, uma dimensão colectiva, tornando-se mesmo um problema “político” da
comunidade.
As ciências do ambiente
têm tido um enorme desenvolvimento a nível de proliferação de leis em matéria
de ambiente, contribuindo para a “difusão de uma nova consciência ecológica”
que se manifesta a dois níveis:
1.
Dimensão individual – decorre da
consciencialização dos cidadãos relativamente à perenidade dos recursos e à
necessidade de contribuir activamente para a prevenção da natureza;
2.
Dimensão institucional – considerando o
aumento de movimentos ambientalistas, departamentos ligados ao ambiente,
entidades administrativas destinadas à defesa ambiental e complexos normativos
focados em matéria ecológica.
O rapidíssimo
desenvolvimento tecnológico da nossa sociedade trouxe problemas dos quais
sobressai a questão relativa ao ambiente tendo em conta a crescente generalização
da convicção das pessoas sobre a necessidade de o preservar e promover. A
inevitável propensão para a “mundialização” destes problemas ambientais,
operada também a nível nacional, está na base da emergência recente do ambiente
como bem digno de protecção ou tutela jurídica, ou seja, na base da sua
evolução de mero interesse socialmente relevante em autêntico bem jurídico. Assim,
podemos abranger valores ou interesses que se apresentam em estreita conexão
com os interesses gerais da sociedade, tomados enquanto tais e não enquanto
valores estritamente individuais.
Existe desta forma uma
“socialização” do conceito na medida em que, apesar de também ser um direito
fundamental pertencente a todos e a cada um de nós, é um interesse colectivo
com uma enorme dimensão social.
São objecto de tutela
de direito os diversos componentes ou bens ambientais em sentido estrito e,
como tal, a lei protege e regula o ambiente nesta medida mas também do ponto de
vista em que o ambiente é entendido na sua globalidade.
Nas décadas mais
recentes, a grande novidade prende-se com o facto da força que devemos dar ao
tratamento jurídico do ambiente, sem o reduzir necessariamente à tutela da
vida, da beleza da paisagem ou do desenvolvimento económico e tecnológico,
dando-lhe desta forma uma dimensão colectiva ou social pura e simplesmente
irredutível.
Posto isto, importa
agora mencionar que, como consequência da consideração do ambiente como bem
jurídico autónomo, resulta que determinados componentes ambientais – nomeadamente,
o solo, a água e o ar – que antes seriam passíveis de utilizar sem qualquer
tipo de regra ou limite, são agora bens juridicamente protegidos, e por isso e
pelo facto de estarem cada vez mais ameaçados nas sociedades dos nossos dias,
gozam de tutela jurídica que visa tornar a sua utilização e o seu
aproveitamento mais racionais e equilibrados. Tudo isto é confirmado pela
consagração jurídico-constitucional que o ambiente recebeu no ordenamento
jurídico português.
Tendo em conta todas as
considerações feitas anteriormente, é essencial neste ponto esclarecer que a
consideração do ambiente como bem jurídico autónomo não é suficiente para dar a
compreender toda a importância que a disciplina jurídica do ambiente assume em
ordenamentos como o português, que consagram de forma clara e inequívoca um
direito dos cidadãos ao ambiente.
Para fundamentar a
nossa opinião, recorremos por exemplo ao caso do Brasil, cuja Constituição
dispõe expressamente que “todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à colectividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Também em Espanha a
Constituição estabelece que “todos têm direito a desfrutar de um meio ambiente
adequado ao desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de p conservar” –
apesar disto, a doutrina manifesta algumas dúvidas quanto à qualificação do
direito ao ambiente como um direito fundamental.
Em Portugal, o artigo
66º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) revela-se paradigmático
nesta questão já que menciona que “todos têm direito a um ambiente de vida
humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”,
considerando assim o direito ao ambiente como um direito fundamental, autónomo
relativamente a outros direitos como por exemplo o direito à saúde, à vida ou à
propriedade. Esta leitura aponta no sentido de um direito subjectivo ao
ambiente autónomo que se difere de outros direitos também protegidos
constitucionalmente, sendo por isso o direito ao ambiente um “direito
subjectivo inalienável pertencente a qualquer pessoa” – Gomes Canotilho.
Daqui se infere que,
apesar da grande importância que podemos atribuir à qualificação do ambiente
como bem público ou colectivo, a sua perspectiva ou dimensão subjectiva não
poderá passar para um plano onde a consideramos menos importante.
Tal como direito
fundamental que é, devem ser assegurados todos os mecanismos jurídicos
existentes para a sua tutela se adequar a esta perspectiva do direito ao
ambiente.
O direito do ambiente é
acolhido pela nossa CRP como tarefa fundamental do Estado (artigo 9º alíneas d)
e e) da CRP), o que importa deste modo considerar o ambiente simultaneamente numa
dimensão objectiva e subjectiva.
Podemos então dizer
que, apesar de o direito ao ambiente ser visto como um novo valor que reveste
cada vez mais importância para a comunidade jurídico-politicamente organizada
compreendido na sua dimensão pública ou colectiva -, mostra-se importante
esclarecer que essa natureza não prejudica (e até reforça) o facto de o
ambiente dever também ser visto e assumido como direito subjectivo de todo e
qualquer cidadão considerado individualmente. Isto porque, apesar do ambiente
ser um bem social e unitário, a sua dimensão pessoal é indubitável. Esta
dimensão subjectiva não poderá ser prejudicada em razão da sua importância
comunitária.
Seguimos agora para uma
tentativa de articulação entre as duas perspectivas pelas quais o ambiente pode
ser encarado, salientando que a existência de um direito subjectivo ao ambiente
não deve fazer esquecer o seu carácter de bem jurídico unitário de toda a
comunidade. Por outras palavras, a titularidade individual de um direito
subjectivo ao ambiente não traz consigo a subversão do ambiente como bem
jurídico colectivo. Partimos do raciocínio de que “o meio ambiente padece da
qualidade de bem jurídico que pertence a todos e a ninguém em particular. Todos
beneficiam com a sua protecção e todos são prejudicados com a sua degradação.”
Este argumento mostra a necessidade de pronunciação de ambiente com duas
perspectivas distintas perfeitamente articuladas na medida em que só será
possível beneficiar e desfrutar deste meio ambiente rico e conservado caso cada
cidadão, individualmente, respeitar e cumprir as regras tocantes ao progresso e
conservação, sob pena de actuação do Estado em ordem a garantir um meio
ambiente totalmente protegido e tutelado como um direito fundamental.
Bibliografia:
- DIAS, José Eduardo Figueiredo, Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo (Da Legitimidade Processual e das Suas Consequências), Stvdia Iridica, 29, Coimbra, Coimbra Editora, 1997
- GARCIA,
Maria da Glória, O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente, Coimbra,
Almedina, 2007
- CANOTILHO, J. J. Gomes, Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada, in Revista do Cedoua, ano IV, 8, 2/2011
- SILVA, Vasco Pereira da, Verdes são também os Direitos do Homem (Publicismo, Privatismo e Associativismo no Direito do Ambiente), in Portugal-Brasil Ano 2000, Stvdia Ivridica, Coimbra, Coimbra Editora, 1999
- CANOTILHO, J. J. Gomes (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, 1998
Andreia Pontífice Sousa
Nº20818, 4º Ano, subturma 4
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