terça-feira, 13 de maio de 2014

Querela do Direito do Ambiente: bem social ou individual?

O meio ambiente padece da qualidade de bem jurídico que pertence a todos e a ninguém em particular. Todos beneficiam com a sua protecção e todos são prejudicados com a sua degradação. É sobre esta lógica que nos debruçamos na feitura deste trabalho, tendo como principal objectivo o tratamento da querela do direito ao ambiente como um bem social e unitário e/ou o direito ao ambiente como um direito subjectivo de todo e qualquer cidadão individualmente considerado.
A opção entre uma perspectiva essencialmente antropocêntrica (cuja defesa do ambiente é feita com o objectivo principal de defender a vida humana) ou ecocêntrica (em que o ambiente já é tutelado em si mesmo, procurando-se a defesa e promoção da natureza como um valor novo) tem sido questionada com alguma veemência, continuando a suscitar as maiores dúvidas. É motivo de cisma doutrinária se deverá proteger-se o ambiente pelo seu próprio valor e em face dos direitos de que a comunidade deverá gozar ou, se é “apenas” a vida do homem que se pretende assegurar em condições dignas de existência.
A preocupação com a Natureza verifica-se desde os primórdios da Humanidade, estando este tipo de preocupação muitas vezes espelhada em perspectivas religiosas, morais ou filosóficas. Este cuidado com a Natureza e com o destino desta veio adquirindo, ao longo do tempo, uma dimensão colectiva, tornando-se mesmo um problema “político” da comunidade.
As ciências do ambiente têm tido um enorme desenvolvimento a nível de proliferação de leis em matéria de ambiente, contribuindo para a “difusão de uma nova consciência ecológica” que se manifesta a dois níveis:
1.      Dimensão individual – decorre da consciencialização dos cidadãos relativamente à perenidade dos recursos e à necessidade de contribuir activamente para a prevenção da natureza;
2.      Dimensão institucional – considerando o aumento de movimentos ambientalistas, departamentos ligados ao ambiente, entidades administrativas destinadas à defesa ambiental e complexos normativos focados em matéria ecológica.
O rapidíssimo desenvolvimento tecnológico da nossa sociedade trouxe problemas dos quais sobressai a questão relativa ao ambiente tendo em conta a crescente generalização da convicção das pessoas sobre a necessidade de o preservar e promover. A inevitável propensão para a “mundialização” destes problemas ambientais, operada também a nível nacional, está na base da emergência recente do ambiente como bem digno de protecção ou tutela jurídica, ou seja, na base da sua evolução de mero interesse socialmente relevante em autêntico bem jurídico. Assim, podemos abranger valores ou interesses que se apresentam em estreita conexão com os interesses gerais da sociedade, tomados enquanto tais e não enquanto valores estritamente individuais.
Existe desta forma uma “socialização” do conceito na medida em que, apesar de também ser um direito fundamental pertencente a todos e a cada um de nós, é um interesse colectivo com uma enorme dimensão social.
São objecto de tutela de direito os diversos componentes ou bens ambientais em sentido estrito e, como tal, a lei protege e regula o ambiente nesta medida mas também do ponto de vista em que o ambiente é entendido na sua globalidade.
Nas décadas mais recentes, a grande novidade prende-se com o facto da força que devemos dar ao tratamento jurídico do ambiente, sem o reduzir necessariamente à tutela da vida, da beleza da paisagem ou do desenvolvimento económico e tecnológico, dando-lhe desta forma uma dimensão colectiva ou social pura e simplesmente irredutível.
Posto isto, importa agora mencionar que, como consequência da consideração do ambiente como bem jurídico autónomo, resulta que determinados componentes ambientais – nomeadamente, o solo, a água e o ar – que antes seriam passíveis de utilizar sem qualquer tipo de regra ou limite, são agora bens juridicamente protegidos, e por isso e pelo facto de estarem cada vez mais ameaçados nas sociedades dos nossos dias, gozam de tutela jurídica que visa tornar a sua utilização e o seu aproveitamento mais racionais e equilibrados. Tudo isto é confirmado pela consagração jurídico-constitucional que o ambiente recebeu no ordenamento jurídico português.
Tendo em conta todas as considerações feitas anteriormente, é essencial neste ponto esclarecer que a consideração do ambiente como bem jurídico autónomo não é suficiente para dar a compreender toda a importância que a disciplina jurídica do ambiente assume em ordenamentos como o português, que consagram de forma clara e inequívoca um direito dos cidadãos ao ambiente.
Para fundamentar a nossa opinião, recorremos por exemplo ao caso do Brasil, cuja Constituição dispõe expressamente que “todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à colectividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Também em Espanha a Constituição estabelece que “todos têm direito a desfrutar de um meio ambiente adequado ao desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de p conservar” – apesar disto, a doutrina manifesta algumas dúvidas quanto à qualificação do direito ao ambiente como um direito fundamental.
Em Portugal, o artigo 66º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) revela-se paradigmático nesta questão já que menciona que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, considerando assim o direito ao ambiente como um direito fundamental, autónomo relativamente a outros direitos como por exemplo o direito à saúde, à vida ou à propriedade. Esta leitura aponta no sentido de um direito subjectivo ao ambiente autónomo que se difere de outros direitos também protegidos constitucionalmente, sendo por isso o direito ao ambiente um “direito subjectivo inalienável pertencente a qualquer pessoa” – Gomes Canotilho.
Daqui se infere que, apesar da grande importância que podemos atribuir à qualificação do ambiente como bem público ou colectivo, a sua perspectiva ou dimensão subjectiva não poderá passar para um plano onde a consideramos menos importante.
Tal como direito fundamental que é, devem ser assegurados todos os mecanismos jurídicos existentes para a sua tutela se adequar a esta perspectiva do direito ao ambiente.
O direito do ambiente é acolhido pela nossa CRP como tarefa fundamental do Estado (artigo 9º alíneas d) e e) da CRP), o que importa deste modo considerar o ambiente simultaneamente numa dimensão objectiva e subjectiva.
Podemos então dizer que, apesar de o direito ao ambiente ser visto como um novo valor que reveste cada vez mais importância para a comunidade jurídico-politicamente organizada compreendido na sua dimensão pública ou colectiva -, mostra-se importante esclarecer que essa natureza não prejudica (e até reforça) o facto de o ambiente dever também ser visto e assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão considerado individualmente. Isto porque, apesar do ambiente ser um bem social e unitário, a sua dimensão pessoal é indubitável. Esta dimensão subjectiva não poderá ser prejudicada em razão da sua importância comunitária.
Seguimos agora para uma tentativa de articulação entre as duas perspectivas pelas quais o ambiente pode ser encarado, salientando que a existência de um direito subjectivo ao ambiente não deve fazer esquecer o seu carácter de bem jurídico unitário de toda a comunidade. Por outras palavras, a titularidade individual de um direito subjectivo ao ambiente não traz consigo a subversão do ambiente como bem jurídico colectivo. Partimos do raciocínio de que “o meio ambiente padece da qualidade de bem jurídico que pertence a todos e a ninguém em particular. Todos beneficiam com a sua protecção e todos são prejudicados com a sua degradação.” Este argumento mostra a necessidade de pronunciação de ambiente com duas perspectivas distintas perfeitamente articuladas na medida em que só será possível beneficiar e desfrutar deste meio ambiente rico e conservado caso cada cidadão, individualmente, respeitar e cumprir as regras tocantes ao progresso e conservação, sob pena de actuação do Estado em ordem a garantir um meio ambiente totalmente protegido e tutelado como um direito fundamental.

Bibliografia:
  • DIAS, José Eduardo Figueiredo, Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo (Da Legitimidade Processual e das Suas Consequências), Stvdia Iridica, 29, Coimbra, Coimbra Editora, 1997
  • GARCIA, Maria da Glória, O Lugar do Direito na Protecção do Ambiente, Coimbra, Almedina, 2007 
  • CANOTILHO, J. J. Gomes, Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada, in Revista do Cedoua, ano IV, 8, 2/2011
  • SILVA, Vasco Pereira da, Verdes são também os Direitos do Homem (Publicismo, Privatismo e Associativismo no Direito do Ambiente), in Portugal-Brasil Ano 2000, Stvdia Ivridica, Coimbra, Coimbra Editora, 1999
  • CANOTILHO, J. J. Gomes (coord.), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade Aberta, 1998



 Andreia Pontífice Sousa
Nº20818, 4º Ano, subturma 4

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