quinta-feira, 8 de maio de 2014

Responsabilidade civil por danos ambientais

I. Antes de tratar da responsabilidade civil há que fazer uma breve referência à forma como o nosso ordenamento regula a proteção do ambiente. 
A responsabilidade civil ambiental encontra o seu fundamento jurídico na consagração de um direito ao ambiente estabelecido no art.66º da CRP, sendo que a CRP trata das questões ambientais na perspetiva estadual (art.9.º al. e)) e na perspetiva da qualidade de direito fundamental (art.66.º CRP). O direito fundamental ao ambiente pode ser considerado como tendo uma dupla natureza, enquanto direito subjetivo e como direito objetivo da comunidade. O Professor Vasco Pereira da Silva considera que o Direito do Ambiente é um direito subjetivo, tendo o Professor a posição de que para a defesa deste direito é mais eficaz se o mesmo for defendido por direitos individuais e, em caso de conflitos de direitos com esta visão mais facilmente se compatibiliza este direito com outros direitos. Mas, por sua vez, a Professora Carla Amado Gomes tem uma posição diferente e considera que o Direito do Ambiente não é um direito subjetivo como o entende o Professor, e deve ser visto não como um direito individual, mas sim como um direito coletivo, pois o ambiente é um bem coletivo para ser fruído em termos difusos, considerando a forma adequada para defende-lo a ação popular, pois atua para o interesse de toda a coletividade. 
Nos dias de hoje, com a crescente utilização dos recursos naturais, muitas vezes usados até ao limite para satisfação das necessidades, com a industrialização intensiva, poderão ocorrer diversos danos ambientais que põem em causa os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva. Assim, o meio ambiente tende a ser destruído, pelo que é impetuoso a necessidade de proteção do mesmo pelo Direito e configurar a lesão ambiental ilícita como um dano que origina um problema ecológico que deverá ser tutelada pela responsabilidade civil.  
A questão da responsabilidade civil da Administração pública, no domínio do ambiente é, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, estabelecido por três vetores: 
Regime da responsabilidade por atos de gestão pública – a responsabilidade pela atuação administrativa pode assumir três vias: 
  1.Responsabilidade por facto ilícito culposo – é uma responsabilidade subjetiva baseada na culpa, assentando nos pressupostos: facto ilícito, culpa do agente, prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o dano. 
  2.Responsabilidade pelo risco – a Administração responde pelos prejuízos de serviços administrativos perigosos ou de coisas e atividades da mesma natureza, salvo se se provar que houve força maior ao funcionamento dessas atividades. 
  3.Responsabilidade por atos lícitos – as entidades da Administração pública são responsáveis perante os particulares a quem mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham disposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais. 
A responsabilidade ambiental tanto pode dar origem a uma sentença de reconstituição natural da situação anterior à lesão como a uma indemnização pecuniária. 
Regime da responsabilidade por atos de gestão privada – encontra-se regulado nos arts483.º e ss CC, pelo que se trata de um regime aplicável as relações quando a Administração pública age através de atos de gestão privada. A responsabilidade por factos ilícitos assenta também nos pressupostos de: facto ilícito, culpa do agente, prejuízo e nexo de causalidade entre facto e prejuízo. 
Regime da responsabilidade sempre que esteja em causa o ator popular

II. A responsabilidade civil por danos ambientais tem um Decreto-Lei que a consagra, o DL 147/2008, de 29 de Junho, no qual se estabelece que “por um lado, um regime de responsabilidade civil subjetiva e objetiva nos termos do qual os operadores -poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. Por outro, fixa-se um regime de responsabilidade administrativa destinado a reparar os danos causados ao ambiente perante toda a coletividade” (Preâmbulo). Assim, este DL estabeleceu quer um regime de responsabilidade objetiva (art.7.º), quer um regime de responsabilidade subjetiva (art.8.º) pelos danos ambientais. A responsabilidade subjetiva adota um regime parecido ao do previsto no art.483.º CC, estabelecendo que “Quem, com dolo ou mera culpa, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um componente ambiental fica obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa”. Por sua vez, quanto à responsabilidade objetiva, prevê que “Quem, em virtude do exercício de uma atividade económica enumerada no anexo iii ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante, ofender direitos ou interesses alheios por via da lesão de um qualquer componente ambiental é obrigado a reparar os danos resultantes dessa ofensa, independentemente da existência de culpa ou dolo”, arts7.º e 8.º DL nº147/2008, respetivamente. 
Também a Lei de Bases do Ambiente, L nº11/87, de 7 de Abril, no art.41.º consagra o regime de responsabilidade objetiva pelo risco, estabelecendo “que existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma ação especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável”. 
A responsabilidade civil está consagrada também nos arts483.º e ss CC e, nos termos do art.562.º CC, demostra-se que a obrigação de reparar é imposta, pois na letra do artigo “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se estivesse verificado o evento que obriga à reparação”. E, para além desta obrigação de reparar, poderá também haver uma indemnização, nos termos do art.566.º CC. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 
Contudo, há que ter em conta que afetação dos bens ambientais não significa, só por si, que tal prejuízo deva ser reparado, pois para tal é necessário que se consubstancie numa situação de responsabilidade, que é um pressuposto que se liga à consequência do dever de indemnizar.

 III. Por último, há que fazer quanto aos pressupostos da responsabilidade civil que facilitam a admissibilidade de uma responsabilidade ambiental uma breve explicação. Deste modo, temos: 
• Facto ilícito – pode resultar de uma ação ou uma omissão. 
• Culpa – cabendo ao lesado provar a culpa daquele que praticou a lesão, decorrendo do art.487.º/1 CC. Nos casos de lesão ambiental parece ser dispensada a culpa, tendo em conta a presunção do art.483.º/ 2 CC, de que quem pratica uma atividade perigosa se presume responsável pelos danos verificados, exceto se demonstrar que tomou todas as previdências exigidas pelas circunstâncias como vim de as prevenir. 
• Dano – antes de mais é necessário fazer uma distinção entre o dano ambiental e ecológico. Os primeiros são aqueles que lesam um bem jurídico concretos do ambiente entre os quais: água, solo, ar, etc., pelo que não se viola direitos individuais. Por sua vez, os danos ecológicos consubstanciam-se na verificação de um dano de forma unitária, ou seja, de um só elemento do ambiente. Nesses casos o dano surge com um resultado. Perante o dano ambiental, em que há o dever de reparação, este pode ocorrer através de duas vias: ou reparação in natura do estado anterior do bem ambiental ou uma compensação em dinheiro. Contudo, nem sempre o dano ambiental é suscetível de reparação, por exemplo, nos casos em que o agente é indeterminado ou o dano é impossível de ser recomposto.[1]
• Nexo de causalidade entre o facto e o dano – nem sempre é fácil determinar o nexo causal do dano ambiental, isto porque muitas vezes existem várias causas não sendo possível imputar o dano a um ou vários agentes.

BIBLIOGRAFIA: 
SILVA, Vasco Pereira, “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2002 
SILVA, Vasco Pereira, “Verdes são também os Direitos do Homem”, Principia, 2000
GOMES, Carla Amado, “A prevenção à prova no direito do Ambiente”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000 
GOMES, CARLA AMADO, “A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho”, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009 
SENDIM, José de Sousa Cunhal, “Responsabilidade civil por danos ecológicos – da reparação do dano através de restauração natural”, Coimbra Editora, 1998 
SOUZA, Mariza Regina de, “Responsabilidade por danos ambientais”

Joana Matias, nº19648


[1] O dano ambiental coloca o problema de determinar valor indemnizatório e, apesar de o art.562.º CC dar primazia a uma reconstituição natural, o mesmo não impede aos Tribunais de atribuírem indemnizações pecuniárias por danos ambientais, nos termos do art.566.º/ 3CC.

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