Processo nº 12.44TACD
Acção Administrativa Comum
Relatório
Amigos do Bobby, Organização Não Governamental de Ambiente, pessoa colectiva de tipo associativo, inscrita no Registo Nacional das Associações Não-Governamentais de Ambiente sob o n.º 352478987, e sede na Rua do Ambiente Verde, n.º 155, 1.º Esquerdo, 3000-021, Dragão, aqui representada pela sua Presidente, Madalena Diogo Cão, propôs neste tribunal ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM, com vista à condenação da Ré Munícipio do Dragão à construção de um canil e, da condenação da Ré Sociedade Protectora dos Animais/ Secção Norte ao encerramento do seu centro de recolha de animais de companhia.
A Ré Sociedade Protectora dos Animais / Secção Norte, pessoa colectiva de tipo associativo, inscrita no Registo Nacional das Associações Não-Governamentais de Ambiente n.º 157 112 789, e sede na Rua Vida Animal, n.º 35, 2.º Esquerdo, 3000-235, Dragão, veio contestar a ação, na qualidade de demandado, pedindo a improcedência do pedido.
O Réu Município do Dragão, pessoa colectiva n.º 610 006 178, com sede em Praça do Município, n.º 1, 3000-001, Dragão, veio contestar a ação, na qualidade de demandado, pedindo a improcedência do pedido do autor.
Fundamentação
Dos Factos
Tendo em conta as provas apresentadas e a força probatória dos seus meios de prova, o tribunal considera como provada a seguinte matéria de facto:
1 – O município do Dragão tem uma população de 250 000 habitantes, de acordo com o último censo.
2 – A Ré SPA, instalou um canil, sem fins lucrativos, em instalações fabris, sitas em Rua Direita, Lote A, Dragão, 1200-784,Município do Dragão.
3- As instalações fabris em causa encontravam-se devolutas antes da instalação do canil da Ré SPA.
4 – As instalações do canil foram cedidas, provisoriamente, pelo Município do Dragão, à Ré SPA.
5 - O canil instalado alberga, atualmente, três centenas de animais.
6-Os animais albergados no canil vivem em condições miseráveis.
7 - O espaço apresenta humidade excessiva e ausência de isolamento sonoro.
8 -A situação atual do canil provoca danos graves ao bem-estar dos animais, bem como ao ambiente e saúde pública.
9 – A situação do canil da Ré leva à propagação de doenças à zona residencial próxima, mormente Leptospirose e Leishmaniose.
10- O canil da Ré causa incómodos à população, nomeadamente no período noturno, dado o ruído excessivo devido à ausência de isolamento sonoro.
11 – A situação de mau cheiro causado por dejetos, restos de comida, proliferação de ratos e falta de limpeza agravou-se desde o início de 2013.
12- A Autora enviou várias cartas à Ré Sociedade Protectora dos Animais/Secção Norte relatando a situação.
13- A Ré SPA nunca respondeu às cartas enviadas pela A.
14- A A. deu início a uma campanha na internet e no facebook, apelando à adoção dos cães abandonados.
15 – Esta campanha permitiu que o cão Bobby tivesse encontrado novos donos
16 – Não foi realizada avaliação de impacto ambiental dos riscos graves para o ambiente e para a saúde pública da instalação do canil em zona residencial.
17 – A A. requereu que fossem tomadas as providências necessárias decorrentes das suas competências para por cobro à situação mas não obteve resposta.
18-No dia, a 18 de Setembro de 2013, foi enviada carta registada ao Presidente do Município do Dragão, Réu, questionando acerca da existência de um canil municipal e sobre a cedência das instalações, sem obter resposta.
19 – Ficou provado a existência de um centro de recolha de animais intermunicipal na Rua Professor Coutinho de Abreu, n° 13, 1234-5678 no Município X.
20 –O centro de recolha de animais do Município X foi instalado por decisão conjunta deste com o Município do Dragão, Y e Z, cujas obras foram concluídas em 13 de fevereiro de 2000.
Do Fundamentos de Direito
Dos Direitos dos Animais, Saúde Pública e Ambiente
A A. alegou ser tarefa fundamental do Estado, nos termos do artigo 9º, alínea d) da CRP, de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais.
Alegou também o artigo 66.º/1 da C.R.P., “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”. Devendo proteger-se a natureza e a estabilidade ecológica (cfr. artigo 66.º, n.º 2, alíneas c) e d) da C.R.P.).
Além disso, o artigo 2.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 17/2014, de 14 de Abril) estabelece que “compete ao Estado a realização da política de ambiente, tanto através da ação direta dos seus órgãos e agentes nos diversos níveis de decisão local, regional, nacional, europeia e internacional, como através da mobilização e da coordenação de todos os cidadãos e forças sociais, num processo participado e assente no pleno exercício da cidadania ambiental”.
Alegou também que “a CRP não se limita a promover o bem-estar e a qualidade do povo. Pois, embora a C.R.P. não destaque, directamente, os animais não selvagens (domésticos), como objeto de protecção especial, a verdade é que manda promover, nos termos do art. 66.º, n.º2, alínea g), a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente.”
Elencando outros diplomas, a A. elucidou este tribunal acerca do conceito de animais de companhia enquanto seres “somoventes”, cujos direitos estariam a ser violados pela atuação das Rés.
Dos factos provados em 9º, 10º e11º, decorre que a população sente que a situação do canil atenta contra a sua saúde e ao seu direito a um ambiente de vida sadio.
O Tribunal teve em conta tais considerações da A., no entanto, por mais boa vontade e respeito pela Constituição da República Portuguesa e seus princípios fundamentais, o presente Tribunal não pode daí retirar uma ordem material que fundamente os pedidos que a A. pretende ver satisfeitos com a presente ação.
Tais fundamentos em nada relevam para a decisão da causa, pelo menos nos termos invocados pela A., pelo que o tribunal se abstém de proceder a uma análise mais profunda.
Da ausência de Avaliação de Impacto Ambiental
Da matéria de facto apurada, resultou que a Ré SPA não realizou o procedimento previsto no Decreto-Lei n.º 151-B/2013, relativo à Avaliação de Impacto Ambiental, em relação ao centro de recolha e alojamento de animais de companhia.
À luz do regime jurídico vigente, estavam sujeitos a AIA os projectos que se encontravam previstos nos anexos I e II do diploma (artigo 1º/2), bem como os projectos que, por decisão do Ministro da tutela e do Ministro do Ambiente, fossem sujeitos a AIA, em função das suas especiais características, dimensão e natureza (artigo 1º/3). Analisando os referidos anexos, não é possível encontrar uma referência ao tipo de projeto em análise na causa. Assim, é este tribunal obrigado a concluir que o referido projeto não se encontra abrangido pela obrigação de proceder a uma avaliação de impacto ambiental.
Conclui-se portanto, que a Ré SPA não se encontra em falta por não ter realizado tal procedimento. A alegação da A. não tem, pois, fundamento.
Ainda que o diploma sujeitasse tal projeto ao procedimento previsto no referido diploma, daí não se retiraria uma norma que permitisse a este tribunal determinar o encerramento do referido estabelecimento, pelo menos, nos termos invocados pela A.
Do centro de recolha e alojamento de animais de companhia da Ré SPA
Alegou a A, que a Ré SPA, não cumpriu os seus deveres, decorrentes do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, alterado pelos Decretos -Leis n.os 315/2003, de 17 de dezembro, e 265/2007, de 24 de julho, pela Lei n.º 49/2007, de 31 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 255/2009, de 24 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro, que estabelece os procedimentos para o exercício da atividade de exploração e o funcionamento dos alojamentos para os animais de companhia.
Entende-se por animal de companhia, qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia (cfr. art. 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro. Ora, a Ré SPA alberga, entre outros, cães e gatos, animais de companhia para efeitos do referido diploma.
Da matéria de fato resultou que a Ré se encontra em incumprimento dos seus deveres, decorrentes, nomeadamente do . 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 4 (ex vi, art. 42.º), que prescreve as condições dos alojamentos a adoptar para os animais.
A A. alegou o desrespeito:
- do artigo 9º, relativo a fatores ambientais como temperatura, ventilação, luminosidade, entre outros;
- do estabelecido no artigo 12º, relativo á necessidade de um plano de alimentação bem definido, de valor nutritivo e adequado às necessidades dos animais;
- do art. 14.º (ex vi, art. 42.º), por ausência do cumprimento dos padrões de higiene adequados;
- do artigo 16º, dada a ausência de programa de profilaxia médica e sanitária, que acautelam os cuidados de saúde dos animais.
- do art. 41.º e 42º, pela inexistência de instalações adequadas para assegurar as suas necessidades básicas vido à ausência de instalações por espécie e instalações diferenciados para enfermaria, higiene, armazém, manuseamento de alimentos, lavagem de material e armazém de material e equipamento limpo.
- do art. 42.º, n.º 2, por ausência de sala de quarentena.
- do art. 15.º (ex vi, art. 42.º), que prescreve que os alojamentos devem assegurar que as espécies animais neles mantidas não possam causar quaisquer riscos para a saúde e para a segurança de pessoas, outros animais e bens.
Face à matéria de facto apurada resulta que o Tribunal não tem elementos probatórios suficientes para determinar o incumprimento dos referidos deveres legais. Não obstante haver fortes indícios de que o referido canil não dispõe das condições exigidas, ainda assim, mesmo que este incumprimento tivesse sido provado, é alheio à competência deste Tribunal, no que concerne ao pedido formulado. Veja-se o disposto nos artigos 68º e seguintes do DL 260/2012. Efetivamente, no que toca ao incumprimento das disposições do diploma, uma das consequências possíveis é o encerramento do estabelecimento, como previsto no artigo 69º -e). No entanto, olhando com atenção, reparamos que se trata de sanção acessória no âmbito do procedimento contra-ordenacional, procedimento que não se encontra na esfera deste tribunal, mas antes da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, como estabelece o artigo 70ºnº1.
Assim, nos termos invocados pela A. não pode este tribunal condenar a Ré SPA no pedido.
Do Centro de Recolha e Hospedagem Municipal
Analisando o pedido da parte autora, quanto à condenação da ré Município do Dragão, e os documentos apensos aos autos, observa-se que os municípios do Dragão, X, Y e Z constituíram uma CIM (Comunidade Intermunicipal), em conformidade com a Lei nº 45/2008.
Dessa forma, resta-se claro que a criação da CIM supre a necessidade de criação de canis em apenas um município, considerando a associação de no mínimo três municípios.
Portanto, a existência de um canil no município X, conforme o alegado pelos réus em sede de contestação, supriria a necessidade de construção de um canil no município de Dragão, considerando a associação constituída, de acordo com anexo III da Contestação do Município.
Conforme as testemunhas ouvidas em audiência, considerou-se provada a existência do Centro de Recolha de Animais, na Rua Professor Coutinho de Abreu, n° 13, 1234-5678 no Município X, cujas obras foram concluídas em 13 de fevereiro de 2000.
Desta forma, as alegações de inexistência de um Canil Municipal feitas pela parte autora não podem proceder, visto que o município do Dragão cumpriu os requisitos do disposto no artigo 23 e artigo 33, 1, alínea ii da Lei 75/2013 e do artigo 2°, alínea t, do DL 276/2001, de 17 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de Dezembro e pelo Decreto-Lei n.º 260/2012, de 12 de Dezembro), que estabelece que os centros de recolha podem ser considerados: “qualquer alojamento oficial onde um animal é hospedado por um período determinado pela autoridade competente, nomeadamente os canis e gatis municipais”.
Tendo em vista que se restou provada a existência de um canil municipal no município X, que abrange também os Municípios do Dragão, Y e Z, verifica-se cumprida a obrigação da Ré Município do Dragão.
Decisão
Pelo exposto decidiu o Tribunal declarar improcedentes os pedidos da A. e consequentemente absolver a Ré SPA, do pedido de condenação ao encerramento do centro de recolha e hospedagem de animais e, absolver a Ré Município do Dragão, do pedido de condenação à criação de um centro de recolha e hospedagem de animais Municipal.
Custas pagas pela Autora
Lisboa, 23 de Maio de 2014
A equipa de juízes,
Ana Oliveira
António S. Moura
Carolina Josefa
Daniella Bontorin
Fernanda Abduch
Gabriela Boal
Gonçalo Ferreira
Joice Poletto
Leonor Viegas
Mayara Jade
Maria Catarina Soares
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