Os Contratos de Adaptação Ambiental (CAA) são uma
singela figura do nosso ordenamento jusadministrativo. Talvez por isso sejam
especialmente atraentes ao jurista interessado nas matérias do Direito Público,
em geral, e do Direito do Ambiente, em particular. E foi exactamente o
manancial de problemas e reflexões jurídicas o que nos levou a querer
apresentar aqui a nossa versão. E é esse mesmo manancial que fez com que neste post não tivéssemos “gasto” espaço de
texto a explicar os aspectos mais convencionais e informativos como o regime,
os intervenientes, a natureza jurídica ou a evolução histórica dos CAA. Não
porque declinemos pertinência quanto a esses aspectos, mas porque o conceito
destes posts (pequenos por natureza)
nos obrigam a irmos directos às matérias mais aliciantes e problemáticas.
Apesar de este parecer um assunto totalmente
discorrido, arrogamo-nos o deleite egoísta de sobre eles lançar o nosso imberbe
olhar, tentando sempre descobrir novas perspectivas e lançar novos problemas e
interrogações.
Existem, em suma, dois problemas fundamentais que
cumpre sempre tratar: a constitucionalidade (e respectivo âmbito) dos CAA e q
questão de saber se apenas se aplicam dentro do DL 236/98 ou também fora dele.
A par e posteriormente a estes dois motes, procuraremos responder àquilo que
nos for surgindo, sob penas de repetirmos o que vem sendo dito sobre o tema.
1- Constitucionalidade:
Este ponto é de uma importância capital para o nosso
texto e terá sempre que ser abordado e resolvido em primeiro lugar, por uma
maior coerência lógico-discursiva[1].
Abrindo, então, as hostilidades, podemos dizer que o
problema quanto à constitucionalidade dos CAA se resume no seguinte: uma vez
que o objecto destes contratos é a fixação de um prazo e de um calendário
(artigo 78º/3 DL 236/98) com vista à adaptação da legislação ambiental em
vigor, tal implicará uma derrogação do regime legalmente estabelecido.
Portanto, o que está aqui em causa é saber a sua compatibilidade com o
princípio da legalidade (artigo 266º/2 CRP) e o princípio da tipicidade das
formas de lei (artigo 112º/5 CRP). Temos, assim, determinados parâmetros legais
com determinado valor, que entram em vigor e “surpreendem” os operadores económicos[2],
que assim lhes é dada a possibilidade de, durante um certo período de tempo,
permanecerem em violação (?) da lei, até chegarem ao resultado contratual, que
é a legalidade dos seus níveis de poluição. É de notar que este problema é
diferente de um outro (já resolvido pelo legislador), que se prende com a
admissibilidade abstracta da sua celebração. Ou seja, à partida, a
Administração (com a competência definida no artigo 78º) poderá celebrar estes
contratos devido à fórmula da alternatividade entre acto administrativo e
contrato prevista no artigo 278º do Código dos Contratos Públicos (CCP)[3].
Este contrato também não vinculará apenas o cocontratante mas também empresas
aderentes do sector em questão (artigo 78º/4).
Sobre esta questão da compatibilidade com a
Constituição, podemos dizer que há 3 posições[4] no
universo doutrinal nacional.
Em primeiro lugar, temos a posição mais restritiva
de todas, pertencente a CARLA AMADO GOMES[5].
Segundo a Autora, tanto os CAA como os contratos de promoção ambiental (artigo
68º do mesmo diploma) são inconstitucionais porque violadores do artigo 112º/5
da CRP. O argumento é o seguinte: o artigo 112º/5 CRP consagra uma proibição de
deslegalização. Os CAA introduzem, com eficácia externa, modificações a
normas legais. Logo, os CAA violam o tal princípio da tipicidade das formas de
lei vertido no artigo 112º/5 CRP. Portanto, segundo esta posição, o que
salvaria a constitucionalidade da figura seria o retirar da tal eficácia externa, o que se conseguiria
com contratos caso a caso, dotados de efeitos inter-partes. Dizemos que é a mais restritiva porque não parece
admitir nenhuma operatividade, ainda que residual, desta figura no nosso
ordenamento, a não ser que tivesse sido consagrada pelo legislador ordinário a
tal eficácia limitada inter-partes.
Ora, esta posição e, principalmente, a argumentação,
suscitam-nos (com a devida vénia) algumas reservas. Em primeiro lugar, porque
não nos parece que o que conste do artigo 112º/5 CRP seja uma proibição de
deslegalização. De facto, como parece ser consensual na nossa doutrina, este
preceito não proíbe o fenómeno da deslegalização[6]
(que será mais à frente explicado). Portanto, se entendermos que o que se passa
nos CAA é um fenómeno de deslegalização, podemos (devemos) arguir a
não-inconstitucionalidade da figura. Em segundo lugar, de facto, o artigo
112º/5 CRP veda a introdução de modificações às normas legais, sempre que
aquelas sejam dotadas de eficácia externa.
Mas será pelo facto de se contratualizar caso a caso esses efeitos (que propõe
CARLA AMADO GOMES) que deixará de existir eficácia
externa dessas relações jurídicas? Não parece. Isto porque mesmo nos casos
de actos com eficácia intersubjectiva (como é o caso do contrato) há eficácia externa[7]. E
se ela existe, então não será por se contratualizar caso a caso que se poderá,
por esta via argumentativa, salvar os CAA da violação do artigo 112º/5 CRP.
Uma segunda posição, que podemos designar neste
contexto por intermédia, é aquela protagonizada por MARK KIRKBY[8].
Após uma reflexão inicial sobre o debate e a tensão entre o princípio da
legalidade e o princípio da eficácia administrativa, o Autor classifica a
possibilidade prevista no nosso artigo 78º como “obviamente inconstitucional”[9]. O
argumento é, também, a violação do artigo 112º/5 CRP, na medida em que, ao se
possibilitar, por via contratual, a suspensão de normas legais, estar-se-ia a
defraudar a hierarquia formal dos actos normativos que o referido preceito quer
salvaguardar[10].
À partida parece ser uma solução de tolerância zero para estes contratos, mas
não é bem assim, pois haverá que ressalvar destas considerações (que fazem dos
CAA violadores do artigo 112º/5 CRP) alguns casos[11]
que, mesmo existindo, não deixarão de conferir à figura o tal papel “marginal e residual” de que fala MARK
KIRKBY. São eles os CAA a normas de natureza regulamentar (pois já não são
objecto da protecção positivada no artigo 112º/5 CRP; os casos em que temos
normas legais que estabelecem limites imperativos de poluição, mas que
comportem discricionariedade na sua previsão ou estatuição; e para contratos
substitutivos de actos administrativos praticados no âmbito de poderes de
polícia ambiental em que, por regra, existem espaços de abertura normativa. Em
suma, o Autor parte do pressuposto que sempre que temos normas legais com
conteúdo imperativo preciso, nenhum contrato a pode derrogar, sob pena de inconstitucionalidade.
Mas, nesse caso, extraem-se as decorrências lógicas que o raciocínio inverso
desvenda. Ou seja, sempre que não exista uma norma legal rígida e imperativa,
podemos utilizar este mecanismo porque não estamos a afastar a norma legal que,
à partida e sem contrato, seria aplicável, estamos sim a escolher uma das mais que uma opções que a norma de
competência nos fornece. Daqui se percebe que este Autor estende ao máximo,
dentro da sua posição, os casos em que a Administração pode socorrer-se desta
figura.
Uma terceira posição vem da pena do Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA[12],
e à qual podemos dizer que é a mais ampla e generosa para os CAA. Segundo o
Autor, a solução a encontrar para o problema tem de partir da análise material
dos valores que estão aqui em presença: por um lado os princípios da
constitucionalidade, da legalidade e da tipicidade das formas de leis e por
outro o da eficácia da realização da polícia ambiental pela via contratual, o
princípio da participação e colaboração dos particulares e o princípio da
tutela da confiança. Ou seja, esta posição rejeita a solução (que encontrámos
nas duas outras posições) de tudo ou nada, concentrando forças, isso sim, no
esforço de ponderação de bens (corporizados aqui em princípios), o que
resultará numa solução caso a caso da determinação da constitucionalidade dos
CAA.
Cabe, então, tomar posição sobre este problema. Em
primeiro lugar, cumpre clarificar um aspecto. Notámos, com a nossa
investigação, que temos de fazer aqui uma distinção consoante a norma objecto
dos nossos CAA. Por um lado, quando estamos perante conteúdo legal imperativo e
preciso, por outro lado, quando estamos perante um domínio que comporte a tal
abertura normativa propiciadora de discricionariedade na decisão. Ora, quando
estamos perante esta última situação, estamos a falar na ressalva indicada por
MARK KIRKBY e também por VASCO PEREIRA DA SILVA, em que estes contratos podiam
operar, pelas razões que tentei explicar acima. Portanto, nestes casos, não
estamos a entrar no âmbito de aplicação do artigo 112º/5 CRP, porque o conteúdo
legal não se nos impõe por si e pode depender muitas vezes de um juízo de
oportunidade por parte do órgão administrativo. Daí não haver perigo de
desconstruir a hierarquia dos actos normativos[13]. Ora,
logo ao admitirmos este campo de operatividade, afastamo-nos da tese de CARLA
AMADO GOMES.
Resta, então, saber, como resolver os casos em que
temos as tais normas imperativas[14] e
se consagra no artigo 78º o tal prazo e calendário de adaptação. Em nosso
entender, a solução quanto a este aspecto não poderá ser rígida ao ponto de
rejeitar todo e qualquer CAA que esteja nestas circunstâncias, mas terá que ser
arvorada em torno de uma ponderação entre os valores em presença. Isto porque,
a nosso ver, a solução terá que passar, em primeiro lugar, por compreender a
ratio do artigo 112º/5 CRP para só depois averiguarmos se determinado CAA
realmente frustra a tal hierarquia normativa ou se isso não acontece, e temos
uma real intenção de cumprir os postulados legais. É por aqui que, a nosso ver,
determinamos o busílis da questão.
Ora, o artigo 112º/5 CRP consagra o chamado
princípio da tipicidade das formas de lei. Ou seja, expressa a ideia de que as
leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração,
modificação, suspensão ou revogação seja efectuada por outro acto que não seja
também uma lei[15].
Mas não proíbe, como se disse atrás, o fenómeno da deslegalização, ou seja,
quando uma lei degrada uma determinada matéria ao ponto de passar a ser regulada
por regulamento (ou a outra fonte infra legal). E será deslegalização o que
encontramos no artigo 78º (ou em qualquer CAA que surja num modelo semelhante)?
Não parece. Pois o que se passa no nosso caso é o seguinte: a mesma lei que
estabelece a base habilitante para a existência desses CAA, fixa ela própria um
regime legal que vai ser então objecto de derrogação por esses mesmos CAA. Nem
podemos chamar a este fenómeno de auto-deslegalização, pois apesar de ser a
própria lei a admitir a sua derrogação por acto infra legal, ela não esvazia
essa matéria de regulação legal, porquanto continua a fixar o seu regime (que é
um regime legal) para todas as outras situações que não estejam abrangidas por
um CAA. Logo, não será por aqui que podemos salvar esta figura.
O que nos parece
conferir a tal operatividade mais ampla que a proposta por MARK KIRKBY é seguir
um caminho que atente para a ratio do artigo 112º/5 CRP. A nosso ver, o que se
quer com essa proibição, é a conservação da hierarquia normativa subjacente, e
a prevenção quanto aos perigos da sua subversão e defraudação. A tal situação
de “fraude à Constituição” de que
fala VASCO PEREIRA DA SILVA[16].
Isto porque não estamos num caso típico de violação do artigo 112º/5 CRP. Não
se trata aqui de a lei dar à Administração o poder para, através de actuações
infra-legais (neste caso por contrato), regular aquela matéria a seu bel
prazer. Não é isso de todo. O que se pretende com os CAA é, isso sim, recolocar
o operador económico numa situação de legalidade novamente, ao invés de
permanecer (como ficou após a lei entrar em vigor) em ilegalidade e lhe ser
aplicado, eventualmente, contraordenação. A solução passará por uma ponderação
concreta[17]
entre aqueles valores em jogo para averiguar qual prevalecerá e também se não
há uma fraude à hierarquia normativa. Por exemplo, se a nova lei consagra um
regime praticamente impossível de cumprir no curto prazo (em bom rigor no
imediato prazo), não fará sentido poder salvaguardar a segurança e a eficácia
da actuação administrativa em matéria ambiental, permitindo que o particular se
possa adaptar, controlado pela Administração, à legislação em vigor? Fará mais
sentido iniciar um procedimento contraordenacional em que os resultados
práticos, se não forem iguais, poderão até ditar o fecho da actividade
económica em causa, em claro prejuízo dos valores económicos em jogo? Um outro
exemplo: imagine-se que num caso se fixa um prazo de 5 anos para adaptação a
uma lei nova e no outro de 25 anos, pertencendo ambos a sectores semelhantes.
Será possível este segundo contrato ser válido? Não parece, pois o tal período
de 25 anos leva-nos a concluir que o que se quer não é uma verdadeira adaptação
à legislação nova, mas uma tentativa de manobrar o regime legal através de um
acto de grau inferior, esquecendo o conteúdo do acto legislativo, violando,
portanto o artigo 112º/5 CRP[18]. A
corroborar este entendimento pode estar o facto de, no DL 58/2005 de 29 de
Dezembro, no respectivo artigo 96º, se vir prever um CAA no âmbito do
procedimento contraordenacional. O objectivo deste contrato neste âmbito não
pode ser outro que o de restabelecer a legalidade da forma mais eficiente
possível, e não a de obstar ao cumprimento dos novos parâmetros legais. Também
a favor de um entendimento que aposta na ponderação e compatibilização entre bens ou valores vem a nova Lei de Bases do
Ambiente (Lei 19/2014 de 14 de Abril), no seu artigo 13º/2 (artigo subordinado
à epígrafe: Transversalidade e integração;
e sob o Capítulo IV: Conciliação da
política do ambiente com outras políticas sectoriais) dizer que “No sentido de promover e acautelar os
princípios e objetivos da política de ambiente, os bens ambientais devem ser
ponderados com outros bens e valores (…)”.
2- Âmbito
de aplicação:
Cabe agora saber qual o campo de aplicação destes
contratos. O que equivale a saber se o artigo 78º remete para dentro do seu
diploma ou também para fora do mesmo[19].
Quanto a este ponto, há que fazer uma breve exegese
legal a um artigo que não prima pela perfeição do seu texto. No artigo 78º/1
diz-se “Com vista à adaptação da
legislação ambiental em vigor, nomeadamente
às disposições do capítulo V (…)”. Ora, neste segmento, parece o legislador ter
querido dar aos CAA um escopo maior do que quanto às disposições do capítulo V
do DL 236/98. O advérbio de modo “nomeadamente” significa precisamente que
aquilo que lhe segue textualmente não esgota a matéria que se quer regular. Mas
isto não basta para dizermos que, neste caso, isso importa uma aplicação
exterior ao diploma. De facto, como denota MARK KIRKBY, o destino da expressão nomeadamente terá de ser[20]a
referência, por exemplo, aos vários anexos do diploma. Um outro argumento que nos provém da letra da
lei é o conteúdo do nº4 do artigo 78º. É que é expressamente exigida, para
efeitos de adesão ao CAA, a demonstração da respectiva licença de utilização do domínio hídrico, o que em
muito indicia que não se quis fugir ao DL 236/98.
Em relação ao elemento sistemático, o facto de estar
enquadrado nas disposições finais e transitórias parece inviabilizar um
desiderato geral para todo o ordenamento jurídico jus-ambiental.[21]
Julgamos que, sistematicamente, uma disposição com esse fim aglutinador teria
que estar consagrada num diploma como a Lei de Bases Ambiental[22].
A fechar esta parte, há que olhar para um outro
argumento. É que a admitirmos a extensão a qualquer outro diploma que surja e
consagre parâmetros mais apertados, qual será o limite? Serão os diplomas que
regulem matérias ambientais? Será fácil descortinar sempre quais serão esses? E
se houver um diploma misto de matéria ambiental com outro tipo de área, como
sabemos se será repescado pelo artigo 78º? Qual o critério para este tipo de
diplomas mistos para se poderem contratualizar os seus limites a partir de um
CAA? Valerá para todos os diplomas que a partir de agora surjam? Como de pode
imaginar, este manancial interminável de interrogações inviabiliza por completa
a tal extensão para fora do Dl 236/98 dos CAA previstos no artigo 78º. Não nos
esqueçamos que estas incertezas expostas agora se relacionam com o facto de que
estamos a decidir aquilo que pode ser ou não derrogado por um CAA. Ora, tal
afigura-se-nos impossível por manifesta falta de base legal e por poder
excessivo conferido aos valores e interesses do outro lado da barricada dos que
o artigo 112º/5 CRP pretende acautelar.
Mas isto que agora foi dito, serve para aqueles
casos que já delimitados, em que há limites imperativos fixados pela lei.
Resposta diferente e permissiva parecem ter os tais casos em que há
discricionariedade e em que se permite uma adaptação dentro do campo do que era
já também unilateralmente permitido. Entendemos que neste campo não fará
sentido limitar estes contratos ao âmbito do DL 236/98.
3- Questões
diversas:
Esta parte do nosso trabalho é dedicada à abordagem
de outros pontos que nos foram surgindo ao longo da investigação[23],
e para os quais estes posts são o
sítio ideal para a sua exposição e discussão.
O primeiro problema que queríamos trazer aqui é a
questão de saber se podem ser feitos CAA para adaptação às normas de descarga
fixadas num outro CAA com base no artigo 78º/3. A respeito das preocupações
anteriores, o facto de estarmos perante normas infra legais afasta qualquer
problema de inconstitucionalidade. Por outro lado, o artigo 65º/8 do próprio
DL236/98 já consagra (cumprindo-se os pressupostos) a possibilidade de se fixar
um prazo para se corrigir um eventual incumprimento da mesma. Mas não se trata
aqui de normas de descarga contratualizadas, mas sim “impostas”. No entanto, não vemos razão para que se posso fazer o
mesmo nas normas de descarga fixadas através de CAA, nem que seja por argumento
de maioria de razão.
Uma outra questão muito interessante que nos surgiu
foi saber da possibilidade de existência de um contrato misto de adaptação e
promoção ambiental. A ideia seria a seguinte: o contrato previa a tal fixação
de um prazo e de um calendário para adaptação da legislação, mas em vez de o
objectivo, do resultado contratual ser o cumprimento dos parâmetros fixados por
lei, seriam objectivos ainda mais exigentes do que os fixados pela lei. Até à
parte em que se tentava atingir os limites legais, seria um CAA, mas a partir
do momento em que esses limites foram atingidos e o que se quer é a fixação de
limites mais exigentes, seria um contrato de promoção ambiental. Não parece
haver qualquer tipo de impedimento para este esquema contratual, pois existe
base legal individual para cada um e o que estamos a fazer é juntar os dois num
único contrato. Não parece também que estes contratos estejam submetidos às
regras da Parte II do CCP, pelo que o artigo 32º do mesmo diploma não poderá
ter aplicação neste campo. Até podemos mesmo dizer que este é um exemplo mais
intenso até de um CAA ser usado apenas e só para cumprir a lei e respeitar os
limites legais, pois quer-se, até, ir mais longe. É de notar também que esta
parte em que se fixa um resultado mais difícil (contrato de promoção
ambiental), pode servir como uma excelente contrapartida para que ao operador
económico seja concedido o benefício de estar um certo período de tempo fora
dos limites legais. Até podemos mesmo dizer, terminando por aqui as nossas
considerações, que pensamos ter encontrado a tal utilidade que parecia faltar
aos contratos de promoção ambiental.
[1]
Pois apesar de podermos ter
que especular algumas questões aqui acerca do âmbito de aplicação, a verdade é
que quando formos resolver a questão desse mesmo âmbito de aplicação, qualquer
interpretação restritiva conforme à Constituição que precisemos de fazer vai
ter a sua base de fundamentação nas soluções que arvorámos aqui. E mais, pois
só faz sentido ir determinar o âmbito de aplicação de uma figura se virmos que
ela tem algum espaço de constitucionalidade no ordenamento jurídico e, mais
importante, depois de determinarmos qual o âmbito dessa constitucionalidade.
[2] Pois da nossa leitura, o que
resulta é que esta adaptação parece ser para o caso em que uma empresa esteja a
laborar com uma licença e posteriormente entra um diploma que a faz estar em
incumprimento perante os novos parâmetros legais (necessariamente mais gravosos
do que aqueles que existiam ao tempo da atribuição/renovação da licença). Com
isto, contratualiza-se um calendário para que se posso cumprir os objectivos da
nova lei ao invés de se partir logo para a contraordenação. Portanto, não se
trata de já haver uma lei e não haver ainda qualquer licença e para se conceder
a licença fixa-se o tal plano de cumprimento, pois aqui nunca teria havido
conformidade num primeiro momento. Em suma: é para casos em que estava legal e
licenciado e deixou de estar (daí a questão se poder até relacionar com ao
problema da modificabilidade dos actos autorizativos em matérias ambiental e o
consequente problema da segurança jurídica – sobre isto vide: AMADO GOMES,
Carla, Risco e Modificação do Acto
Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do Ambiente, Lisboa 2007
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/cg_MA_17157.pdf
[3]
Referindo-se ainda o artigo
179º CPA, mas expressando a mesma ideia quanto aos CAA e quanto aos contratos
em geral, vide: PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde
Cor de Direito, Almedina, 2002, p.216; expressando também , esta
fungibilidade entre o contrato e o acto em matéria ambiental (com clara
preferência até pelo contrato) vide: ANTUNES, Tiago, O Ambiente entre o Direito e a Técnica, AAFDL, Lisboa, 2003, p.80 e
ss.
[4] Que se distinguem pelo maior ou
menos espaço de operatividade que conferem aos CAA.
[5] AMADO GOMES, Carla, Introdução ao Direito do Ambiente,
AAFDL, 2014, p.133
[6] Assim: MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Parte
V, Coimbra Editora, p.229 e ss; CANOTILHO, Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada
– anotação ao artigo 112º, ponto XXII e seguintes, Almedina, 2005.
[7] CANOTILHO, Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada
– anotação ao artigo 112º, ponto XXII e seguintes, Almedina, 2005, p.68
[8]
Expressa na sua obra:
KIRKBY, Mark, Os Contratos de Adaptação
Ambiental – A Concertação entre a Administração Pública e os Particulares na
Aplicação de Normas de Polícia Administrativa, AAFDL, 2001
[9] Sendo ainda mais
inconstitucional a interpretação do artigo 78º no sentido de que os CAA sairiam
fora do âmbito do DL 236/98, pois habilitaria, sem hétero-deslegalizar os
outros diplomas, a Administração a suspender os seus efeitos por contrato
sempre que quisesse. Mas sobre o tema do âmbito trataremos adiante.
[10] Acabando também por violar o
princípio da legalidade, por envolver a negociação de poderes vinculados.
[11] Dos quatro elencados, só vamos
referir os três referentes à figura dos CAA.
[12] PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde Cor de Direito, Almedina, 2002,
p.217 e ss
[13]
E o mesmo
se admita para as restantes duas ressalvas levantadas por MARK KIRKBY, pois no
caso de se estar a derrogar regulamentos, sempre se dirá que o artigo 112º/5
CRP consagra o desiderato de não permitir que nenhuma lei dê a um acto
infra-legal o poder de contender com o seu conteúdo ou vigência. Logo, pode dar
esse poder a um acto infra-legal de contender com o conteúdo ou vigência de
outro acto também infra-legal. Em relação aos contratos substitutivos de actos
administrativos, abre-se também uma via muito similar à primeira, pois estamos
de novo no domínio da discricionariedade, em que as normas aparecem ao estilo
de Directivas e que o órgão administrativo tem liberdade para chegar ao
resultado pretendido por essa mesma norma de competência.
[14]
Que diremos serem as
situações normais e que nos surgem logo no pensamento quando exploramos
mentalmente os problemas dos CAA.
[15]
CANOTILHO, Gomes/MOREIRA,
Vital, Constituição da República
Portuguesa Anotada – anotação ao artigo 112º, ponto XXII e seguintes,
Almedina, 2005
[17]
Para um tratamento
actualizado desta figura, vide: OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo,
vol. I, ALMEDINA, 2013, p.432 e ss.
[18]
Sem falar na presença nesta
hipótese do princípio da igualdade, lembrando os também cruciais princípios da
actividade administrativa do artigo 266º/2 CRP.
[19] O plano doutrinal neste campo é
mais coeso do que o anterior, pois os três autores referidos entendem que estes
contratos só encontram campo de aplicação dentro do diploma de onde promanam.
[20] Este “terá de ser” advém do facto de o Autor fundamentar esta
interpretação restritiva do campo de aplicação devido ao facto de se ter que
fazer uma interpretação conforme à Constituição.
[21] KIRKBY, Mark, Os Contratos de Adaptação Ambiental – A
Concertação entre a Administração Pública e os Particulares na Aplicação de
Normas de Polícia Administrativa, AAFDL, 2001, p.76
[22] E nada lá se refere acerca de
uma figura deste tipo, nem na nova Lei 19/2014, de 14 de Abril
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