I
- Introdução
O presente estudo irá versar sobre a
figura do contrato de adaptação ambiental à luz do ordenamento jurídico
português.
O contrato de adaptação ambiental
surge na praxis administrativa na década de 90, em virtude do DL 74/90 de 7 de
Março, onde se permitia à administração fixar um prazo às empresas de adaptação
à legislação relativa às descargas de água. Tendo em conta os parâmetros
exigentes da legislação em matéria de ambiente e, consequentemente, os custos
que o seu cumprimento poderia implicar para as empresas existentes, a
administração estabelecia mediante contrato um período durante a qual estas
poderiam proceder ao cumprimento dos regimes jurídicos ambientais.
A constante evolução da ciência e da
tecnologia dos dias de hoje apresentam desafios para o direito administrativo
e, para o direito do ambiente. A mutação verificada na tecnologia implica
também modificação e adaptação das licenças ambientais. Este facto demonstra
uma necessidade de rever a figura administrativa da licença, isto é, de actos
que tradicionalmente constituíam direitos e gozavam de grande estabilidade no
ordenamento.[1]
Estas necessidades levam alguma doutrina contemporânea a questionar o paradigma
da licença ambiental e a possibilidade de encontrar instrumentos jurídicos que
permitam à administração uma maior cooperação e modelação das relações
jurídicas ambientais. O mestre Tiago Antunes refere as potencialidades da
figura do contrato como meio por excelência de se adaptar o direito do ambiente
a esta nova realidade, desde que se respeitem, como refere “uma série de
limites rigorosos e apertados quanto à negociação de contrapartidas privadas”. [2]
Para
a doutrina clássica era difícil conciliar a ideia de poder administrativo com a
ideia de consenso que o contrato veicula. Hoje essa ideia está ultrapassada e
assistimos a uma cada vez maior utilização desta figura pela administração, a
que o direito do ambiente também não é imune.[3]
II
– O Contrato de Adaptação Ambiental
Em matéria ambiental eram constantes
os incumprimentos das empresas, pelo que não é estranho que a solução
encontrada pela administração tenha passado pela procura de um ponto de
equilíbrio: a concertação ao invés da sanção. Encontra-se subjacente a ideia de
que a política ambiental pode ser prosseguida de forma mais eficaz se, os
particulares, se submeterem voluntariamente ao cumprimento das normas, ao invés
de a administração recorrer a sanções.
No
entanto, esta figura não é isenta de críticas quer pelo modo como foi
utilizada, quer pelo seu enquadramento jurídico. O Estado tem como incumbência
proteger o ambiente e o desenvolvimento sustentável, é estranho que através da
via contratual possa derrogar imperativos legais e apoiar, como refere a
professora Carla Amado Gomes, a “manutenção do status quo de degradação
ambiental e não que o combata”.[4]
O contrato de adaptação estabelece
um prazo de adaptação à legislação ambiental em vigor, diminuindo a exigência
de padrões legais que seriam de outra forma aplicáveis às instalações
industriais.
A doutrina costuma referir
recorrentemente o artigo 78º nº3 do DL 236/98, como a âncora do contrato de
adaptação ambiental. Com a epígrafe de “Contratos de Adaptação Ambiental”,
estabelecia que “com vista à adaptação à
legislação ambiental em vigor, nomeadamente às disposições do capítulo V” (…)
“poderão ser celebrados contratos de adaptação ambiental”, os quais “terão de se conformar com as regras
comunitárias aplicáveis e com os planos de ação e gestão previstos no presente
diploma” e que “o objeto destes
contratos é a concessão de um prazo e a fixação de um calendário, a cumprir
pelas empresas aderentes e, eventualmente, a definição das normas de descarga a
respeitar pelas instalações das empresas aderentes, sendo que, no caso da
renovação de licenças, a aplicação das disposições do presente artigo não
poderá dar lugar à fixação de condições menos exigentes do que as que constam
das licenças em vigor”.
A
nível da legislação acerca da Água, veio entretanto o artigo 96º da lei 58/2005
estabelecer que as autoridades de licenciamento, fiscalização e inspeção “podem determinar ao infrator a apresentação
de um projeto de recuperação que assegure o cumprimento dos deveres jurídicos
exigíveis”. No caso de o projeto ser aprovado “deve ser objeto de um contrato de adaptação ambiental, com a natureza
de contrato administrativo, a celebrar entre a entidade licenciadora e o
infrator”. Neste diploma parece ter sido preocupação do legislador colocar
esta figura num quadro de reposição da legalidade, considerando-se o particular
“o infrator”, utilizando-se o
contrato como alternativa a outras medidas sancionatórias.
O artigo 35º nº2 da antiga Lei de
Bases do Ambiente, Lei n.º 11/87, dispunha que “O Governo poderá
celebrar contratos-programas com vista a reduzir gradualmente a carga poluente
das atividades poluidoras”. Este diploma foi entretanto revogado pela nova Lei
de Bases do Ambiente, Lei 19/2014 de 14/04, onde tal artigo já não figura.
Somos então obrigados a reponderar a
admissibilidade destes contratos à luz do artigo 35º nº2 da antiga Lei de Bases
do Ambiente. A ausência de uma norma geral habilitante leva-nos a crer que, os
contratos de adaptação, ficarão limitados aos casos previstos especificamente
em legislação ambiental, como é o caso do referido artigo 78º nº3 do DL 236/98.
IV – Constitucionalidade
À luz do artigo 112º nº 5 da CRP surgem dúvidas quando à
admissibilidade da figura do contrato de adaptação ambiental face ao princípio
da legalidade.
Encontramos na doutrina pelo menos três respostas
possíveis a este problema.
Para Carla Amado Gomes, os contratos
de adaptação ambiental permitem, com eficácia externa, a modificação de normas
legais, o que é “atentatório da proibição de “deslegalização” constante do
artigo 112º nº 5 da CRP”, e consequentemente determina a sua
inconstitucionalidade. Esta é a posição mais radical, pois veda em absoluto a
hipótese de celebração de contratos de adaptação ambiental.[5]
Marc Kirkby, numa posição intermédia
declara a inconstitucionalidade de contratos de adaptação ambiental sempre que
estejamos em face de um comando legal imperativo preciso. Baseando-se também no
artigo 112ºnº5 da CRP, afirma que se estaria a permitir desta forma um contrato
defraudar a hierarquia normativa. Este autor ressalva no entanto os casos em
que, não existindo tal comando imperativo, pode a administração celebrar estes
contratos, nomeadamente quanto a normas de natureza regulamentar, já não
abrangidas pelo princípio da tipicidade.[6]
Numa posição mais generosa, Vasco
Pereira da Silva defende que para além dos contratos referidos anteriormente
por Marc Kirkby, será ainda possível salvar contratos de adaptação ambiental que
derrogassem limites legais, ainda que através de uma análise casuística.
V
- Posição Adoptada
Do nosso breve estudo desta questão
complexa, pendemos humildemente para a posição de Vasco Pereira da Silva.[7]
Como refere o professor, não nos
podemos prender apenas ao princípio da legalidade e da tipicidade das formas de
lei. A solução deve ser gizada tendo em conta também os valores que estes
veiculam, nomeadamente a eficácia da política ambiental realizada contratualmente,
a participação e a colaboração dos particulares em matéria ambiental e a confiança
destes, mormente quando estamos perante alterações normativas nesta área.
Concordamos com o professor quando
refere que os princípios da legalidade e tipicidade, com assento
constitucional, pretendem evitar uma fraude à hierarquia da lei. Tais preceitos
pretendem evitar que a administração por via destes contratos, por exemplo,
consiga derrogar a aplicação de normas a que se encontra vinculada. Isto teria
como consequência a inutilização dos valores que a lei, de conteúdo geral e abstrato,
promove e aos quais a administração está vinculada. Ora, diz-nos também o
professor, que, quando o contrato de adaptação se destine a fixar um prazo de
adaptação e de aplicação gradual da lei, pelas razões de eficácia expostas
anteriormente, sendo o resultado final a conformação à lei, podemos afirmar que
não se frustram os objetivos constitucionais de tal preceito. Isto significa
que não se trata de ignorar os preceitos legais e atribuir poder de conformação
absoluto à administração, mas antes de incentivar os particulares, dentro de um
prazo, a atuarem dentro dos novos parâmetros legais.
Vejamos
que em alternativa, tendo em conta as fortes exigências que procedem da
legislação ambiental, temos os procedimentos contra-ordenacionais e no limite,
o encerramento das empresas. Os custos para o Estado em perda de capacidade
produtiva e desemprego podem ser superados pelo contrato de adaptação
ambiental. A constituição obriga à ponderação de múltiplos interesses, quer
seja o cumprimento da legalidade, a proteção do ambiente ou a liberdade
económica.
Permitir a celebração destes contratos, mesmo que nestes moldes restritos,
em minha humilde opinião, é uma solução que se coaduna com a plena realização
dos interesses em jogo.
Gonçalo Jorge Ferreira
Aluno nº19618
[1] Tiago
Antunes, “O Ambiente entre o Direito e a Técnica”, AAFDL, 2003, pp. 91 ss
[2] Tiago
Antunes, “O Ambiente entre o Direito e a Técnica”, AAFDL, 2003, pp. 91 ss
[3] Vasco
Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”,
Almedina, 2002, pp.209ss
[4] Carla
Amado Gomes, “Tratado de Direito Administrativo Especial, volume I”, Almedina,
2009, p.94
[5] Carla
Amado Gomes, “Tratado de Direito Admistrativo Especial, Volume I”, Almedina,
2009, p.206.
[6] Marc Bobela-Mota Kirkby, "Os contratos de adaptação ambiental: a concentração entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa", AAFDL, 2001, pp. 45 e ss.
[7] Vasco Pereira
da Silva, op.citado, pp.218 e 219
Visto.
ResponderEliminar«antiga Lei de Bases do Ambiente, DL nº224-A/96, de 26/11»?????